Vultos da Cultura Portuguesa
José Régio
- Partilhar 19/06/2023
José Régio, de seu verdadeiro nome
José Maria dos Reis Pereira, nasce em
Vila do Conde, a 17 de Setembro de 1901.
Data de 1925 o livro que assinala a sua
revelação como poeta, perante o público
e a crítica: "Poemas de Deus e do
Diabo". Em 1926 forma-se em Filologia
Românica pela Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, iniciando uma
longa carreira como professor no Porto,
no liceu Alexandre Herculano. Em 1928,
fixa-se em Portalegre, passando aí a
leccionar no liceu Mouzinho de
Albuquerque, onde se manterá ao serviço
durante mais de trinta anos. Em 1927,
juntamente com João Gaspar Simões e
Branquinho da Fonseca, funda a revista
"Presença", de que é colaborador
assíduo.
Como poeta publicará
diversas obras de relevo, como "Fado"
(1941), "Mas Deus É Grande" (1945) ou
"Cântico Suspenso" (1968). Mas, além da
sua consagração entre os principais
poetas portugueses contemporâneos, José
Régio irá revelar-se ainda como
romancista, novelista, ensaísta e
dramaturgo, assinando obras de relevo
como "Jogo da Cabra Cega (1934), "A
Velha Casa" (com cinco volumes, escritos
de 1945 a 1966), "Benilde ou a
Virgem-Mãe" (escrito em 1947 e adaptado
mais tarde ao cinema por Manoel de
Oliveira) ou "A Salvação do Mundo"
(1955). Morre na mesma terra onde
nascera, Vila do Conde, a 22 de Dezembro
de 1969. A título póstumo, é-lhe
atribuído em 1970 o Prémio Nacional de
Poesia pelo conjunto da sua obra
poética. Em 1984, o 15 aniversário da
sua morte é assinalado com diversas
homenagens pelo país.
Em Portalegre e
Vila do Conde, as casas onde viveu são
hoje museus com o seu nome.
Cântico Negro
José
Régio
«Vem por aqui» —
dizem-me alguns com olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom
que eu os ouvisse
Quando me dizem:
«vem por aqui!»
Eu olho-os com olhos
lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias
e cansaços)
E cruzo os braços,
E
nunca vou por ali...
A minha
glória é esta:
Criar desumanidade,
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo
com o mesmo sem-vontade
Com que
rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos....
Se
ao que busco saber nenhum de vós
responde,
Por que me repetis: «vem
por aqui»?
Prefiro escorregar nos
becos lamacentos,
Redemoinhar aos
ventos,
Como farrapos arrastar os
pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para
desflorar florestas virgens,
E
desenhar meus próprios pés na areia
inexplorada!
O mais que faço não
vale nada.
Como, pois, sereis
vós
Que me dareis machados,
ferramentas, e coragem
Para eu
derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho
dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os
abismos, as torrentes, os desertos...
Ide... tendes estradas,
Tendes
jardins, tendes canteiros,
Tendes
pátrias, tendes tectos,
E tendes
regras, e tratados, e filósofos, e
sábios.
Eu tenho a minha Loucura:
Levanto-a, como um facho, a arder na
noite escura,
E sinto espuma, e
sangue, e cânticos nos lábios!
Deus e o Diabo é que me guiam, mais
ninguém.
Todos tiveram pai, todos
tiveram mãe,
Mas eu, que nunca
principio nem acabo,
Nasci do amor
que há entre Deus e o Diabo.
Ah,
que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém
me diga: «vem por aqui»!
A minha
vida é um vendaval que se soltou.
É
uma onda que se alevantou.
E um
átomo a mais que se animou...
Não
sei por onde vou,
Não sei para onde
vou
— Sei que não vou por aí!
Vultos da Cultura Portuguesa
Jaime Cortesão | José Régio | Amália Rodrigues | Teixeira de Pascoaes |
- n.49• junho 2023