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Beatriz Costa
- Partilhar 09/12/2023
Beatriz Costa, de seu verdadeiro nome Beatriz da Conceição, nasceu a 14 de Dezembro de 1907 na Charneca do Milharado, junto à Malveira, na chamada zona saloia lisboeta. Até aos cinco anos, como mais tarde escreveu, não conhece luz eléctrica nem água canalizada. Depois de uma infância pobre e atribulada, mas com vários "anjos da guarda" (entre os quais se encontravam Malhoa e Aquilino), estreou-se no teatro como corista, em Agosto de 1923, na revista "Chá e Torradas". Foi no Éden, em Lisboa. Em 1924, integrada numa companhia de teatro de revista, parte em digressão para o Brasil, onde obtém grande êxito, actuando como actriz na revista "Fado Corrido". De volta a Lisboa, é contratada para o Trindade, tornando-se, daí em diante num caso raro de popularidade no teatro português. Mas é no cinema que a sua imagem-mito se fixa na memória colectiva, em filmes como "A canção de Lisboa", de Cottinelli Telmo (1933) ou "Aldeia da Roupa Branca", de Chianca de Garcia (1938). Beatriz Costa, que vive desde os anos 40 no Hotel Tivoli, escreveu já cinco livros de memórias. Em sua homenagem, a Malveira baptizou um teatro com o seu nome em 1934 e inaugurou em 1993 o Museu Popular Beatriz Costa, onde estão expostos muitos dos objectos pessoais usados pela actriz ao longo da sua carreira.
A Franja que é Auréola
Artur Semedo*
-"Ai, minha querida
senhora de olhos tão belos e tristes,
dai-me a esmola de vossas lágrimas por
alma de quem lá tem!" A senhora de
elegância espartilhada em tentação, saía
do incomensurável Convento de Mafra,
essa orgia arquitectónica de D. João V,
onde ouvira missa com responso de louvor
personalizado, por alma do marido que
fenecera em prenúncio de queda de
Monarquia e implantação da República.
Estávamos nos finais de 1907. O norte
resmungava e os tribunos do sul afinavam
a voz.
Que estranha esmola pedida a
tão encantadora mulher, suave como o
passado e que os crepes da viuvez
entronizavam em atracção sedutora. Um
compêndio de virtudes, uma oração
sexual. Um altar laico para redobrar o
pecado. Uma crueldade de corpo
predestinado a todos olharem com olhos
de ter. Um delírio com finas mãos de
sonata. Seios a inspirar busto ou poema
a artistas em demencial devaneio. Uma
sarça ardente. Mulher de fino corte em
corte de trono e séquito moribundo em
último suspiro, para num 5 de Outubro
ressurgir a nação valente e imortal. A
viúva triste olhou lá do alto a pedinte
de costas arqueadas para a pobreza e foi
derramar de seus olhos cor de luto
lágrimas de infortúnio na concha
daquelas mãos encardidas de miséria,
onde a linha da vida e do destino se
enleavam rejeitando leitura de sina. A
bela senhora e de bom coração afagou as
rugas daquela face, onde uns olhos se
adivinhavam e perguntou em sussurro de
confissão: "Para que lágrimas me pedes
se de fome é teu viver?" e o pedaço de
vida enrodilhado em trapos à esmoler
segredou: "Para enfeitiçar menina que
vai nascer e que benzida com lágrimas
terá que ser, pra na vida e tanto falar
muito falada será." e, mais contou de
encantamento: "Em Aljustrel de Fátima
rodeada de oliveiras, rasgada por ventos
vindos da Cova da Iria, fui encantar
menina nascida para ovelhas apascentar e
a fome afugentar. Num dia 13, quando um
Maio florir, muito dará que falar esta
pastorinha a quem o nome de Lúcia dei."
Pródigo ano de 1907! E, perante tal
crescendo de encantamentos a viúva
alegre ficou e clausura pediu no
convento que ali estava à mão. A
fazedora de destinos desapareceu no
matagal da serra da Malveira e na casa
do moleiro António da Mata entrou sem
ninguém dar por tal presença. A mulher
do moleiro gemia e uivava dor de parto,
pois criança ia dar à luz do petróleo na
Charneca do Milharado. Um parto
artesanal. Águas que rebentam, águas que
se aquecem, punhos fechados de última
dor e nova vida no mundo. Cordão
umbilical cortado, como se de
inauguração se tratasse, cruz de
lágrimas em feitiço na moleirinha, duas
palmadas no rabo e ala que se faz tarde.
"Menina ou menino?" gemeu a mãe já de
ventre desocupado. "Menina" respondeu a
parteira da freguesia, "E que rica
menina", silabou a mulher de encantar ao
ver o cochicho da criança e pela porta
saiu entrando na noite do Império
português.
Dias passaram e lá a
baptizaram ao colo de sua mãe Claudina.
Entre velas, padrinhos e água benta. O
padre a registou como Beatriz da
Conceição.
Cresceu em alegria ladina
de corrupio irrequieto e sem saber ler
nem escrever rolou do moinho paterno
para o palco do Éden em 1923 onde se
estreou como corista na revista "Chá e
Torradas". Já a Irmã Lúcia vidente de
Fátima, a pastorinha, deixara a Cova da
Iria e fazia preparos para abraçar o
estado religioso nas Irmãs Doroteias.
Beatriz da Conceição um ano que foi
passado, em homenagem à mítica actriz
Laura Costa, baptiza-se de Beatriz Costa
e já Biafranja na revista "Sete e Meio"
torna-se o ídolo dum país que agora a
recompensa com cobrança de impostos.
Biafranja aprendeu a ler e
escrever na Brasileira do Chiado, onde a
estupidez tinha a entrada interdita.
Seus mestres do B-A-BÁ: Aquilino
Ribeiro, Almada Negreiros e Jorge
Barradas. E dessa aprendizagem tão bem
se saiu que cinco livros à estampa do
sucesso já deu.
A Irmã Lúcia também
as "Memórias" escreveu para o escaparate
da eternidade. Beatriz, o mundo
percorreu procurando as raízes da nossa
bondade e mais tarde as sete partidas
calcorreou para falar ou tocar Madre
Tereza de Calcutá. Mal chegava e a Madre
se partira. Desencontros na terra com
recompensa no céu. Todos os meses,
Biafranja devota de S. Francisco de
Assis, vai a Fátima orar junto à campa
dos pastorinhos e a Coimbra
interiorizar-se na cerca do Convento das
Carmelitas, onde a Irmã Lúcia de
encantamento aguarda a eternidade e a
santificação.
Tivoli,
o Tibur de Roma, que foi gruta de Sibila
e Neptuno, é hoje paraíso de
predestinados em Itália e Dinamarca. Em
Portugal no Tivoli da sua redenção
ciranda e rodopia com os seus 88 anos,
já com lugar cativo no paraíso celeste
por ao próximo bem fazer, a menina filha
do moleiro António da Mata e Claudina da
Conceição. Obrigado por teres nascido
enfeitiçada com lágrimas de tristeza,
que tanta alegria deram ao teu viver
para nós.
Beijo-te os pés Biafranja.
*cineasta
Beatriz Costa - A Agulha e o Dedal,
no filme "A Canção de Lisboa" (1933)
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