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Beatriz Costa

Beatriz Costa, de seu verdadeiro nome Beatriz da Conceição, nasceu a 14 de Dezembro de 1907 na Charneca do Milharado, junto à Malveira, na chamada zona saloia lisboeta. Até aos cinco anos, como mais tarde escreveu, não conhece luz eléctrica nem água canalizada. Depois de uma infância pobre e atribulada, mas com vários "anjos da guarda" (entre os quais se encontravam Malhoa e Aquilino), estreou-se no teatro como corista, em Agosto de 1923, na revista "Chá e Torradas". Foi no Éden, em Lisboa. Em 1924, integrada numa companhia de teatro de revista, parte em digressão para o Brasil, onde obtém grande êxito, actuando como actriz na revista "Fado Corrido". De volta a Lisboa, é contratada para o Trindade, tornando-se, daí em diante num caso raro de popularidade no teatro português. Mas é no cinema que a sua imagem-mito se fixa na memória colectiva, em filmes como "A canção de Lisboa", de Cottinelli Telmo (1933) ou "Aldeia da Roupa Branca", de Chianca de Garcia (1938). Beatriz Costa, que vive desde os anos 40 no Hotel Tivoli, escreveu já cinco livros de memórias. Em sua homenagem, a Malveira baptizou um teatro com o seu nome em 1934 e inaugurou em 1993 o Museu Popular Beatriz Costa, onde estão expostos muitos dos objectos pessoais usados pela actriz ao longo da sua carreira.

A Franja que é Auréola
Artur Semedo*

-"Ai, minha querida senhora de olhos tão belos e tristes, dai-me a esmola de vossas lágrimas por alma de quem lá tem!" A senhora de elegância espartilhada em tentação, saía do incomensurável Convento de Mafra, essa orgia arquitectónica de D. João V, onde ouvira missa com responso de louvor personalizado, por alma do marido que fenecera em prenúncio de queda de Monarquia e implantação da República. Estávamos nos finais de 1907. O norte resmungava e os tribunos do sul afinavam a voz.
Que estranha esmola pedida a tão encantadora mulher, suave como o passado e que os crepes da viuvez entronizavam em atracção sedutora. Um compêndio de virtudes, uma oração sexual. Um altar laico para redobrar o pecado. Uma crueldade de corpo predestinado a todos olharem com olhos de ter. Um delírio com finas mãos de sonata. Seios a inspirar busto ou poema a artistas em demencial devaneio. Uma sarça ardente. Mulher de fino corte em corte de trono e séquito moribundo em último suspiro, para num 5 de Outubro ressurgir a nação valente e imortal. A viúva triste olhou lá do alto a pedinte de costas arqueadas para a pobreza e foi derramar de seus olhos cor de luto lágrimas de infortúnio na concha daquelas mãos encardidas de miséria, onde a linha da vida e do destino se enleavam rejeitando leitura de sina. A bela senhora e de bom coração afagou as rugas daquela face, onde uns olhos se adivinhavam e perguntou em sussurro de confissão: "Para que lágrimas me pedes se de fome é teu viver?" e o pedaço de vida enrodilhado em trapos à esmoler segredou: "Para enfeitiçar menina que vai nascer e que benzida com lágrimas terá que ser, pra na vida e tanto falar muito falada será." e, mais contou de encantamento: "Em Aljustrel de Fátima rodeada de oliveiras, rasgada por ventos vindos da Cova da Iria, fui encantar menina nascida para ovelhas apascentar e a fome afugentar. Num dia 13, quando um Maio florir, muito dará que falar esta pastorinha a quem o nome de Lúcia dei." Pródigo ano de 1907! E, perante tal crescendo de encantamentos a viúva alegre ficou e clausura pediu no convento que ali estava à mão. A fazedora de destinos desapareceu no matagal da serra da Malveira e na casa do moleiro António da Mata entrou sem ninguém dar por tal presença. A mulher do moleiro gemia e uivava dor de parto, pois criança ia dar à luz do petróleo na Charneca do Milharado. Um parto artesanal. Águas que rebentam, águas que se aquecem, punhos fechados de última dor e nova vida no mundo. Cordão umbilical cortado, como se de inauguração se tratasse, cruz de lágrimas em feitiço na moleirinha, duas palmadas no rabo e ala que se faz tarde. "Menina ou menino?" gemeu a mãe já de ventre desocupado. "Menina" respondeu a parteira da freguesia, "E que rica menina", silabou a mulher de encantar ao ver o cochicho da criança e pela porta saiu entrando na noite do Império português.
Dias passaram e lá a baptizaram ao colo de sua mãe Claudina. Entre velas, padrinhos e água benta. O padre a registou como Beatriz da Conceição.
Cresceu em alegria ladina de corrupio irrequieto e sem saber ler nem escrever rolou do moinho paterno para o palco do Éden em 1923 onde se estreou como corista na revista "Chá e Torradas". Já a Irmã Lúcia vidente de Fátima, a pastorinha, deixara a Cova da Iria e fazia preparos para abraçar o estado religioso nas Irmãs Doroteias.
Beatriz da Conceição um ano que foi passado, em homenagem à mítica actriz Laura Costa, baptiza-se de Beatriz Costa e já Biafranja na revista "Sete e Meio" torna-se o ídolo dum país que agora a recompensa com cobrança de impostos.
Biafranja aprendeu a ler e escrever na Brasileira do Chiado, onde a estupidez tinha a entrada interdita. Seus mestres do B-A-BÁ: Aquilino Ribeiro, Almada Negreiros e Jorge Barradas. E dessa aprendizagem tão bem se saiu que cinco livros à estampa do sucesso já deu.
A Irmã Lúcia também as "Memórias" escreveu para o escaparate da eternidade. Beatriz, o mundo percorreu procurando as raízes da nossa bondade e mais tarde as sete partidas calcorreou para falar ou tocar Madre Tereza de Calcutá. Mal chegava e a Madre se partira. Desencontros na terra com recompensa no céu. Todos os meses, Biafranja devota de S. Francisco de Assis, vai a Fátima orar junto à campa dos pastorinhos e a Coimbra interiorizar-se na cerca do Convento das Carmelitas, onde a Irmã Lúcia de encantamento aguarda a eternidade e a santificação.
Tivoli, o Tibur de Roma, que foi gruta de Sibila e Neptuno, é hoje paraíso de predestinados em Itália e Dinamarca. Em Portugal no Tivoli da sua redenção ciranda e rodopia com os seus 88 anos, já com lugar cativo no paraíso celeste por ao próximo bem fazer, a menina filha do moleiro António da Mata e Claudina da Conceição. Obrigado por teres nascido enfeitiçada com lágrimas de tristeza, que tanta alegria deram ao teu viver para nós.
Beijo-te os pés Biafranja.

*cineasta

Beatriz Costa - A Agulha e o Dedal,
no filme "A Canção de Lisboa" (1933)


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