à Deriva
Fernando Vieira
Secura
- Partilhar 15/05/2023
Ocorreram em março
marçagão manhãs de inverno e tardes de verão? Não.
Houve em abril águas mil? Também não. Está a ser
maio o mês dos trovões? Até agora, não. Já atingiram
as reservas aquíferas das barragens algarvias
preocupantes indicadores? Sim…!
É por isso
que volto a abordar o risco de seca severa e extrema
que, recorrentemente, paira sobre a região algarvia.
Sem perspetivas de umas boas chuvadas nas
próximas semanas, lá voltaremos a adotar medidas de
contenção, que apenas podem atenuar (adiar, na
verdade) esta míngua de proporções cada vez mais
preocupantes, através da redução das regas nos
espaços verdes, do reaproveitamento de águas
residuais para usos não potáveis (por exemplo, na
lavagem de ruas e de contentores) e da promoção de
campanhas de sensibilização para a necessidade do
uso racional da água, a que certos iluminados
parecem incólumes e insensíveis.
Com uma
disponibilidade aquífera bastante deficitária,
segundo o Sistema Nacional de Informação de Recursos
Hídricos, as principais albufeiras e barragens da
região exibem uma deprimente redução de
volume em toda a linha, que as chuvas de finais do
ano passado e inícios de 2023 pareciam compensar… só
que estes três meses de secura ceifaram as
expetativas mais otimistas.
Portanto, mentalizemo-nos desde já para mais um
verão de grande carência e de medidas draconianas,
que não deverá conhecer melhoras nos próximos
tempos, ou não fosse o Algarve tão
‘geoclimaticamente’ influenciado pela corrente
norte-africana.
E uma vez que esta influência
não pode ser revertida, quer natural quer
artificialmente, o aumento exponencial do número de
visitantes/consumidores que se espera para os meses
vindouros, nada preocupados com as nossas crises
existencialistas, apenas virá agravar – e muito –
este panorama.
Pelo sim, pelo não, vou
começar desde já a colecionar uns garrafõezitos de
água, antes que os especuladores entrem em cena.
Profissão: nadador-salvador
- Partilhar 12/04/2023
Se há uma atividade que
associo imediatamente à sazonalidade da indústria
turística algarvia, com tudo o que isso tem de
periclitante, essa atividade é a de
nadador-salvador, bastante dependente da época
balnear e dos critérios – tantas vezes
inconfessáveis – dos concessionários que servem.
Não me surpreende, portanto, a recente notícia
de que os concessionários de praia do Algarve estão
preocupados com a falta de nadadores-salvadores para
a época balnear que se avizinha, tão pouco atrativa
é essa função, quer em termos monetários quer ao
nível das condições de trabalho.
Alegadamente
para suprir essa lacuna, o presidente da Associação
dos Industriais e Similares Concessionários das
Praias da Orla Marítima do Algarve, Artur Simão,
veio a público defender que a exigência de dois
nadadores-salvadores por concessão seja reduzida em
períodos de menor afluxo.
Segundo o
responsável, “fora da época balnear, para qualquer
coisa abrir, tem de funcionar com dois
nadadores-salvadores. Neste momento, em que as
coisas não são rentáveis, seria de bom-tom ter só um
nadador-salvador. Várias concessões, se calhar,
abriam e as praias já tinham, em determinadas
alturas, um nadador-salvador. É melhor ter um do que
não ter nenhum”, afirmou à Lusa.
Na minha
opinião, esta postura até faz sentido, ao colocar em
causa uma daquelas normas e regras decididas por
quem está a leste da realidade, legislando sobre
matérias das quais não percebe patavina.
Uma
coisa é certa, a época balnear de 2023 está à porta
(arranca a 15 de maio em Albufeira e a 1 de junho no
resto da região) e os concessionários já se começam
a deparar com o recorrente problema da exiguidade de
pessoas dispostas a garantir a segurança no mar
fronteiro aos areais que exploram.
E se não
temos um levantamento apurado e atual sobre o número
de nadadores-salvadores necessários para suprir as
concessões autorizadas nas praias algarvias, também
escasseia gente devidamente formada, o que leva o
mercado a valer-se de imigrantes, sobretudo
brasileiros.
Tudo isto porque não há uma
aposta, estratégica e séria, na preparação de
pessoas capacitadas para acudir aos sinistrados nas
águas desta região, extremamente dependente do
turismo de sol e mar.
Essa aposta, penso eu,
deveria ser acompanhada por garantias e incentivos à
profissionalização do nadador-salvador, cujas
carências continuam a ser supridas por jovens
estudantes em tempo de férias, ou por outros
semi-voluntários que passados seis meses (ou menos…)
caem no desemprego, alimentando o nefasto fenómeno
da sazonalidade, tão pernicioso para o tecido social
algarvio.
Em aceleração
- Partilhar 13/03/2023
Numa região excessivamente
dependente da indústria turística nas suas mais
diversas vertentes, ganha importância acrescida a
abertura da nova temporada do Mundial de MotoGP no
Autódromo Internacional do Algarve, pois pela
primeira vez a prova rainha do desporto motorizado
não começará no Qatar.
E o que isto tem de
relevante?, perguntam vocês. ‘Pouca coisa’, respondo
eu: apenas e só uma efervescência de visitantes
incomum nesta época do ano, pois o Autódromo
Internacional do Algarve, localizado na freguesia da
Mexilhoeira Grande, está a ser um ponto de encontro
de fãs das motos, atraindo por estas semanas alguns
milhares de pessoas, oriundos das sete partidas,
para assistirem aos treinos e testes de marcas e
pilotos que aqui assentaram arraiais, sendo
esperados cerca de 180 mil espetadores no dia da
corrida propriamente dita, 26 de março.
A
concretizar-se as expetativas da organização, isso
representará o maior evento desportivo pago jamais
realizado em Portugal, juntando os melhores
protagonistas da modalidade e as escuderias de
referência. ‘Nada de mais’, portanto.
Acresce
o mediatismo inerente ao circo do MotoGP, com a
presença na região de centenas de jornalistas e
órgãos de comunicação social, cujo apogeu será a
transmissão em direto da prova para todos os cantos
e recantos do planeta e mais além.
Tudo
junto, teremos em perspetiva uma mega visibilidade
internacional e um apreciável – e sempre bem-vindo -
impacto económico, tanto direta como indiretamente,
ainda por cima em plena época baixa.
Segundo
as previsões climatéricas, até o tempo primaveril
que se espera para a última semana de março vai
ajudar à festa, que poderá mesmo roçar a perfeição,
caso o piloto autóctone Miguel Oliveira repita a
proeza de 2020 e vença a prova de Portimão.
Sendo assim, a primeira das 21 rondas do MotoGP 2023
tem tudo para não deixar o Algarve mal visto e, como
tal, trazer uma lufada de ar fresco à paupérrima
economia regional, tão turisticamente subordinada.
Que não caia em saco roto.
Semear para colher
- Partilhar 13/02/2023
A julgar pelos dados
recentemente vindos a público, 2023 começou de forma
auspiciosa para o turismo algarvio, que pulverizou
números com mais de duas décadas.
Segundo a
insuspeita AHETA – Associação dos Hotéis e
Empreendimentos Turísticos do Algarve, a taxa de
ocupação registada em janeiro transato ultrapassou
todas as expetativas, batendo mesmo a frequência de
turistas verificada durante período homólogo do
excecional ano de 2001.
A surpresa foi de tal
ordem que responsáveis pela associação confessaram
mesmo ter contado e recontado as tabelas recebidas,
não fosse dar-se o caso de alguém ter usado mal a
calculadora. Em consequência, até a famigerada e
crónica sazonalidade foi razoavelmente atenuada,
para pasmo geral.
Tudo isto numa altura em
que as conjunturas, nacional e internacional, se
apresentam bastante reservadas, fruto de resquícios
pandémicos e reflexos bélicos, nomeadamente a nível
energético, para já não falar num sem-número de
outras causas e efeitos, todos eles nefastos.
Portanto, e assim de repente, parece que o
destino Algarve continua a fazer valer os seus
atributos, que não são poucos, apesar de não se
notar qualquer tipo de política concertada em prol
do melhoramento infraestrutural desse poder de
atração… que é essencialmente de natureza natural,
passe a redundância.
Portanto, permitam-me
não embandeirar em arco, já que ando por cá faz
tempo e sei como esta coisa das tendências -
favoráveis ou desfavoráveis – assim vêm como vão, ao
sabor de ventos e marés. Na verdade, se o ditado
popular reza que uma andorinha não faz a Primavera,
certo é que um janeiro não fará o ano turístico.
Cumprirá, pois, aos responsáveis pelo setor e
aos decisores políticos não apenas surfar a onda,
desenvolvendo hoje e sempre esforços coordenados no
sentido de semear para colher, através de
estratégias promocionais agressivas (no bom sentido)
e da criação de ambiciosas condições estruturais
para melhor receber quem nos procura.
Pouca-terra, pouca-terra
- Partilhar 10/01/2023
Exatamente um século após a
conclusão da Linha do Algarve, que une de comboio
Vila Real de Santo António a Lagos, eis que avança a
respetiva eletrificação, há muito reclamada.
Velha reivindicação dos algarvios, finalmente a
empresa Infraestruturas do Algarve meteu mãos à
obra, recorrendo para o efeito a fundos europeus,
prevendo-se que o derradeiro troço (Tunes-Lagos)
esteja operacional lá para finais de 2024.
Desenvolvido no âmbito do programa de expansão e
modernização da Rede Ferroviária Nacional, o
investimento está orçado em cerca de 80 milhões de
euros e engloba a eletrificação, a instalação de
novos sistemas de sinalização e de telecomunicações
ferroviárias, a colocação de sistemas de informação
ao público em todas as estações e a supressão de
passagens de nível, esses nefastos pontos negros que
inúmeras vidas ceifaram e tantos transtornos causam.
A partir do momento em que a futura
infraestrutura de transporte público entrar em
atividade, será viável a circulação de comboios de
tração elétrica, mais modernos e ambientalmente
sustentáveis, possibilitando a redução do tempo de
percurso dos serviços regionais até um máximo de 25
minutos na ligação de Lagos a Vila Real de Santo
António, assim como acesso direto nos trajetos de
longo curso, sem necessidade de transbordos, o que
representará uma pequena mais-valia para quantos
recorrem à CP, sejam residentes ou turistas.
Quanto ao material circulante, sobretudo no que diz
respeito às composições destinadas a passageiros,
tudo aponta para que sejam adquiridas ‘novas’
carruagens, maioritariamente daquelas que a Espanha
está a substituir no âmbito da renovação da sua
frota, prevendo-se num espaço temporal ainda
demasiado vago a ligação ferroviária entre o Algarve
e a Andaluzia.
Do mal, o menos, como diria a
minha avozinha, que deus tenha em boa conta e
recado.
Na certeza – porém - que a tão
badalada região algarvia, rainha das demandas
turísticas e fonte de exorbitantes receitas para o
Estado, segue na cauda dos investimentos
estratégicos nacionais, continuando a ver passar o
comboio… só que um pouco menos lento.
Temei os tremores
- Partilhar 11/11/2022
Coincidência ou não,
por alturas da passagem do 267º aniversário sobre o
devastador terramoto de 1 de novembro de 1755 foi
registado um significativo aumento de ocorrências
sísmicas, sobretudo ao largo da costa algarvia,
nomeadamente a SW de Albufeira e no sempre agitado
Banco de Gorringe, a cerca de 120 milhas marítimas a
oeste-sudoeste do Cabo de São Vicente e perigoso
sensor da atividade resultante da fricção entre as
placas tectónicas europeia e africana.
Não é
propósito desta crónica (longe de mim…) atiçar
alarmismos especulativos, mas certo é que nós - os
algarvios e aqueles que por cá andam – vivemos num
autêntico “barril de pólvora que um dia vai
explodir”, segundo Mário Lopes, engenheiro
especializado em sismos e professor no Instituto
Superior Técnico, segundo o qual “falta fiscalização
das normas relativas à resistência sísmica” e,
portanto, a prevenção terá que começar nos cidadãos,
exigindo essas condições quando vão habitar uma
casa.”
No caso concreto do Algarve, a
explosão imobiliária verificada entre as décadas de
1970 e 1990, devida principalmente à demanda
turística, originou o surgimento de milhares e
milhares de edifícios projetados sob critérios
demasiado displicentes, cuja fiscalização por quem
de direito foi, na esmagadora maioria dos casos, tão
ou mais permissiva.
E, no entanto, legislação
é coisa que não falta, pelo menos desde 1958,
visando aumentar o grau de exigência no
dimensionamento dos projetos. O que falta é uma
preocupação genuína por quem tem tido ao longo deste
lapso de tempo a obrigação de fazer cumprir à risca
as normas estabelecidas, a bem daqueles que habitam
nesta região.
Voltando ao especialista a que
recorro para basear este breve artigo, Mário Lopes
lamenta andar há cerca de duas décadas a ‘pregar aos
peixes’, na defesa da construção de edifícios e
infraestruturas de engenharia civil preparada para
resistir a abalos telúricos. Um alerta que pretende,
apenas e simplesmente, reduzir em dez vezes o número
de vítimas e danos materiais resultantes dos mais
que prováveis tremores de terra de grande amplitude
e subsequentes maremotos (tão devastadores na costa
algarvia em 1755) a que estamos sujeitos.
Por
tudo isto, uma coisa vos confesso: se há fenómeno
natural de que tenho assumido pavor é o tremor de
terra, pois sei bem o sério risco que corro ao morar
paredes meias com o Rio Arade, a fissura tectónica
que liga Portimão a Silves.
Enquanto folgam
as costas, resta-nos alertar as entidades
responsáveis e os principais atores do setor da
construção civil e afins, cobrando-lhes o
intransigente cumprimento das regras do jogo.
O sol quando nasce (não) é para todos
- Partilhar 12/09/2022
Como se não bastassem todas
as agruras e vicissitudes que nos apoquentam no
dia-a-dia, estamos a viver uma crise energética cada
vez mais preocupante e sem solução à vista.
Receio mesmo que a componente económico/politicoide
da coisa seja até muito mais grave que a redução –
irreversível – dos recursos naturais, porque o ser
humano é aquela besta irracional que tudo leva à
frente em nome da sua ganância e egoísmo… e o resto
das espécies que habitam o terceiro calhau a contar
do sol não tem a menor capacidade de contrariar esta
alucinante queda rumo ao precipício.
Vem tudo
isto a propósito da obscena carestia das fontes
energéticas mais comuns, como eletricidade,
gasolina/gasóleo, gás natural, etecetera e tal.
Visivelmente apreensivo sobre o futuro próximo
das minhas parcas economias, comecei a matutar sobre
estratégias para atenuar o forte impacto da coisa.
Embora me tenham vindo à ideia alguns truques,
seguramente de resultados pífios, não é deles que
vos quero escrever.
É que, no meio dessa
reflexão, recordei-me de um lugar-comum que se
popularizou bastante no início da década de 1990,
quando o Algarve recebia jornadas dos Jogos Sem
Fronteiras, esse programa televisivo que juntava
representantes de localidades de vários países
europeus e que chegou a ser líder de audiências.
Outros tempos, quando a região algarvia era
promovida (com sucesso) por, alegadamente, ter 300
dias de sol por ano.
Exageros e facilitismos
à parte, o foco desse chavão fez-me lembrar o
potencial de energia solar que temos por cá, para o
bem e para o mal.
No caso que me interessa
sublinhar nesta crónica, é facto que dispomos de uma
energia renovável sem fim à vista, sustentável e
“saudável”, que pode ser explorada de forma ativa,
através de painéis fotovoltaicos, ou passiva, pois
não necessita de equipamento específico como a
orientação de um prédio para o sol, permitindo a sua
captura, conversão e distribuição.
Para além
do aproveitamento que já se verifica em casas
particulares e infraestruturas industriais, ainda de
relevância bastante residual, imaginem só o uso
generalizado da energia solar, por exemplo, nos
veículos automóveis e afins, uma alternativa que vem
merecendo crescente atenção por parte de algumas
marcas de renome, que estão a equipar carros
elétricos também com painéis solares, no sentido de
poupar energia nas viagens e recarregar baterias.
Esta apenas uma de muitas outras possibilidades,
uma vez que luz solar não nos falta – o
que falta mesmo é a vontade dos decisores em tirar
real partido deste maná dos céus.
Haja alguém
que medite nisto.
O meu reino (dos algarves) por umas bátegas
- Partilhar 08/08/2022
Para a crónica deste
agosto, preferia escrever sobre um tema de
circunstância, algo ligeiro e descomprometido,
talvez recorrendo ao manancial de que a chamada
‘silly season’ é tão fértil. Mas não dá!
Face
à inexorável gravidade do tema, sem resolução à
vista, eis-me de novo a teclar sobre a seca severa e
extrema que continua a flagelar o sul do país, com
forte incidência na região algarvia e sobre a qual
tenho vindo a tecer comentários desde quase o início
desta revista de arte & ciência.
Na
realidade, o problema está a tomar proporções cada
vez mais alarmantes, ao ponto de recentemente terem
sido aprovadas diversas medidas conjuntas pelos
municípios algarvios, tais como a diminuição da rega
de espaços verdes, com elevadas necessidades
hídricas (visando a posterior reconversão desses
espaços com espécies que necessitem de regas menos
frequentes), o reaproveitamento de águas residuais
para usos não potáveis (como por exemplo, na lavagem
de ruas e de contentores) e a promoção de campanhas
de sensibilização para a necessidade do uso racional
da água.
Foi inclusive elaborado um
levantamento de soluções a adotar localmente,
considerando as especificidades de cada um dos 16
municípios, cuja concretização verificar-se-á ao
longo das próximas semanas.
O fenómeno da
seca severa é abrangente, atinge todo o país, mas o
certo é que o Algarve é a região que se encontra em
situação mais crítica.
No caso concreto do
setor agrícola algarvio, o Governo implementou o
Plano de Eficiência Hídrica, destinando para o
efeito mais de 17 milhões de euros, aos quais
acresce uma importante parcela dos cerca de um
milhão de euros do Programa de Desenvolvimento Rural
e dos cinco milhões de euros do Fundo Ambiental para
campanhas de sensibilização e soluções de
contingência.
Dinheiro, portanto, é coisa que
não faltará.
Mas não é com euros que se
nivelam as cotas das nossas barragens (atualmente
com uma média de retenção na ordem dos dez por
cento…), sendo que este fenómeno geoclimático –
relacionado com a aproximação do Algarve ao Norte de
África – é claramente agravado pelas alterações
atmosféricas verificadas nos últimos tempos.
Continuo a não perceber muito bem como a tendência
poderá ser revertida, quer natural quer
artificialmente, sendo que este mês de agosto está a
caracterizar-se por uma exponencial procura de
turistas/consumidores, que querem lá saber de poupar
água na lavagem recorrente dos seus carros ou nos
seus vários duches diários, por exemplo.
Digo
e repito, esperando enganar-me redondamente: está a
formar-se uma ‘tempestade perfeita’ que irá atingir
diretamente a Agricultura, um dos poucos segmentos
económicos que poderiam contrabalançar a
imprevisibilidade tão ligada à indústria do Turismo,
no sentido de diversificar as fontes de rendimento
dos algarvios.
No rol das perguntas que me
coloco, faz parte uma catrefada de pontos de
interrogação, relacionados aos seguintes aspetos:
quais as estratégias a desenvolvidas para mitigar os
impactos nefastos que a falta de água tem entre
nós?; a construção de centrais de dessalinização e a
criação de bacias de retenção e redes de transvases,
ou mesmo certas inovações tecnológicas, poderão ser
a resposta?; de onde virão os avultados recursos
financeiros para dar, quanto antes, passos nesse
sentido?; as potências económicas da União Europeia
estarão dispostas a abrir os cordões à bolsa, dando
a mão aos países da bacia mediterrânica, que
continuam a ser vistos como sociedades
intelectualmente inferiores?
Se hoje em dia a
esmagadora maioria do pessoal ainda assobia para o
lado, pois radicais regras de racionamento ainda não
fazem parte do seu dia-a-dia, esperem por
setembro/outubro, rezando para que – entretanto –
caiam umas precoces bátegas de água,… com os
subsequentes prós e contras.
Remendos pelo ar
- Partilhar 04/07/2022
Passam este mês 57 anos
sobre a entrada em funcionamento do Aeroporto
Internacional de Faro, que muito recentemente ganhou
o nome de Gago Coutinho, honrando este pioneiro da
aviação lusa.
Nem de propósito, com o
exponencial afluxo de turistas esperados por conta
da época estival já em curso e dos importantes
eventos que neste período animarão a região
algarvia, é uma das infraestruturas aéreas alvo do
plano de contingência “Verão IATA 2022” preparado
pelo Ministério da Administração Interna (MAI),
entrando no início de julho "na máxima afetação" de
reforço de meios, a qual consagra "ajustamentos
necessários", caso a respetiva monitorização semanal
prevista os revele imprescindíveis.
Trocado
por miúdos, isso significa que o ‘nosso’ aeroporto,
cuja dimensão continua aquém do desejado, será alvo
de especial atenção por parte do MAI, Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF), ANA — Aeroportos de
Portugal e outras entidades relevantes no que diz
respeito ao controlo das fronteiras externas da
União Europeia, para garantir a segurança do Espaço
Schengen e promover a fluidez no processamento dos
passageiros que entram e saem do país por via aérea.
Apesar de ser uma exceção ao crónico
desinvestimento que o Poder Central dedica ao
Algarve, pois na última década beneficiou de
intervenções de vulto, ainda assim o Aeroporto Gago
Coutinho apresentou elevadas taxas de ocupação das
boxes nos períodos considerados de pico logo após a
entrada em vigor do tal plano, o que motivou tempos
de espera bem superiores ao ideal e obstou a um
processamento célere dos fluxos de passageiros.
Para colmatar a lacuna, o MAI reafetou para Faro
15 inspetores do SEF e mais uns quantos agentes da
PSP, ao mesmo tempo que está a proceder à
atualização e monitorização de algumas soluções
tecnológicas, entre outras medidas avulsas, sendo
que esta preocupação acrescida tem prazo de
validade, pois a partir de setembro tudo voltará à
‘normalidade’, mal a pressão diminua.
Pressão
essa, recordo, que tem pulverizado os sistemas
aeroportuários na Europa e noutros pontos do mundo,
o que se traduz de forma generalizada no
cancelamento de voos, no aumento dos tempos de
espera e noutras perturbações que afetam os
aeroportos, as companhias de aviação e os
passageiros.
Sempre em ascensão desde 2011,
ao ponto de ultrapassar os nove milhões de
passageiros no ano pré-pandemia (a que se seguiu
quebra acentuada e compreensível de tráfego em
2020), o aeroporto algarvio continua a aguardar uma
expansão à séria, perspetivando as próximas décadas,
e não apenas soluções pontuais, que mais não são que
apressados remendos.
Quando a “primeira hipótese” deixa de o ser
- Partilhar 06/06/2022
Há quase um ano, estava eu
por aqui a dissertar sobre a eventualidade de uma
ligação marítima regular entre o Algarve e Marrocos,
que as notícias de então davam como provável entre
Portimão e Tânger.
Na oportunidade, escrevia
eu que “no cerne da questão residem profundas
divergências político-económico-religiosas entre
Marrocos e Espanha, que geraram uma crise
diplomática tendo Ceuta como pano de fundo. Mas isso
a nós, portugueses, pouco ou nada importará, pois se
o que Rabat quer são alternativas, então que as
proporcionemos, com os benefícios que daí advirão.”
Também considerava – e mantenho – que “temos em
perspetiva todo um novo mercado, até turístico, uma
vez que as famílias marroquinas de classe média
alta, com um apreciável poder de compra, passariam a
frequentar a excelente oferta algarvia, que
desconhecem totalmente, apesar de comungarmos muitos
laços culturais”, pelo que “esta é uma oportunidade
de ouro, que poderá – e deverá – anteceder outras,
caso sejamos legitimamente ambiciosos e tenhamos em
perspetiva que o Porto de Cruzeiros de Portimão se
assume como uma privilegiada porta de saída e
entrada para o Mediterrâneo”.
…
Entretanto, essa eventualidade foi perdendo gás,
muito por força do crescente desinteresse
manifestado por diversas entidades (sobretudo
algarvias), sob argumentos díspares e vagos,
enquanto as autoridades marroquinas não escondiam a
sua perplexidade.
A coisa foi de tal ordem
que, durante os últimos tempos, não mais se falou
sobre o assunto, que parecia enterrado sob as
toneladas do alheamento local.
Eis senão
quando o tema da ponte marítima com o norte de
África volta à baila e surgem notícias de que a
mesma será discutida na próxima cimeira entre
Portugal e Marrocos, a realizar ainda este ano.
Segundo consta, o ministro luso dos Negócios
Estrangeiros, João Cravinho, estará a trabalhar numa
agenda bilateral com Marrocos e essa vai ser matéria
prioritária, juntamente com o fornecimento
energético, nomeadamente através de uma interligação
elétrica entre Marrocos e o Algarve, já a pensar no
hidrogénio verde e nas energias livres de carbono.
Portanto, tudo indica que fazer de Portugal
e Marrocos uma ponte privilegiada entre África e
Europa consta dos planos nacionais, tanto por
questões económicas, como no âmbito geopolítico.
Contudo, no caso específico da tal ligação
marítima a opção algarvia vem perdendo defensores e
fundamentos, ao ponto de João Cravinho ter admitido
que, apesar de Portimão ser “a primeira hipótese”,
haverá “outras possibilidades”, até porque “os
operadores privados serão chamados a dar a sua
opinião.”
Para bom entendedor…!
Dona Ana sem bandeira
- Partilhar 04/05/2022
O que chama a atenção
na lista de atribuição da Bandeira Azul para a
próxima temporada balnear é a saída da Praia de Dona
Ana, uma das mais afamadas estâncias balneares da
região algarvia.
Região algarvia que, por
sinal, continua a dominar a listagem nacional, com
86 bandeiras destinadas às praias, a que se juntam
quatro marinas (Lagos, Portimão, Albufeira e
Vilamoura) e duas embarcações de ecoturismo, a
grande novidade deste ano, ambas sediadas em
Portimão.
Merece referência o concelho de
Albufeira, com 25 praias (o recordista nacional),
seguido por Vila do Bispo (11), Loulé (10), Portimão
e Lagoa (6), Aljezur, Faro, Olhão, Tavira e Vila
Real de Santo António (4), Lagos (3), Castro Marim
(3) e Silves (2).
Contas feitas, causa alguma
espécie o desaparecimento da Praia de Dona Ana, alvo
em 2015 de uma radical intervenção para suster o
avanço do mar e que gerou forte controvérsia,
sobretudo no seio da comunidade local, com muita
contestação à mistura e o posicionamento de diversas
entidades ligadas à preservação do ecossistema.
O Ministério do Ambiente foi mesmo acusado de
protagonizar um “grave e premeditado crime”, ao
proceder à dragagem e descarga de “toneladas de
areia de qualidade miserável”, que soterraram “o
mundo submarino e a paisagem marítima”, tendo sido
igualmente criticada a construção de um dique com 50
metros.
Segundo fontes oficiais da própria
edilidade lacobrigense, a não candidatura à Bandeira
Azul 2022 prende-se com a ETAR de Lagos, cujas
condutas estarão permeáveis à entrada de água
salgada nos pontos onde o nível do mar está acima do
saneamento, o que origina dificuldades no seu
tratamento e afetaria as análises previstas para o
período de avaliação referente ao galardão deste
ano.
Apesar da qualidade da água na Praia de
Dona Ana ser considerada pelas autoridades
municipais “boa ou mesmo muito boa”, certo é que
esses resultados analíticos impediram, muito
provavelmente, a atribuição da Bandeira Azul para a
época balnear que se avizinha.
Poderia achar
esta situação, supostamente pontual, como aceitável,
caso não viesse da própria autarquia a previsão de
que só daqui a um par de anos o problema deverá
estar definitivamente sanado, após o investimento
que a empresa Águas do Algarve está a fazer na ETAR
em causa.
Poderia até desvalorizar a
ausência da Bandeira Azul ondulando neste belo
recanto da costa barlaventina, se levar em linha de
conta a garantia de que a Praia de Dona Ana não
perdeu nenhum dos seus predicados em termos de
qualidade, segurança e controle da água.
Poderia mesmo ignorar este tema, sabendo que a
Câmara de Lagos tomou a iniciativa de nem sequer
candidatar a mais famosa estância balnear do
concelho ao prestigiado galardão, instituído há 35
anos pela União Europeia, e sabendo de antemão que
os indicadores são bastante exigentes.
Mas
não devo esquecer que semelhante impasse se
verificou em recentes anos nas praias da Batata e do
Camilo, também elas padecendo de maleitas do género,
mantendo-se incólumes a acidentes de percurso,
apenas, a Praia da Luz, Porto de Mós e a Meia Praia.
Portanto, o facto daquela que foi eleita em 2013
como “a melhor praia do mundo” (pela revista
espanhola Condé Nast Traveller) estar arredada da
Bandeira Azul, sabe-se lá por quanto tempo, é algo
que me custa a engolir, pois há ‘imprevisibilidades’
que são previsíveis, como parece ser o caso.
‘Lobby’ de interesses
- Partilhar 06/04/2022
Desde que ando metido nestas
coisas do jornalismo – e já lá vão quatro décadas –
tenho lido e ouvido recorrentemente lamúrias sobre a
inexistência (ou ineficácia) de um ‘lobby’ de
pressão que pugne pelos reais interesses do Algarve
e dos algarvios, quer a nível social, quer no âmbito
económico.
Durante este já longo período,
têm surgido diversos coletivos, sobretudo
empresariais, que asseguram aos quatro ventos vir
para mudar as coisas, autoproclamando-se arautos de
um Algarve melhor, mais coeso e melhor adaptado aos
desafios atuais e futuros.
Contudo, a
realidade tem sido bem diferente e, na prática,
essas entidades/associações acabam por se revelar,
na esmagadora maioria das vezes, meros laboratórios
criados com o intuito de preparar elixires com
propriedades político-partidárias, limitando-se a
servir de rampas de lançamento, vulgo trampolins,
para projetos de índole pessoal, uns mais ambiciosos
que outros, supostamente visando o bem-estar da
comunidade.
Tudo isto a propósito de um
recente projeto, criado em 2015 na forma da
AlgFuturo – União Empresarial do Algarve, que tem
sido reiteradamente liderada pelo insuspeito José
Vitorino, cujo vasto currículo é esclarecedor sobre
os ideais que o movem enquanto personalidade
interessada na coisa pública.
Detalhes à
parte, gostaria imenso de acreditar que, por fim, a
região passou a ter uma voz ativa, isenta e
independente, inovadora e empreendedora,
desinteressada e congregadora, capaz de exercer a
tal pressão junto do poder central de que nós,
algarvios, tanto carecemos, através da cooperação
interativa entre as estruturas públicas e a
sociedade civil.
Mas, pelos anos já
decorridos desde a sua criação e perante as notícias
que me vêm chegando das mais recentes posições
oficiais da dita União, fico com a amarga impressão
de que ainda não é desta que nos veremos livres da
manipulação politiqueira de dados e factos, já que
as queixas e críticas que os seus responsáveis vêm
propagando para o exterior, podendo ser legítimas na
sua génese, soam-me demasiado excessivas,
desenquadradas da realidade e assumidamente contra a
corrente, só porque sim.
Portanto, do meu
ingénuo ponto de vista e até prova em contrário, eis
mais uma oportunidade perdida, pois continuamos sem
a tal voz forte, credível e agregadora que há muito
necessitamos.
É pena.
Como pescar em águas turvas
- Partilhar 08/03/2022
Ao procurar distrair a
mente dos preocupantes acontecimentos que dominam a
atualidade e influenciam o nosso quotidiano, por
mais distantes que pareçam ser, dei comigo lendo uma
notícia sobre o concurso que a Fundação Oceano Azul
está a organizar para o desenvolvimento de
mecanismos que promovam a valorização económica do
pescado em áreas marinhas, sob o tema "Take less,
Earn more" e com um prémio de 150 mil euros.
A iniciativa desafia economistas a juntarem-se com
juristas, cientistas, marketeers e outros que tais
para, em conjunto, desenvolverem instrumentos que
contribuam para a valorização económica do capital
natural marinho português, que é imenso, embora não
tenhamos muita noção disso.
Por esta via, os
organizadores acreditam que irão aumentar o valor
comercial do pescado através da valorização da sua
origem, o que representará uma garantia de qualidade
num contexto de normalidade, ou seja, caso a vida
decorra normalmente, sem atropelos de maior, como
epidemias naturais ou guerras artificiais.
Em
Portugal no geral (e no Algarve em particular), a
pesca e a aquacultura são os subsectores da fileira
do pescado menos lucrativos da economia do mar. Isto
porque a parte mais lucrativa encontra-se nas etapas
finais da cadeia de valor, sobretudo na venda ao
consumidor final. Assim, a rentabilidade das
empresas de pesca é diminuta e a produção média por
pescador situa-se significativamente abaixo de
outros países europeus.
A baixa
produtividade do setor é ainda agravada pela
ausência do conhecimento de muitos
dos stocks pesqueiros e de tecnologias aplicadas à
valorização do pescado que permitam melhorar a sua
conservação e transformação, e logo, diversificar o
negócio.
No setor das pescas em concreto, que
já teve grande peso económico e social na região
antes do massivo abate da frota causado pelas
políticas do algarvio Aníbal Cavaco Silva, à época
Primeiro-ministro, o volume de negócios está ainda
limitado pela escassez do recurso e consequentes
épocas de defeso.
Como tal, o crescimento
económico deve estar assente na criação de mais
valor por unidade de captura, sendo que a
sustentabilidade financeira da atividade requer
ainda que o lucro seja mais equitativamente
distribuído por todos os envolvidos.
Creio
que medidas como esta ainda virão a tempo, já que
dispomos de uma das mais diversificadas frotas da
União Europeia, tanto em variedade como de espécies
capturadas (cerca de 200), entre peixes, bivalves,
moluscos e crustáceos, embora muitas delas pouco
abundantes ou com reduzida expressão económica. Esse
fator de diferenciação é, todavia, subvalorizado,
estando o rendimento dos pescadores limitado à
quantidade de pescado capturado.
A qualidade
posiciona-se, assim, como fator de diferenciação
fundamental e, logo, de valorização das pescas. Para
que seja possível implementar uma estratégia deste
tipo, importará dirigir esforços dos setores privado
e público que possibilitem mudanças estruturais e
organizacionais capazes de transformar o atual
paradigma.
No meu ponto de vista, algumas
das soluções poderão passar por sistemas de
certificação de processos e práticas de captura,
selos de qualidade e certificação de denominação de
origem, mecanismos de valorização alicerçados na
criação de áreas marinhas protegidas, campanhas
junto dos consumidores e, mesmo, incentivos à
diversificação dos produtos finais de venda.
Por tudo isto, parece-me oportuno o desafio colocado
pela Fundação Oceano Azul e só espero que os
concorrentes – que devem submeter as suas propostas
até 20 de maio próximo – proponham soluções
tendentes a aumentar o valor do pescado nas áreas
marinhas protegidas e diminuam o número de capturas.
Vamos lá ver é se as águas, já de si bastante
turvas face aos últimos desenvolvimentos à escala
global, não ficam demasiado alterosas e inavegáveis.
G’anda seca
- Partilhar 07/02/2022
Entrados em fevereiro,
volta às manchetes a eventual escassez de água no
Sul, especialmente na região algarvia, e, com ela, a
ameaça de seca severa nas nossas barragens, com tudo
o que de nefasto isso implica.
Trata-se de um
fenómeno geoclimático claramente agravado pelas
alterações atmosféricas verificadas nos últimos
tempos e não sei muito bem como poderá ser
revertido. Nem natural nem artificialmente.
O
que sei por experiência própria, pois já o senti
literalmente na pele em outras ocasiões, é que a
coisa pode ficar bastante complicada (cada vez mais
complicada…), mesmo que vá caindo uns aguaceiros
aqui e umas chuvadas ali.
Por estas ocasiões,
é habitual os representantes das chamadas ‘entidades
responsáveis’ exercitarem a sua prerrogativa de
exigir às mais altas instâncias «medidas de apoio»,
sobretudo dirigidas à Agricultura, mas também para o
Turismo.
Essas «medidas de apoio» resumem-se,
na maioria das vezes, a verbas destinadas a atenuar
o aumento dos custos de produção e a criar algum
tipo de facilidades no que toca a linhas de crédito
e afins. Portanto, e do meu ponto de vista, mais não
fazem – as medidas – que salpicar as nossas hortas e
‘resorts’ de euros. E nada mais.
Entretanto,
desde há cerca de dois anos, a malfadada pandemia
agravou violentamente um cenário económico e social
já de si nada auspicioso, o que veio dar uma forte
machadada no setor turístico, do qual o Algarve em
tanto depende para a sua subsistência.
Sendo
assim, receio estar-se a formar uma ‘tempestade
perfeita’ entre a atual crise sanitária (longe de
resolvida) e os desafios climáticos (insanáveis),
atingindo diretamente a Agricultura, um dos poucos
segmentos económicos que poderiam contrabalançar a
imprevisibilidade tão ligada à indústria do Turismo,
no sentido de diversificar as fontes de rendimento
dos algarvios.
De resto, Agricultura e Pescas
já tiveram preponderância económica na região, de
que poucos se recordarão… até que chegou o Turismo
e, pouco depois, políticas suicidas e insensatas
foram impingidas.
Então, e face à realidade,
como ultrapassar este melindroso momento e edificar
uma economia mais saudável, mais abrangente e mais
resiliente a crises como a que estamos a viver?
Mais: de que forma se deve enfrentar a endémica
escassez de água e seu abastecimento?
No rol
das perguntas, e se me permitem, coloco-vos mais
estas: que estratégias poderão ser desenvolvidas
para mitigar os impactos nefastos que a falta de
água tem entre nós? A construção de centrais de
dessalinização e a criação de bacias de retenção e
redes de transvases, ou mesmo certas inovações
tecnológicas, poderão ser a resposta? De onde virão
os avultados recursos financeiros para dar, quanto
antes, passos nesse sentido? As potências económicas
da União Europeia estarão dispostas a abrir os
cordões à bolsa, dando a mão aos países da bacia
mediterrânica, que continuam a ser vistos como
sociedades intelectualmente inferiores?...
Respostas precisam-se!
Operacionalizar é preciso!
- Partilhar 05/01/2022
Mais um ano chegado, as
mesmas preocupações, e o Algarve entrando numa
espiral de 365 dias que não se afiguram propriamente
auspiciosos. Para variar.
Dispensando-me de
fazer o balanço do ano findo, por não ter dados nem
veleidade para isso, também prescindirei de traçar
cenários futuristas, tal a inconstância das coisas e
até porque não possuo qualquer dom divinatório.
Em todo o caso, e pela relevância de que se
reveste esta ferramenta, atrever-me-ei a tecer
alguns considerandos sobre o que poderá (ou não)
suceder nos próximos 12 meses a partir do Programa
Operacional Regional do Algarve, que aumentou a
execução em 15,3 pontos percentuais no ano transato,
transferindo preciosos 48,7 milhões de euros de
fundos comunitários para a economia sulina.
Começo, pois, por desejar que esse animador
resultado não se retraia, até porque 2021 foi o
melhor ano de execução desde o início do Quadro
Financeiro Plurianual, iniciado em 2014. Isso merece
um brinde.
Sublinho, particularmente, o
reforço do investimento empresarial em inovação
produtiva, no emprego qualificado, em reabilitação
urbana, património e equipamentos culturais,
capacitação e modernização administrativa, eixos que
no final de 2021 atingiram uma taxa de execução
superior a 60% sobre o programado para o período
2014-2020, tal como um significativo aumento do
investimento na ciência e investigação.
Como
a autoridade de gestão do Programa Operacional
Regional tem como meta elevar este ano a taxa de
execução em mais 20 a 22 pontos percentuais, com
o objetivo de atingir 78 a 80 por cento de taxa de
execução no final de 2022, aumentando a sua
eficiência e reforçando o investimento em inovação
produtiva e competitividade, educação,
infraestruturas escolares e cultura, ciência e
inovação, emprego, empreendedorismo e inovação
social, mobilidade suave, eficiência energética e
energias renováveis, só poderei estar esperançoso e
torcer para que assim seja.
Tomara nós que,
em complemento, ambiciosos projetos (ainda e sempre
na gaveta) comecem a ver, por fim, a luz do dia,
nomeadamente na área dos transportes, com a
modernização da linha ferroviária que liga
barlavento a sotavento à cabeça, sem esquecer a
ampliação do porto de cruzeiros de Portimão, entre
tantos e tantos adiamentos que continuam a inibir o
presente e a comprometer o futuro do Algarve e dos
algarvios.
Uma calamidade nunca vem só…
- Partilhar 05/12/2021
Esta malfadada
pandemia, cujas sórdidas origens ainda estão por
explicar, não há meio de nos dar tréguas e muito
receio eu que as novas cepas – detetadas a uma
cadência angustiante – acabem por esgotar a curto
prazo todas as letras do alfabeto grego.
Do
meu ponto de vista, o retorno ao estado de
calamidade, decretado a partir do dia 1 deste mês,
mais não faz que confirmar como se continua a
menosprezar (ao mais alto nível decisório) a força
maléfica deste versátil vírus, pois deveríamos ter
sobejas provas de que ele veio com armas a bagagens
para nos fazer a vida negra… e mortal em tantos e
tantos casos.
Já nem a vacinação maciça da
população, apesar dos eloquentes resultados a nível
mundial, nos vale de grande coisa: aos indicadores
de esperança de há um ano, quando começaram a surgir
as primeiras vacinas, sucedem-se dúvidas e
incertezas quanto à duração e eficácia das mesmas,
numa inglória corrida temporal contra as novas
estirpes por alguns dos mais conceituados
laboratórios, cuja única garantia palpável é a
milionária faturação de que estão a ser ‘vítimas’.
Portanto, não é de espantar que o tema
fraturante nas discussões entre amigos e familiares
tenha passado da existência de uma cura, para o
legítimo questionamento sobre a fiabilidade e
segurança das vacinas com que podemos contar no
combate a tão nefasta maleita, tendo por base o
aumento do número de infeções e o índice de
transmissibilidade da doença.
Voltam assim
ao nosso quotidiano, virado do avesso desde março de
2020, a obrigatoriedade do uso de máscara, as
medidas de prevenção sanitária, as testagens
regulares, o regresso ao teletrabalho, o certificado
digital e todas as outras restrições e regras de
controlo pandémico, entre as quais as limitações em
termos de viagens e frequência de espaços públicos
e/ou privados.
Quer isto dizer que a economia
algarvia, em particular o setor dos serviços e com
especial incidência na restauração e na indústria
turística, sofrerá novo impacto negativo e só lhe
resta nos próximos tempos manter-se à tona, tentando
(sobre)viver o melhor possível, a bem dos largos
milhares de trabalhadores que dependem desta área
laboral.
Não obstante e apesar de tudo,
cumpre-me encerrar a última crónica do ano com votos
de Boas Festas e desejos de um excelente 2022, na
esperança que a 1 de março próximo consigamos ver –
finalmente – uma luz ao fim do túnel e cesse o
estado de calamidade a que voltamos a estar
submetidos.
Carnaval pegado
- Partilhar 05/11/2021
A julgar pela cadência
com que se estão a efetuar atos eleitorais neste
país à beira-mar plantado, até parece que os
portugueses se pelam por uma boa campanha e não
perdem nenhuma oportunidade de exercer o seu direito
cívico.
Mas, depois, vai-se a ver e o que
temos são crescentes e preocupantes índices de
abstencionismo, aos quais a classe política não dá a
mínima bola, convencida que está dos seus méritos
republicano-democráticos e do seu abnegado espírito
de missão em prol do povo.
Pior que isso,
revela-se pouco ou nada sensível aos transtornos
funcionais, a todos os níveis, que as dispensáveis
crises governativas, geradas por guerrinhas
estratégicas do alecrim e da manjerona, causam no
quotidiano do português comum, que legitimamente
apenas ambiciona desfrutar de uma qualidade de vida
proporcional à carga tribuária que o asfixia.
Em vez de a nossa elite política se debruçar em
mixórdias como o hipotético recrudescimento da
pandemia ou o avassalador aumento do preço dos
combustíveis, já está tudo a cogitar quais as
melhores táticas para a caça ao voto agendada para
30 de janeiro próximo.
Cá pelos algarves,
onde é expetável mais uma pífia ida às urnas, como
vem sendo tradição, começam já a notar-se as
movimentações das forças partidárias no sentido de
elaborar as suas listas de putativos deputados,
quantos deles ignorantes da realidade desta região,
à qual nunca prestarão contas, por mais eleitos que
por cá sejam.
A propósito desta fase de
incertezas, iniciada no momento em que se desenhou a
crise forçada por politicoides de pacotilha e
aplaudida por populistas fascizoides, pus-me a fazer
contas sobre o tempo que mediará até ao exercício
pleno do XXIII Governo Constitucional, nomeadamente
no que tange ao congelamento de medidas e programas
de benefício e incentivo ao Algarve e aos algarvios,
e enquanto o próximo Orçamento da República não
entrar em funcionamento.
Assim, e após as
passeatas em janeiro dos candidatos às Legislativas
e seus apaniguados, distribuindo bonés, lapiseiras,
bandeirolas, porta-chaves, autocolantes e outras
(in)utilidades, só teremos novidades palpáveis - na
melhor das hipóteses - lá por alturas do Carnaval…!
Líder turístico na formação
- Partilhar 06/10/2021
O anúncio oficial de
abertura, a tempo do início da próxima temporada
letiva 2022/2023, das novas instalações da Escola de
Hotelaria e Turismo de Portimão, a funcionar na
antiga cadeia da cidade, inspira-me uma breve
reflexão sobre a extrema importância da formação
profissional para o principal setor económico da
região algarvia.
Na verdade, enche-nos de
orgulho qualquer notícia sobre as distinções que o
turismo do Algarve costuma receber, e que não são
poucas nem irrelevantes, muito antes pelo contrário.
Espero não ser abusivo ao incluir-vos neste grupo…
Das melhores unidades hoteleiras às melhores
praias e aos melhores campos de golfe, culminando no
melhor destino turístico a nível mundial, o Algarve
tem sabido merecer as mais altas honrarias, fruto
das suas condições naturais, mas sobretudo de
estratégias promocionais bem-sucedidas.
O
surto pandémico que colocou as nossas vidas de
pantanas foi dramático para os empresários do setor
e, por tabela, para os seus colaboradores (e
respetivas famílias), que vivem exclusivamente desta
atividade, infelizmente ainda demasiado sazonal.
Mais uma vez se provou e comprovou como a quase
total dependência da indústria turística fragiliza a
sociedade algarvia, tanto a montante como a jusante,
se bem que este ano já se esteja notando uma tímida
tendência de crescimento, rumo aos fantásticos
números de 2019.
Há muito se requerem
alternativas viáveis e consistentes, que tardam em
ser desbravadas. Neste âmbito, urge o investimento
privado, devidamente suportado por incentivos
públicos. Mas isso são contas de outro rosário.
Esta apressada crónica centra-se essencialmente,
repito, na formação profissional, pois se
ambicionamos um turismo de qualidade e atraente,
capaz de resistir às agruras conjunturais e aos
caprichos do mercado, deveremos pugnar por recursos
humanos capacitados para desenvolver as suas tarefas
de acordo com os mais exigentes padrões.
Tenho cá para mim que, quanto mais investirmos na
qualificação profissional, maior será a nossa
competitividade em termos de destino turístico,
neste mercado tão competitivo.
Vou ainda
mais longe e, para além dos jovens formandos que
desejam apostar o seu futuro na vertente turística,
defendo que essa mesma formação também deverá ser
facultada – ao longo da vida – a trabalhadores já
inseridos no mercado, não esquecendo os empresários,
porque é primordial regenerar o setor, acompanhando
as ideias que agitam o turismo à escala global e,
com isso, incutindo-lhe lufadas de ar fresco.
Para além de todos os prémios internacionais,
que bom será se o Algarve também for reconhecido
como o melhor destino turístico do mundo a capacitar
pessoas e a formá-las, criando mesmo – por que
não?... – condições para recebermos formandos de
outros países.
Venha de lá esse voto!
- Partilhar 06/09/2021
… E lá voltamos nós à
rotina das passeatas, por cidades, vilas e
aldeias, dos candidatos às Eleições
Autárquicas e suas comitivas de apaniguados,
distribuindo bonés, lapiseiras, bandeirolas,
porta-chaves, autocolantes e outras
gentilezas que tais, na pedincha daquele
votozinho que tanto jeito lhes vai dar. De
quatro em quatro anos, é assim.
Pelos 16 concelhos da
região algarvia, como em todo o país, sai à
rua a política de proximidade, como lhe
chamam, e que mais não é do que gente com
ares de importante que, por norma, mal nos
cumprimenta ou nos dedica um desprezo em
toda a linha, querendo (apenas por estes
dias) abraçar-nos e beijar-nos efusivamente,
perguntando como está a família e prometendo
um futuro risonho a troco do nosso voto.
Este ano, a título excecional, tais gestos
de carinho ‘sincero’ ficam tolhidos pelo
receio desse tal vírus que nos anda a
afetar. Ao menos, uma serventia lhe
reconheçamos…
Para além dessa
novidade no trato, mais formal, poucas
outras se me afiguram no quadro das listas
apresentadas ao sufrágio de 26 de setembro,
entre partidos e coligações, de barlavento a
sotavento.
Na verdade, o que
mais temos são candidatos que já exerceram a
presidência num concelho e que se apresentam
a outro, simplesmente por terem esgotado o
‘plafond’ de mandatos, ou os que foram
eleitos por uma sigla partidária, deram
força de maioria absoluta a uma outra
sensibilidade política adversária e agora
surgem sob novo invólucro, quais camaleões
pugnando sempre, sempre, sempre pelo
bem-estar do povo que juram representar. Há
mesmo aqueles que, tendo exercido em tempos
que já lá vão cargos de elevadíssima
responsabilidade autárquica em nome de um
determinado partido, num ápice redesenharam
as suas convicções de alto a baixo e agora
concorrem prestigiando (?) projetos que há
meia dúzia de anos afirmavam – alto e bom
som – abominar. Nada, portanto, que nos
surpreenda.
Afinal de contas,
quando falamos de eleições autárquicas
estamos falando de pessoas, certo?
Mais do que nos
símbolos partidários, são nelas que os
eleitores (também pessoas…) depositam o seu
voto, muito por conta da empatia que possam
nutrir pelo cabeça de lista e sua equipa, e
não tanto em programas superficialmente
divulgados e raramente discutidos.
Acompanhando à
distância as Autárquicas desde 1976, tenho
cá para mim que os perdedores de hoje
deveriam trabalhar logo a partir de amanhã
por um resultado melhor daqui a quatro anos.
Mas, como sabemos, isso não se verifica.
Pelo contrário, só a escassos meses das
eleições é que se começam a mobilizar, como
se, entretanto, estivessem em hibernação
política...
Se dá trabalho manter
uma atividade cívica ao longo de mais de
1400 dias? Acredito que dê. Mas, por outro
lado, tenho a certeza que esse esforço
profícuo e persistente dará frutos aos mais
empenhados e sérios. Conheço casos assim, as
chamadas honrosas exceções.
Para aqueles que
encaram as campanhas autárquicas como uma
obrigação que tem que ser cumprida de quatro
em quatro anos, à luz das estratégias
partidárias a que se encontram obrigados,
até é preferível que não obtenham especial
relevância, a bem da sua estabilidade
familiar e profissional, de que lá no fundo
não querem abdicar. Esses estarão de volta
em 2025, para mais uma feira de ilusões.
Entretanto, com
algumas polémicas e ataques fulanizados a
temperar o cenário (privilegiadamente nas
redes sociais), lá vai decorrendo a campanha
para as Autárquicas 2021, na qual se vem
demonstrando como ética, deontologia,
coerência, humildade, bom senso,
honestidade, desapego, idealismo, dignidade
ou independência são ingredientes que certos
candidatos não possuem de todo… até porque
não se encontram à venda na farmácia.
A(des)gosto
- Partilhar 06/08/2021
Tinha eu tenra idade e escassa
noção do que me rodeava, já ouvia dizer que
os algarvios suspiram ao longo do ano pela
chegada de agosto… para ansiarem pelo seu
fim o mais depressa possível.
Salvo os exageros da ordem, esse
chavão não deixa de continuar a fazer algum
sentido, mesmo nestes dois últimos verões
flagelados pela Covid-19, pois a região
algarvia ainda é o destino preferido para as
merecidas e retemperadoras férias de muito
boa gente.
Este agosto não está a ser exceção,
a atestar pelos largos milhares de turistas
portugueses que ‘invadem’ as estâncias
balneares e os espaços de recreação
aquática, além das grandes superfícies
comerciais e dos restaurantes e similares.
Outros atrativos que o Algarve
possui, sobretudo naturais e culturais,
continuam a ser ignorados pela esmagadora
maioria dos visitantes que nos demandam… Mas
isso é outra estória.
Valha-nos, pois, o mercado
nacional, já que os turistas britânicos,
franceses, alemães e quejandos têm
enfrentado entraves de vária ordem – não
apenas sanitária – e estão temporariamente
apartados deste nosso cantinho, o que
origina um grave rombo na economia local.
Mas não é esse o principal problema
com que o Algarve se depara nesta época: os
fogos rurais e a seca severa também costumam
concorrer para agostos bastante agitados,
onde coisa que não falta são motivos para o
‘stress’ dos autóctones, vulgo algarvios.
Até ao momento, e felizmente, não
se têm registado incêndios de grande monta,
mas no que toca à crónica falta de água nas
nossas barragens, aí o caso muda de figura.
De acordo com o mais recente
boletim climatológico do Instituto Português
do Mar e da Atmosfera, no final de julho
mantinha-se a situação de seca meteorológica
em Portugal, com significativa parte do
Algarve em seca moderada e a preocupante
diminuição dos valores de percentagem de
água no solo, inferiores a 20 por cento.
Também desde pequeno, são
recorrentes os alertas para a desertificação
(irreversível…?) do nosso território, cujas
cotas das barragens na região raras vezes
ultrapassam médias pífias.
Ainda, e mais uma vez, faz décadas
que ouço e leio sobre uma provável rede de
barragens, de norte a sul, capacitada para
disponibilizar água onde e quando fizer
falta. Projetos e ideias que não passaram do
papel.
Portanto, e por tudo isto, agosto
leva-me a crer que – afinal – as tradições
ainda são o que eram. Nos casos em apreço,
para mal dos nossos pecados.
Tânger, Portimão, Lisboa e Madrid
- Partilhar 04/07/2021
Num momento em que se
volta a ouvir a sirene de alarme face ao
recrudescimento galopante da estirpe Delta
da Covid-19, e quando as expetativas da
economia algarvia, direta e indiretamente
ligada ao turismo, baixam consideravelmente
pelo fecho de portas dos seus principais
mercados fornecedores, eis que há quem
vislumbre uma luz ao fundo do túnel na forma
da ligação marítima (diária!...) entre
Tânger e Portimão.
Grandes entusiastas
da medida, os marroquinos não se têm poupado
a esforços nas últimas semanas para
desbloquear o aparente impasse que o Governo
português está a protagonizar, ao que tudo
indica para não melindrar os interesses dos
nossos vizinhos espanhóis caso a rota em
causa saia do papel.
Se assim for – e tudo
indica que é – fica a questão: caso os
protagonistas mudassem de posição, ou seja,
os espanhóis a prejudicar negócios
portugueses, vocês acham que Madrid não
assobiaria cinicamente para o lado? Exemplos
abundam sobre o ponto de vista de ‘nuestros
hermanos’ relativamente ao nosso jardinzinho
à beira-mar plantado…
Seja como for, fontes
geralmente bem informadas garantem-me que
Rabat tem pressa para garantir a rota
Tânger-Portimão, como forma de não depender
em exclusivo dos caprichos espanhóis, mas
está a perder a paciência pelo extremo
cuidado com que Lisboa administra o
processo.
Em cima da mesa está
a realização de duas viagens diárias entre o
Norte de África e o Algarve, movimentando
cerca de quatro mil pessoas por dia,
sobretudo a comunidade emigrante magrebina.
No cerne da questão
residem profundas divergências
político-económico-religiosas entre Marrocos
e Espanha, que geraram uma crise diplomática
tendo Ceuta como pano de fundo. Mas isso a
nós, portugueses, pouco ou nada importará,
pois se o que Rabat quer são alternativas,
então que as proporcionemos, com os
benefícios que daí advirão. E não me parecem
poucos…
Temos em perspetiva
todo um novo mercado, até turístico, uma vez
que as famílias marroquinas de classe média
alta, com um apreciável poder de compra,
passariam a frequentar a excelente oferta
algarvia, que desconhecem totalmente, apesar
de comungarmos de muitos laços culturais,
inspiradores da paisagem urbana e dos
hábitos gastronómicos algarvios, que
certamente lhes serão familiares.
Portanto, e salvo
opinião contrária, esta é uma oportunidade
de ouro, que poderá – e deverá – anteceder
outras, caso sejamos legitimamente
ambiciosos e tenhamos em perspetiva que o
Porto de Cruzeiros de Portimão se assume
como uma privilegiada porta de saída e
entrada para o Mediterrâneo, tanto mais que
a rede atualmente a ser tecida por Rabat
inclui o porto francês de Marselha e o
italiano de Génova, entre outros
ancoradouros de renome.
Conseguem imaginar
Portimão e o Algarve envolvidos nesta teia
marítima? A verificar-se, e até ver, isto
soa-me a música tocada por anjo em harpa.
Ingleses, para que vos quero?
- Partilhar 03/06/2021
Sob o pretexto da
final da Champions League entre Chelsea e
Manchester City, que o Governo português
achou por bem acolher, os ingleses começaram
a retornar – de forma algo abrupta e
descoordenada – a terras onde se canta o
fado e se come sardinhas à mão.
E desde logo fizeram
sentir o seu peso, tanto ao nível económico
como nas atitudes de arrogância e desdém
pelo alheio, dois fatores profundamente
interligados, seja por defeito ou feitio dos
súbditos de sua majestade.
Cá pelos algarves, e
desde as últimas semanas de maio, é ver
chegar vagas de ‘tourists’, muitos deles
cumpridores das regras de sanidade pública
em vigor devido à atual pandemia, embora se
rejeitem demasiadas infrações ao nível do
incumprimento das mais elementares regras de
higiene e distanciamento social, porque há
gente que acredita estar numa terra sem rei
nem roque.
As portas foram-lhes
escancaradas e as libras tudo pagam, julgam
eles, mal-habituados a estratégias de
acolhimento e campanhas promocionais
subservientes, seja em Portugal, seja na
Grécia, Espanha, Itália, Turquia ou noutros
países de pendor turístico considerados mais
limítrofes.
Note-se que não meto
no mesmo saco os outros britânicos (galeses,
irlandeses e escoceses), pois o seu
comportamento padrão nada tem a ver com os
truculentos dominadores da Velha Albion.
Entretanto, temos
esfregando as mãos de contentamento as
agências de viagens, as companhias aéreas,
as rent-a-car, a restauração e – sobretudo –
a indústria hoteleira, que registou aumentos
de reservas na ordem dos 600 por cento no
decurso das últimas semanas. Mas contenha-se
este entusiasmo, pois tamanha percentagem é
aferida em comparação com o movimento
anterior… que era pouco mais que nenhum.
Na verdade, bastará
uma ligeira centelha, como por exemplo um
qualquer problema originado pelos excessos
dos turistas ingleses ou o simples
agravamento dos números relativos aos casos
de Covid-19, e tudo se esfumaça.
Espero sinceramente
que tenhamos um Verão em cheio e que a
região algarvia volte a receber ondas de
turistas vindos dos habituais países
clientes, com tudo a correr pelo melhor, de
maneira a que a economia local absorva a
plenos pulmões esta lufada de ar fresco para
os seus cofres, a bem da saúde financeira
das empresas (não só turísticas) e da
estabilidade dos postos de trabalho que
geram.
Mas… há que
disciplinar os indisciplinados,
preferencialmente através de ações e
campanhas pedagógicas, para que uns quantos
tresloucados (na maior parte dos casos
inebriados pelo excesso do consumo de
álcool) não prejudiquem as merecidas férias
de todos aqueles que por cá procuram,
prazerosos, a nossa hospitalidade de
primeira, desfrutando a natureza de sonho, a
gastronomia deliciosa e as condições
turísticas “do very best”.
Competirá às autoridades, nacionais e regionais, prevenir antes de remediar.
Impacto desproporcional
- Partilhar 05/05/2021
Acreditem que eu bem queria abordar um tema menos constrangedor, supérfluo até, a ver se dispersava as nuvens negras que pairam sobre nós. Mas não dá.
Portanto, é com assumida resignação que volto ao tema recorrente dos malefícios que a atual pandemia trouxe à região algarvia, não apenas em termos pessoais, mas sobretudo no âmbito económico, e dos quais tardaremos a recuperar.
Embora não tenha sido novidade para ninguém, certo é que um recente estudo do Observatório das Desigualdades concluiu que o Algarve é a região do país onde a pandemia está a ter um “impacto absolutamente desproporcional” e apresenta o maior aumento homólogo do desemprego.
De referir que o Observatório é uma estrutura independente, constituída no quadro do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa. O estudo, intitulado
“Desemprego em 2020 - Impactos da Pandemia, Mapeamentos e Reflexões”, verificou
“a inversão da trajetória de descida sustentada do desemprego, que vinha acontecendo desde 2012”, baixando regularmente de 710.652 pessoas oito anos antes, para 297.931 em janeiro de 2020. Contudo, “um repentino recrudescimento, mais notório a partir de abril do ano passado e que coincide com as primeiras medidas de confinamento, inverteu esta tendência”, colocando o total de desempregados registados em 375.150 no mês de dezembro.
Os designados “desempregados imediatos”, que não beneficiaram do `layoff` simplificado, entre outras medidas indiretas de apoio ao emprego, foram sobretudo “trabalhadores mais precários, informais, trabalhadores independentes, falsos recibos verdes, em suma, gente vulnerável com vínculos contratuais frágeis ou simplesmente inexistentes, aos quais se juntaram os que estavam em período experimental e não continuaram”. Ou seja, o que mais há por terras algarvias.
Particularizando a análise, com foco na atividade económica concreta, os investigadores verificaram que os desempregados são provenientes sobretudo do alojamento, restauração e similares. E é aqui que mais nos toca.
Segundo o relatório em causa, que analisou o mercado de trabalho em Portugal continental durante o ano de 2020, com base em dados do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, “o setor do turismo continua a ser largamente penalizado pela pandemia”, tendo os investigadores feito questão de salientar que no caso do Algarve “o fenómeno é ainda mais expressivo”.
Avançam mesmo que na região
“a pandemia está a ter um impacto absolutamente desproporcional, explicado em grande medida pelo facto de ser muito dependente da atividade turística”, salientando que os dados do desemprego registado são “inéditos”.
Se dúvidas houvesse, aí estão as evidências plasmadas em números, …que demorarão bastante a ‘normalizar’. Acontecerá isso algum dia?
Delação não premiada
- 05/04/2021
Causaram
indisfarçável mal-estar no setor
turístico-hoteleiro as polémicas declarações
de Elidérico Viegas, histórico presidente da
AHETA - Associação dos Hotéis e
Empreendimentos Turísticos do Algarve,
segundo o qual as distinções internacionais
que vêm premiando o país e a região algarvia
nos últimos anos, enquanto destinos de
eleição, teriam uma importância nula e
subvertida, uma vez que vêm sendo negociadas
com as entidades que as atribuem, a troco de
avultadas quantias.
E a polémica foi de
tal monta que o próprio Elidérico optou por
se demitir do cargo, que assumia
ininterruptamente há mais de 25 anos,
preferindo assim cortar pela raiz o coro de
contestações vindas dos seus colegas de
direção e de diversos quadrantes da
atividade turística, a montante e a jusante.
Porque vos trago este
assunto, nada abonatório para a boa imagem
do turismo nacional, especialmente o
algarvio, despoletado precisamente quando o
setor sofre os devastadores efeitos de um
ano de quase total regressão, devido aos
efeitos colaterais desta terrível pandemia?
Precisamente porque
Elidérico também criticou o plano de
vacinação nacional contra a Covid-19, que
considera aquém do desejado, o que
prejudicará, no seu entender, uma imagem
turística já de si bastante afetada por este
longo e atípico período, cuja recuperação se
afigura lenta e dolorosa.
Em boa verdade, não
sei se é verdadeira a denúncia relativa aos
prémios alegadamente comprados, nem tão
pouco se a planificação das vacinas estará
assim tão atrasada e, caso esteja, se se
trata de mera incapacidade organizativa das
entidades competentes, sobre a qual em nada
interferirá o contexto internacional
relacionado com o rocambolesco processo de
produção, homologação, aquisição,
distribuição e confiança das benditas
vacinas ao dispor.
Caso se confirmem
as duas críticas, ambas deverão merecer o
mais cuidadoso e célere reparo que
justificam, doa a quem doer.
O que me faz espécie
é entender se, no caso específico das placas
e estatuetas – supostamente – a saldo, seria
este o momento mais oportuno para levantar a
lebre, ainda por cima sem a apresentação de
quaisquer comprovativos? É esta a celeuma
que o turismo mais precisa nesta altura do
campeonato? Não haveria outras prioridades
de fundo a debater, em prol do bem-estar do
setor e de quantos nele trabalham e dele
vivem? Alguém ficou a ganhar com tamanha
revelação (ainda) não sustentada? Elidérico
Viegas, ele mesmo, atirou ao lixo um
desempenho de décadas, só porque sim?
Em suma: isto foi para quê?
Preparando a imunidade de rebanho
- 01/03/2021
Todos nós esperamos
que este segundo confinamento geral seja o
último e que a maldita Covid-19 esteja, pelo
menos, devidamente controlada à custa de
dezenas de vacinas e milhões de injeções.
Um ano de frustrantes
padecimentos e duras limitações depois, é o
mínimo que merecemos, após termos abdicado
de tantas coisas boas que a vida nos poderia
ter proporcionado.
Vamos, pois, desejar
ardentemente que tudo não tenha passado de
um longo pesadelo, malgrado os resultados
nefastos que provocou. Mas… será que teremos
condições de retomar o nosso quotidiano, sem
duradouros resquícios deste mau momento?
Para além das
sequelas com que os infetados terão de
conviver, que efeitos esta pandemia deixará
no dia a dia dos confinados e quarentenados?
Que terapias deveremos adotar para tentarmos
regressar à normalidade, reabilitando-nos
dos tiques provocados por esta espécie de
coma social, seja em termos físicos, seja
nos meandros da mente?
Falo, naturalmente,
de gestos banais e corriqueiros – entretanto
demonizados – como apertar a mão de amigos e
conhecidos sem exageros e com a devida
intensidade, o mesmo sucedendo com os
beijinhos da praxe, para não falar no ato de
acender luzes e tocar campainhas à
cotovelada ou de empurrar portas à joelhada.
Fundamental será,
ainda, desmamarmos o inconsciente vício de
lavar e relavar as mãos com álcool gel por
tudo e por nada, sem esquecer que, na
sequência do regresso físico aos nossos
postos de emprego, essa coisa de ficar um
bocadinho mais no remanso da cama, à conta
do teletrabalho, vai ter os dias contados.
Outro aspeto que
considero essencial relaciona-se com o
instintivo tique que nos faz desviar das
pessoas nos passeios, enquanto suspendemos a
respiração, já de si tão inibida devido ao
uso de máscara. Dupla, nalguns casos.
Por tudo isto e muito
mais, que agora não me ocorre, sugiro-vos um
intenso treino em casa visando recuperar as
anteriores rotinas, antes que seja alcançada
a imunidade de rebanho e decretado o
desconfinamento integral.
Fragilidades democráticas
- 03/02/2021
No meio do dilúvio de
notícias de e sobre a Covid-19 com que temos
sido inundados nos últimos tempos, pouca
atenção sobra para outros assuntos – digamos
– menos prioritários.
É
natural, portanto, que tenha passado
relativamente ao lado da opinião pública e
dos comentadores de serviço (aqueles que
sabem de tudo um pouco…) o facto de Portugal
ter descido de categoria no Índice de
Democracia elaborado anualmente pela revista
“The Economist” e agora divulgado, deixando
de ser um “país totalmente democrático” para
regressar ao grupo dos regimes democráticos
“com falhas”, um recuo que terá sido
impulsionado pelas medidas restritivas
impostas, justamente, pela atual pandemia.
Segundo os autores
do relatório em causa, alusivo a 2020 e cujo
título se poderá traduzir para “Na saúde e
na doença?”, Portugal e França surgem no
mesmo patamar, com o mesmíssimo avanço e
recuo: ambos os países tinham na edição
anterior avançado para “país totalmente
democrático” e perderam agora esta
categoria, sendo os únicos na Europa
Ocidental a registar tal regressão.
Nos dois casos, as
restrições impostas como forma de conter a
propagação da Covid-19, nomeadamente os
confinamentos gerais, o distanciamento
social e várias outras medidas, explicam
grande parte da queda de categoria.
Entre diversos
motivos que concorrem para essa quebra,
figuram as categorias do processo eleitoral
e pluralismo e das liberdades civis, ao
passo que se mantêm inalterados os quesitos
do funcionamento do governo, da participação
política e da cultura política.
Aqui chegado,
permitam-me partilhar algumas perguntas
retóricas sobre os resultados obtidos na
região algarvia por um certo candidato às
Presidenciais de janeiro último, declarado
patrono de uma visão política pouco ou nada
democrática.
Como se poderão
interpretar os 16,60 por cento dos votos
expressos nas urnas de barlavento a
sotavento a favor desse simpatizante de
ideias fascizantes (mais de 26 mil dos 155
mil votantes na região, isto é, quase 58 por
cento dos eleitores efetivos)?
Será que os votantes, naturais e residentes, se revêm assim tanto nos conceitos populistas e antissistema propagandeados pelo candidato em causa, atirando às urtigas os direitos e liberdades fundamentais plasmados na Constituição da República Portuguesa de 1976?
Será que este
resultado não deve preocupar os democratas,
pois apenas se terá tratado de uma pontual
manifestação de descontentamento face ao
status quo?
Ou será que as falhas
democráticas apontadas no estudo que citei
vão ser exploradas com cada vez maior
sucesso nos próximos tempos, ao ponto de
colocar em sério risco os chamados valores
de Abril?
O que vai acontecer
nas Autárquicas deste ano e, sobretudo, nas
próximas Legislativas?
Que fenómeno
político-social é este a que estamos a
assistir e até onde irá?
Vacinação inspiradora
- 04/01/2021
São vários os dilemas
e inúmeros os desafios que 2021 traz, qual
deles o mais determinante para – pelo menos
– nos mantermos à tona, (sobre)vivendo o
melhor possível.
Um deles,
seguramente, tem relação direta com o
flagelo pandémico que virou a nossa vida do
avesso no ano findo: deveremos, ou não,
tomar a vacina preventiva contra a Covid-19,
qualquer uma que seja?
Durante os primeiros
meses de convívio com esta terrível
realidade e seus dramáticos resultados, todo
o mundo ansiava pela criação de um antídoto,
de alguma panaceia, capaz de travar tão
nefastos efeitos.
Num caso nunca visto
de união de esforços, públicos e privados,
eis que começam a surgir vacinas e mais
vacinas, testadas com resultados
promissores, e o mundo respira de alívio.
Afinal, há uma cura e essa cura fica
disponível em tempo ‘record’.
Contudo, assim como
os indicadores de esperança dispararam nos
últimos meses de 2020, também dispararam as
dúvidas e incertezas quanto à real eficácia
das propostas apresentadas por alguns dos
mais conceituados laboratórios.
Num ápice, o tema
fraturante de conversa deixou de ser a
eventualidade de uma solução para tão grave
problema, mas se essa solução dá reais
garantias de fiabilidade e segurança.
Um dos principais
argumentos utilizados pelos céticos tem a
ver com a rapidez como todo o processo
decorreu, após a descoberta do novo
coronavírus.
Antes, em
circunstâncias normais, passavam-se vários
anos até que as vacinas contra diversas
doenças se revelassem efetivas e eficazes.
Por isso, quando os cientistas começaram a
trabalhar numa vacina para o SARS-CoV-2,
ninguém arriscou datas, pois toda a gente
tinha noção da morosidade do processo.
Certo é que, menos de
um ano depois, já foram vacinados milhares
em todo o mundo e essa onda parece
irreversível, por muitas novas estirpes que
possam surgir.
Portanto, e se alguma
coisa de positivo se pode extrair deste
fenómeno epidemiológico, independentemente
do modo como o mesmo será ultrapassado, mais
cedo ou mais tarde, é o ‘lobby’ positivo que
criou, à escala global.
De facto, e sem
pretender influenciar o vosso soberano poder
de decisão na “toma da pica”, porque não é
isso que está aqui em causa, cumpre-me
salientar um aspeto que considero exemplar:
nunca, em nenhuma circunstância da História,
houve uma união a este nível por parte dos
seres-humanos na busca de uma solução comum,
que a todos beneficie.
Ora, numa terra
que se caracteriza pela forma desgarrada
como sempre lidou com os seus problemas (e
estou falando do Algarve…) não representará
todo este processo um paradigma inspirador,
à escala regional, para todas as áreas da
nossa sociedade, tão carenciada de
sinergias?
Comer para (sobre)viver
Até onde a minha
memória gustativa vai, lá para os três ou
quatro anos de idade, venho-me alimentando
(deliciado) com os ricos sabores da
culinária algarvia, tão salutarmente
influenciada pela dieta mediterrânica.
Sendo daqueles que
come para viver e não que vive para comer,
nem por isso deixo de apreciar uns carapaus
alimados, umas sardinhas assadas, umas papas
de berbigão, uma salada de choco em sua
tinta, uma caldeirada com o peixe da
ocasião, uns búzios com feijão, uns guisados
de grão e tantas e tantas especialidades
típicas, que conjugam o que de melhor a
terra e o mar nos proporcionam. Tudo bem
acompanhado, claro está, com as pingas
sulistas, de tinto e branco, trabalhadas
pelo generoso sol, rematando cada refeição
com uma bolinha de figo e amêndoa ou um doce
fino, a que o cálice de medronho dá um toque
especial.
Ao longo destes anos
– bem mais de meio século – fui
experimentando casas tradicionais, das quais
me tenho feito cliente habitual, pois
preservam os sabores e saberes algarvios,
passados de geração em geração.
Por norma, são
espaços rústicos, onde impera o asseio e as
regras de acondicionamento e higienização
alimentar impostas pelas autoridades do
ramo, apanágio desses recantos de bem comer.
De repente, com a
intromissão descarada desta malfadada
pandemia no nosso quotidiano, fiquei privado
de os frequentar quando e como quero.
E quem fala nestes
paraísos dos petiscos, fala em alguns
milhares de restaurantes e afins que, de
barlavento a sotavento, lá vão sobrevivendo
por entre restrições, limitações e
castrações que lhes tolhem a faturação e
indiciam o encerramento de portas, mais dia
menos dia. Como já sucedeu demasiadas vezes.
Nesta região tão
dependente do turismo, é toda uma atividade
empresarial a desmoronar, arrastando consigo
largos milhares de postos de trabalho, dos
quais dependem incontáveis agregados
familiares.
Perante esta crise
sem fim à vista, e face a um futuro próximo
que se afigura cada vez mais angustiante,
empresários houve que chegaram a fazer greve
de fome, exigindo objetivas medidas de apoio
por parte do Estado.
Mas... e nós,
clientes (mais ou menos) assíduos? Mas… e
nós, algarvios (mais ou menos) preocupados
com este cenário, um de tantos outros que
atingem de chofre a mono indústria turística
que, para o bem e para o mal, é locomotiva
económica do Algarve?
O que fazer, para
além de cumprirmos regras tão patéticas como
passar o umbral da porta de máscara na cara,
retirando-a logo a seguir, de nos sentarmos
mesa sim, mesa não, de frequentarmos os
restaurantes e similares das tantas às
tantas, em determinados dias da semana, como
se o coronavírus, nesses momentos, metesse
folga?
Porque estas questões
me assaltam e incomodam, ao ponto de sentir
necessidade de as partilhar convosco,
pergunto: como poderemos contribuir para que
a restauração continue a operar, mantendo a
qualidade do serviço e o mapa de pessoal?
Aceitam-se sugestões.
2-12-2020
Travagem a fundo
Aquilo que se passou
recentemente no Autódromo Internacional do
Algarve, durante o GP de Portugal em Fórmula
1, não se pode repetir, garantiu António
Costa, alto e bom som, em frente a dezenas
de microfones e câmaras de registo de
imagem.
“Aquilo”, esclareça-se, terão
sido as atitudes irrefletidas de alguns milhares de
espetadores, que não se revelaram minimamente
preocupados com o vertiginoso recrudescimento de
casos de covid-19 que assola a Europa e do qual
Portugal não escapa.
Atitudes irrefletidas essas
não controladas ‒ e muito menos corrigidas ‒ pelas
autoridades ditas competentes, cujo dever e missão
seria impedir atos de displicência e leviandade.
Mas quem ouviu o nosso
Primeiro ficou com a sensação que o raspanete
público se dirigiu especificamente aos responsáveis
da Parkalgarve,… que não se pouparam a esforços para
trazer de volta até nós a mais mediática competição
do desporto automóvel, concentrando os holofotes do
mundo (por alguns dias) no Sítio do Escampadinho,
freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de
Portimão, distrito de Faro.
É um facto que, em
circunstâncias ‘normais’, nem tão cedo teríamos o
regresso da Fórmula 1 a este jardim plantado no
extremo ocidental da Europa. Mas, convenhamos, não
foi nada fácil convencer os decisores da FIA a
considerarem a vinda do circo aos antípodas do Velho
Continente.
E, se existem sérios reparos
a fazer no que toca aos aspetos organizacionais,
muito por força desta malfadada pandemia, certo é
que a nível desportivo a espetacular pista do
Autódromo Internacional do Algarve passou com
distinção. Quem o diz são os pilotos e os
responsáveis pelas escuderias em prova.
Contudo, e não obstante, a
reprimenda que serve como ponto de partida a esta
minha despretensiosa crónica terá funcionado assim
como um insensato tiro nos pés, ou uma imprudente
travagem a fundo, que em nada abonará para um
eventual regresso da Fórmula 1 a Portugal, pelo
menos nos próximos tempos. É que a repercussão da
coisa foi grande lá por fora…!
Creio que há outras formas
mais eficazes e menos espalhafatosas de apurar
responsabilidades e afinar a máquina ‒ sem a
hipotecar ‒, caso a perspetiva seja mesmo tirar
partido de uma das mais bem-dotadas infraestruturas
desportivas do país.
Quanto mais não seja, a bem
da economia nacional, regional e local, principal
argumento invocado pelos nossos governantes para
darem luz verde à prova e investirem balúrdios no
projeto.
2-11-2020
Areias, para que vos quero?
Na minha atividade
jornalística, pelo menos desde meados da
década de 1980 que tenho escrito sobre a
importância estratégica do desassoreamento
do Rio Arade, que desce da zona de Silves
até Portimão.
Via fluvial de grande
importância ao longo de séculos, foi
perdendo significado à medida que o
irreversível assoreamento, fruto de
condições naturais e por força da influência
humana, tomou conta do cada vez menor caudal
das suas águas.
Em particular, as obras
de dragagem da foz do Arade são uma promessa
governamental com mais de 20 anos, entre
avanços e recuos… no papel. Com efeito,
estudos é coisa que não falta, faltando –
sim – ao erário público os milhares e
milhares de euros já gastos com os ditos
cujos.
O tempo passa e o
assoreamento progressivo do rio leva a que
seja cada vez mais difícil navegar até
Silves durante a maré alta. Vem-se perdendo,
assim, o potencial turístico e ambiental
deste percurso fluvial de inegável beleza.
Mas não é
propriamente o desassoreamento do Arade que
abordo neste texto, antes a suspensão do
projeto relativo à ampliação da barra de
manobras para os navios de cruzeiros que
demandam o Porto de Portimão, privilegiada
escala atlântica de e para o Mediterrâneo.
Intervenção da
responsabilidade da Administração dos Portos
de Sines e do Algarve (APS), o plano
contempla, entre outras medidas, a remoção
total de cerca de 4 630 000 metros
cúbicos de materiais arenosos e outros
materiais detríticos, o que permitirá
a amarração de dois navios em simultâneo,
fruto de um melhor aproveitamento do espaço
disponível. Para tanto, serão necessárias
dragagens do canal de acesso e da bacia de
rotação, pensando em navios com até 334
metros, num investimento global de 17,5
milhões de euros.
… Estava tudo prestes a
avançar, eis que vozes contestatárias se
opuseram ao depósito de parte das referidas
areias em zonas afetas à freguesia de
Ferragudo, no concelho fronteiriço de Lagoa,
sob o argumento que, uma vez que o grande
beneficiado vai ser o município de Portimão,
a Portimão competirá receber esses milhares
de metros cúbicos de areal.
Num exemplo raro no
nosso país, as entidades ditas responsáveis
atenderam – aparentemente – a essa
reclamação, tendo a CAIA - Comissão de
Avaliação de Impacto Ambiental (criada para
o efeito) emitido um parecer desfavorável à
coisa, dirigido à Agência Portuguesa de
Ambiente. O relatório da CAIA alega a
existência de diversas “lacunas” e
“situações pouco definidas e sem qualquer
avaliação concreta ou sustentada” no Estudo
de Impacte Ambiental promovido pela APS,
nomeadamente em termos dos efeitos que a
deposição de areias poderá ter nos locais
previstos.
No momento em que
redijo estas linhas, decorre o período para
eventuais alegações da APS e só depois a APA
divulgará a Declaração de Impacte Ambiental
correspondente a este caso que, na minha
modesta opinião, se tornou num braço de
ferro entre os interesses
económico-turísticos e a defesa do
ecossistema local, notando eu, em ambas as
frentes, motivações pouco confessáveis.
Mas isso é outra
conversa.
4-10-2020
Futuro devoluto
Qualquer um de nós pode
confirmar, se é que ainda não teve noção do
fenómeno, o elevado número de habitações devolutas
existentes nos principais centros urbanos do
Algarve, na esmagadora maioria em mau estado de
conservação.
Qualquer um de nós também pode
aferir, se é que nunca passou pela traumática
experiência, como a demanda por uma casa para
arrendar constitui uma exasperante busca de agulha
em palheiro, principalmente por jovens casais no
início da vida a dois.
Talvez devido à atual
conjuntura, está a verificar-se um pouco por toda a
região um curioso fenómeno; o regresso de jovens que
aqui pretendem constituir família e alicerçar futuro
junto dos seus, depois de terem feito formação
académica e/ou tentado emprego nos principais
centros urbanos do país.
Assim de repente, e nos últimos
dias, soube de 4 ou 5 casos… e das imensas
dificuldades que estão a ter para conseguirem um lar
dentro das suas possibilidades financeiras, evitando
logo à partida um compromisso bancário para toda a
vida, que lhes impõe implacavelmente uma
disponibilidade monetária, na ordem dos 5 por cento
do custo final (mais alcavalas), que muitos não têm.
Porém, face ao paupérrimo
cenário dos alugueres disponíveis, só lhes resta
“meterem-se com os bancos” a contragosto, pois a
alternativa impõe-lhes condições verdadeiramente
obscenas.
Na verdade, havendo tantos
imóveis fechados a sete trancas e tão escassa
oferta, a procura é confrontada com um ror de
ilicitudes e imoralidades que se confundem entre si,
desde rendas surreais face à qualidade medíocre dos
habitáculos, até à exigência de várias cauções, tudo
sem contratos e, como tal, sem recibos ou controle
legal.
Para piorar ainda mais, grande
parte das casas apenas está disponível entre outubro
e maio, porque os proprietários não abdicam de
faturar à tripa-forra durante os meses da chamada
“época alta”.
Sem entrar em mais detalhes,
pois o espaço escasseia, considero uma lástima a não
existência efetiva – repito, efetiva – de um
programa, ou plano, ou projeto, que estimule estes
jovens algarvios a regressarem às origens e, como
tal, a contribuírem para o bem-estar de todos nós
com o seu potencial.
Como se compreende, o problema
não passará só pela habitação, mas dela depende
muito, já que é extremamente desolador querer voltar
para junto dos seus e esbarrar com este panorama.
Para reflexão por quem de
direito.
1-09-2020
Vem aí o circo da Fórmula 1
O país rejubilou com
a notícia do regresso da Fórmula 1, após 24
anos de interregno, para uma corrida a
disputar-se na magnifica pista do Autódromo
Internacional do Algarve em 25 de outubro
próximo.
Se não houver
percalços até lá, o poderoso mundo automóvel
vai estar de olhos postos no Sítio do
Escampadinho, freguesia da Mexilhoeira
Grande, a poucos quilómetros da cidade
turística de Portimão… e com público nas
bancadas.
Muitos já consideram
aquela como uma das maiores datas históricas
do desporto motorizado português, para o que
terá concorrido a vontade e os esforços de
diversas entidades locais, regionais e
nacionais, podendo este projeto, que começou
a ganhar corpo há poucos meses, servir de
paradigma para outros cometimentos lusos de
amplitude internacional.
Contudo, creio que
não se deveria embandeirar tanto em arco com
esta vitória relativa, pois convém ter
presente que a mesma jamais ocorreria – pelo
menos nos próximos tempos – caso não
atravessássemos uma pandemia que tudo tem
pervertido à sua volta.
É que os inegáveis
dividendos que o retorno da Fórmula 1 ao
nosso país poderão trazer, na ordem dos 300
milhões de euros segundo estimativas
reservadas, estão ameaçadas pela guilhotina
de um novo surto de Covid-19, que alguns
especialistas da área da saúde receiam possa
ocorrer com o advento do outono e, portanto,
da época das viroses gripais e afins.
Mais apreensivo fico
sabendo que este novo Coronavírus, que
tantas mortes causou e transtornos sociais
provocou, é de uma imprevisibilidade
exasperante, reinventando-se como poucos,
para mal dos nossos pecados.
Portanto,
reconhecendo que o anúncio da realização no
Algarve da prova maior do desporto
motorizado deixa-nos a todos de peito
inchado e faz muito bem à nossa auto estima,
devo chamar a atenção para uma eventual
reviravolta, caso os indicadores de controle
da pandemia na região (e em Portugal) se
revelem até lá inseguros e, como tal,
insustentáveis.
As autoridades
regionais têm sabido dar uma eficaz resposta
a este problema sanitário, graças ao empenho
e competência dos profissionais de saúde e
demais envolvidos, proporcionando as
garantias de segurança que nos permitirão
receber esta espécie de medalha de ouro do
desporto mundial.
A promoção global da
prova e, por tabela, do destino turístico
algarvio, é algo não quantificável, já que
permitirá atingir os quatro cantos do
planeta automóvel e mostrar todas as nossas
qualidades, da hotelaria de excelência à
saborosa gastronomia, das praias magníficas
e do deslumbrante interior, ao património
histórico-cultural e às marinas que salpicam
a costa.
Por isso, os
responsáveis pela empreitada querem que esta
não seja uma mera prova de substituição e se
consolide no circo da Fórmula 1,
constituindo um importante balão para as
empresas da região, ao gerar uma forte
dinâmica económico-financeira.
Mas atenção: todos
nós deveremos contribuir para que os índices
de segurança sanitária sejam o mais elevados
possível, quer para que o sonho de trazer a
Fórmula 1 para o Algarve se concretize a 25
de outubro e se repita nos anos vindouros,
quer – já agora – para o nosso próprio
bem-estar.
5-08-2020
Amigos da onça
Se dúvidas houvesse
que o turismo algarvio – e, como tal, a
região no seu todo – está a atravessar um
nefasto período, de reflexos bastante
reservados e de longa duração, a decisão do
Governo inglês de excluir Portugal dos
"corredores de viagem internacionais"
constituiu violenta machadada.
A resolução de
Londres de nos banir da lista de destinos
turísticos que permitem aos britânicos
passarem férias sem cumprir quarentena no
regresso, terá consequências muito graves no
futuro próximo desta região, uma vez que só
esse mercado representa cerca de 60 por
cento dos turistas que nos visitam.
Não consigo
vislumbrar uma razão clara e objetiva para
esta decisão, tanto mais que Espanha, França
ou Itália, por exemplo, fazem parte dessa
‘lista dourada’, apesar de serem os países
mais afetados no continente europeu, quer em
número de casos de covid-19 quer em número
de mortes, logo atrás – recorde-se – da
Inglaterra.
É que no Algarve
temos menos de 650 casos acumulados para
cerca de 500 mil residentes, o que
representa, em termos de confirmações de
coronavírus, uma percentagem pouco superior
a 0,1 por cento de pessoas que foram ou
estão infetadas com a covid-19.
Portanto, é com um
sentimento de incompreensão e de injustiça
que vejo países com indicadores muito
inferiores a Portugal, como é o caso do
número de testes por milhão de habitantes,
serem considerados destinos seguros, sem
obrigatoriedade de quarentena. Para mim, e
em circunstâncias puras e normais, não faz o
menor sentido.
Sei, entretanto, que
esta decisão não influenciará os muitos
turistas oriundos das terras de sua
majestade que conhecem as qualidades
inerentes ao Algarve e que sabem que nesta
região a covid-19 está perfeitamente
controlada.
Também sei que os
milhares de residentes ingleses a viverem na
região estão a passar a mensagem aos seus
conterrâneos, desmistificando uma imagem
preconceituosa, que Boris Johnson e seus
pares acabaram por transmitir com a sua
despropositada deliberação.
Os problemas que
atravessamos são muito difíceis, pelo que é
essencial que a União Europeia pós-Brexit
trabalhe em conjunto, definindo estratégias
comuns nos níveis nacional, regional e
local, para a reabertura de fronteiras,
restabelecendo um dos pilares da construção
europeia: a livre circulação de pessoas e
mercadorias, desde que tomadas as medidas de
cumprimento das regras de circulação, de
convivência e de distância segura entre as
pessoas.
Como está a suceder
no Algarve. cuja indústria turística
representa 4,6 por cento do PIB português,
estando 87 por cento do emprego gerado na
região relacionado diretamente com este
setor.
… Ah, e esqueçam lá
isso da “mais antiga aliança do mundo ainda
em vigor”.
8-07-2020
Invasão estival?
Num dos primeiros atos públicos que assisti após o período de confinamento social, causou uma indisfarçada onda de surpresa nos presentes a revelação, feita por uma figura proeminente do poder local algarvio, que os empresários turísticos e concessionários de praia do seu concelho esfregam as mãos de contentes, perspetivando um Verão em cheio.
2-06-2020
Todos por um
Com o regresso da nossa vida à normalidade possível, muitos já perceberam que as coisas não vão ser como eram, por variados motivos que não vale a pena referir, de tão escalpelizados vêm sendo pelos especialistas de ocasião.
Em particular no que toca à monocultura do turismo, os responsáveis do setor e o tecido empresarial terão que se adaptar profundamente, repensando estratégias para minimizar prejuízos e, à luz da nova realidade, rentabilizar o potencial regional que – no fim de contas – não se perdeu nem um pouco e continua por aí.
Quero, contudo, abordar outra vertente, porventura menos focada, mas que para mim representa, talvez, um dos mais enriquecedores legados desta crise social que – ainda – estamos a viver.
6-05-2020
Não fazer nada é uma ciência
Desconheço como estão
passando o vosso tempo de auto quarentena.
Pois eu cá devo confessar que já não sei o
que mais fazer, após duas semanas
enclausurado em casa. Ou serão três...?
A
sensação marcante por estes dias é que estou
a ficar cada vez mais pírulas e, por isso,
imploro-vos dicas, para além da minha
rotina, que - grosso modo - gira em torno do
seguinte teletrabalho:
13h00 – 02h00:
Acompanhar na tv os noticiários que dão
conta de como o mundo anda às voltas com a
pandemia da Covid-19;
02h00 – 04h45:
Maratona de programas americanos idiotas
sobre adolescentes grávidas e jovens que são
surpreendidos pelos pais em farras e
festarolas tresloucadas;
04h45 – 07h00:
Emissões culinárias de todo o mundo, para
captar sugestões para os petiscos do dia;
07h00 – 13h00: Descansar os olhos e o
cérebro de tantas baboseiras.
Ocasionalmente,
circulo pela casa atrás de uma mosca ou um
mosquito que teve a infeliz (e derradeira)
ideia de entrar pela janela. Modéstia à
parte, estou-me a tornar um caçador
implacável, fruto da experiência que vou
adquirindo.
A nível cultural, e
assim de memória, já esgotei o repertório de
músicas do Zeca Afonso, dos Xutos &
Pontapés, do Marco Paulo, da Maria Leal e do
Salvador Sobral (entre tantos outros), ao
mesmo tempo que li de trás para a frente a
Encyclopædia Britannica e todas as obras do
Fernando Pessoa e seus heterónimos.
Também conto com alguma regularidade as
folhas dos rolos de papel higiénico que
consegui arrecadar antes do Grande
Açambarcamento, se bem que esta atividade
dure menos tempo a cada dia que passa,
devido à redução das unidades, pois das 435
iniciais sobram 396 no momento em que vos
escrevo.
Na vertente gastronómica,
estou-me a tornar um requintado ‘chef’ no
que toca à confeção de entaladinhos de todo
o género e até já sei estrelar ovos e fazer
gelo.
Em compensação, e para adiar o
máximo possível a obesidade galopante que me
vem incomodando há algum tempo, pratico –
religiosamente - 5 minutos diários de
exercícios de meditação na balança da Wii, o
que também me ajuda a manter alguma sanidade
mental e dá trabalho aos neurónios
sobreviventes… embora reconheça que os
efeitos comecem a ser algo duvidosos.
E
digo isto porquê? Porque vou gradualmente
manifestando certas atitudes excêntricas –
batizei todos os sofás da sala com apelidos
condizentes ao conforto que me proporcionam:
‘nuvenzinha’; ‘duro como a porra’; ‘pés de
fora’.
Outra atitude bizarra para
preencher o dia é telefonar para toda a
gente que consta na lista do meu telemóvel,
a ver se alguém atende e troca umas ideias
comigo. Curiosamente, já restabeleci
contacto com uns 4 ou 5 familiares e
conhecidos, dos quais não tinha notícias há
anos e anos.
Enfim, não fazer nada de
jeito é uma ciência e dá MUUUUITO trabalho.
Bastante mais poderia escrever, mas creio
que já entenderam o meu dilema.
Na
verdade, o tédio vai-me esgotando as ideias
e por isso recorro a todos vós, a ver se
contribuem com dicas que refresquem o meu
monótono quotidiano, até que vida regresse à
– suposta – normalidade...
Venham de lá
essas propostas!
2-04-2020
Coincidências pandémicas
Seria inevitável abordar esta escalada pandémica à escala global, conhecida por coronavírus ou covid-19. Quer queiramos quer não, vai-nos afetar a todos e a única dúvida que resta é saber até que ponto.
Conheço pessoas que, no preciso momento em que escrevo estas apressadas linhas, estão esvaziando avidamente as prateleiras dos supermercados, prevenindo a eventual carestia de produtos básicos, sobretudo alimentares.
Há mesmo aqueles que preparam planos de contingência para toda a família, reforçando o armário farmacêutico lá de casa com toda a sorte de medicamentos antigripais e afins.
Outros fazem contas de sumir, procurando antecipar os cenários mais negros para os seus negócios e/ou poupanças, face às expetativas de uma recessão económica com grande amplitude.
E também sei dos que cancelaram ou adiaram ‘sine die’ as suas viagens de férias, salvaguardando-se de hipotéticas contaminações fora de portas.
E é aqui que pretendo chegar nesta despretensiosa crónica.
O Algarve, esta nossa região tão dependente da monocultura do turismo e na qual o setor da saúde tem sofrido um inqualificável desinvestimento por parte do Poder Central, vai sentir a todos os níveis, de barlavento a sotavento, os efeitos deste devastador fenómeno, cujas ondas de choque se propagarão – fatalmente – por tempo indeterminado.
Na melhor das hipóteses, a temporada turística de 2020 ficará seriamente comprometida, pois o cancelamento de reservas começa a ser comum, sobretudo à medida que as unidades hoteleiras que fecharam na chamada ‘época baixa’ começam a reabrir portas.
E escrevo isto ciente de vários casos em que a retoma de atividade está sendo sinónimo da anulação de serviços previamente contratualizados.
Receio que estes dados se avolumem nas próximas semanas e que a época pascal, habitualmente encarada como o ponto de partida para a temporada turística, já reflita uma acentuada quebra de clientes… e receitas.
Ironia da História, ou talvez não, há exatamente cem anos o mundo estava a braços com a mãe de todas as pandemias, causada pelo vírus influenza e popularmente conhecida entre nós como Gripe Espanhola ou Pneumónica. O vírus mais mortal de que há memória ceifou mais de 50 milhões de vidas, numa época em que o conceito de viajar ainda era insípido.
Salvo as devidas proporções, há coincidências levadas da brec
28-02-2020
Descentralizar ou lavar as mãos?
Teve
lugar há dias uma reunião entre membros do
Governo e os autarcas algarvios, para
falarem sobre o processo da descentralização
que se avizinha e que – tudo o indica –
agora é que vai ser.
Trocaram-se ideias, fizeram-se balanços,
traçaram-se cenários e colocaram-se na mesa
as necessidades que os nossos representantes
concelhios entendem deverão ser acauteladas
para que a coisa avance mesmo e não faça
mossas aos erários municipais, muitos deles
parcos e que mal dão para pagar as despesas
correntes.
A ideia
que encorpa a medida até parece ser porreira
e tal, isto é, o poder local passará a ter
ferramentas para acudir no imediato, sem
pedir licença prévia à capital, a questões
prementes em áreas tão importantes para a
nossa qualidade de vida como são a saúde ou
a educação, as vias de comunicação ou o
património devoluto.
A
dúvida que me assalta é se este
trabalho colaborativo e de proximidade entre
o Estado Central e o Poder Local, agora
iniciado, será um justo esgrimir de posições
e um sensato leque de consensos, ou se não
passará da mera passagem de batatas quentes
de uns para os outros, numa cínica lavagem
de mãos à moda de Pilatos.
São
inquestionáveis os desafios colocados pelo
processo descentralizador, tendo em vista a
transferência de competências. Por isso
mesmo, no final do encontro de trabalho os
edis algarvios expressaram compreensíveis
dúvidas, receando que o processo não venha a
sobrecarregar os orçamentos de cada
município, até porque existem diferentes
possibilidades financeiras, diferentes
dificuldades e diferentes velocidades na
implantação do mesmo.
É que há
muitas portarias para rever e corrigir e
inúmeras medidas a tomar, no sentido de se
agilizar essa bendita descentralização,
criando as condições financeiras,
operacionais, de recursos humanos e
materiais que permitam - já no próximo ano -
a assunção plena pelos Municípios de todas
as novas competências que o Estado lhes
pretende impingir.
31-01-2020
Míngua de Água
Depois das espalhafatosamente consumistas boas vindas ao Ano Novo, nas quais explodiram no ar milhões de euros em foguetórios e afins, eis que tudo volta à rotina de todos os dias, que neste bissexto 2020 serão 366. A vida regressa à “normalidade” para mais um período temporal de 12 meses, o qual só se deveria iniciar em março, caso o ser humano respeitasse o ciclo da Natureza, como era suposto.
Contudo – bem o sabemos – Homem e Ambiente andam de candeias às avessas, muito por culpa do primeiro, que usa e abusa do segundo a seu bel-prazer. Receio que até às últimas consequências.
Vem isto a propósito das perspetivas para a região algarvia ao longo do ano agora iniciado, que deverá agravar o estado de seca severa, caso as desoladoras previsões climatéricas para os próximos meses se confirmem.
Escassas reservas de água nas barragens, capacidade limitada de retenção de humidade em solos bastante fustigados pelos incêndios dos últimos anos, inexorável processo de desertificação, aquecimento global das temperaturas… Enfim, o cenário não se me afigura nada promissor, muito pelo contrário.
Entretanto, janeiro mal começou, o que me leva a acreditar que os ditos responsáveis pelas entidades ditas competentes estejam desde já a estudar planos de contingência, a salvaguardar eventuais constrangimentos, a garantir a qualidade de vida possível para residentes e visitantes.
...Sou um incorrigível otimista, eu…!
02-01-2020
Malfadada macrocefalia
Parece que a partir do próximo ano o Algarve – através do Porto de Cruzeiros de Portimão – deixará de se ligar por ferry ao Funchal, muito por força da malfadada macrocefalia, que tanto continuar a prejudicar este país no seu todo.
E se pensam que a carreira marítima entre a região e a pérola do Atlântico é coisa de somenos importância, atentem neste dado: nas viagens realizadas em 2018 foram contabilizados 10.424 passageiros e 2.300 veículos automóveis transportados.
Infelizmente, este raro exemplo de descentralização tem os dias contados, pois tudo indica que a partir de 2020 o armador espanhol Naviera Armas vai iniciar as suas operações a partir de Lisboa.
De resto, o porto da capital desta república irremediavelmente centralizadora já está a criar condições para açambarcar a carreira, que passa pelas Ilhas Canárias.
O Governo avaliou a sustentabilidade financeira da ligação, nomeadamente ao nível dos subsídios que a suportam, dando ouvidos às vozes insulares que têm manifestado preferência pela opção lisboeta, em detrimento de uma cidade algarvia – Portimão – cujos interesses, na verdade, sempre foram bastante desacompanhados neste processo.
Para piorar o cenário, deixaram-se cair os prazos para a intervenção na melhoria das condições de acessibilidade e infraestruturas marítimas do porto de cruzeiros portimonense, cujas obras deveriam arrancar este ano.
O que temos, então, perante nós? Nada mais que outro exemplo de investimento público anunciado para a região e que tarda em ser concretizado, não obstante o enorme potencial económico deste porto de cruzeiros, ancoradouro privilegiado de e para o Mediterrâneo.
O adiamento das obras e a perspetiva do desvio da rota Funchal-Continente para Lisboa, são tudo indicadores negativos, que não abonam a favor da sustentabilidade económica e social da região.
Pergunto eu: alguém por cá anda genuinamente preocupado com estes cenários? As sinergias locais unem forças e sintonizam baterias? Estão a ser dados passos para inverter a situação e fazer valer os argumentos de Portimão e do Algarve?
Tudo perguntas de retórica, pois o poder influenciador é praticamente nulo e lobby regional é coisa que o Algarve continua a não ter… e provavelmente nunca terá. Nesta ou em qualquer outra situação.
30-11-2019
Falência com estrondo
Fernando Vieira
A estrondosa falência do operador turístico britânico Thomas Cook, que há algumas semanas deixou meio mundo em estado de choque e a outra metade a fazer contas de sumir, nomeadamente algumas empresas do setor na região algarvia, fez-me recordar como esta indústria – de uma enorme importância para as economias regional e nacional – é tão instável e precária.
A bancarrota de uma entidade com 178 anos de atividade implica dívidas de valor muito elevado a algumas dezenas de credores, o que representa um impacto assinalável – principalmente – nas empresas de pequena e média dimensão.
Não quero dissecar o infeliz encerramento de portas de um autêntico monstro como era a Thomas Cook, detentora de mais de cem aviões e 200 hotéis. Escuso-me dissertar sobre o que aconteceu e o que era para ter acontecido, se houve ou não houve boa gestão de ativos e passivos.
O que me traz aqui é outra vertente da questão, que considero bem mais preocupante, pois muito provavelmente afetará a vida dos milhares e milhares que trabalham no e para o setor turístico.
Já não bastava o fenómeno da sazonalidade, que deixa a região de portas semifechadas de outubro a março, surge agora este gravíssimo rombo na contabilidade de algumas das maiores empresas do ramo, o que certamente terá repercussões na sua balança de pagamentos, nos seus projetos de negócio e, portanto, na sua capacidade empregadora.
Há anos e anos que leio e ouço ajuizados pensadores, teóricos da economia, sociólogos bem documentados e demais estudiosos alertando para este problema, pois hoje em dia a nossa bela região está a ser toda espremida, turisticamente falando, e nenhuma outra atividade industrial ou produto financeiro se afigura como alternativo. Acresce ainda o facto de o Algarve não ter qualquer peso político, apesar deste ser o primeiro destino turístico do país, representar 40 por das dormidas registadas em Portugal, e ter um contributo económico fortíssimo para os cofres do país.
Creio que a única forma de se combater a famigerada sazonalidade é atrair a fatia de mercado mais disponível para fazer férias “fora de horas”, que prefere pausas longas e que tem mais rendimento disponível para gastar: os chamados ‘seniores’.
Que quem de direito se debruce sobre esta dica, pois não paga mais por isso.
Invasão brasuca
Fernando Vieira
É provável que tenham reparado no vosso dia-a-dia o aumento do Português com sotaque brasileiro, sobretudo nas filas dos supermercados.
Na verdade, há um forte surto de brasileiros, que na sua esmagadora maioria aqui procuram melhor qualidade de vida, nomeadamente em termos de segurança, saúde e educação.
Este fenómeno não é novo, pois há cerca de 20 anos o Algarve recebeu milhares de brasileiros, que por cá foram ficando até à eclosão da crise económica e social de 2008.
Mas esta onda de migrantes é claramente diferenciada da primeira, a qual estava nitidamente impreparada, e é estimulada por políticas governamentais, cuja lógica se prende com o envelhecimento da população portuguesa e a necessidade de sangue novo na sociedade local.
Os brasileiros de hoje estão, em grande medida, melhor preparados. Fizeram um planeamento tão aprofundado quanto possível, organizaram um pé-de-meia razoável para enfrentar os primeiros meses de procura de residência e trabalho e têm uma noção mais aproximada do que os espera.
No entanto, e por aquilo que vou percebendo em conversas com esses emigrantes, desconhecem praticamente a nossa cultura e julgam encontrar cá, apenas e só, um Brasil melhorado.
É que o brasileiro continua a ter dos portugueses uma imagem tacanha, resultado de décadas de anedotas de gosto duvidoso e totalmente descontextualizadas da realidade. Muitos acreditam que as portuguesas têm buços descomunais e que os portugueses são todos padeiros carrancudos. No imaginário do Brasil, o português diz a cada instante “Ora pois!”, por tudo e por nada.
Além disso, têm uma inesperada dificuldade em entender o genuíno português,… que eles alteraram, talvez com demasiada criatividade, no último século.
São anos e anos de costas ostensivamente voltadas para o país colonizador, desprezado em favor das grandes nações do momento, seja os Estados Unidos, seja a Inglaterra, a França ou até mesmo a Espanha.
Cá chegados, é a surpresa total, o deslumbramento indisfarçado: afinal o decrépito Portugal é um país moderno e muito organizado, os transportes públicos funcionam, as escolas estão bem apetrechadas, o Serviço Nacional de Saúde é um mimo, o país é lindo e, pasme-se, os portugueses são extremamente bem-educados e atenciosos. A segurança pública é das melhores do mundo, podendo o brasileiro andar à vontade com o seu celular a qualquer hora do dia ou da noite e fazer transações monetárias nas caixas multibanco a céu aberto, sem nenhum risco de assalto.
Mas, qual será o futuro imediato desta onda brasuca que nos escolheu para refazer as suas vidas, logo numa altura do ano em que a principal indústria empregadora, o turismo, tem uma elevada percentagem de empreendimentos fechados?
Haverá alojamentos, a preços justos, para tanta gente? E empregos?
Como serão os próximos meses desta gente, em muitos casos famílias com crianças de tenra idade?
Maré de E.coli
Fernando Vieira
Há dias, foi destaque noticioso de nível nacional a interdição de banhos na Praia do Alemão, ou mais corretamente na Praia do Barranco das Canas, no concelho de Portimão, devido à elevada presença da bactéria E.coli na água do mar.
A bactéria deu positivo na análise de uma amostra recolhida pela Agência Portuguesa do Ambiente, o que levou ao hastear da bandeira vermelha durante dois dias, salvaguardando-se assim o risco de os banhistas serem afetados por sintomas deveras constrangedores, como ataques incontroláveis de cólicas abdominais, enjoos e diarreias, muitas diarreias.
Dizem as más línguas que o problema se ficou a dever a uma descarga de dejetos sanitários no oceano, por obra e graça do proprietário de uma embarcação turística, vulgo iate, ancorada à vista da praia.
Em escassas semanas, este foi o segundo caso de presença da bactéria E.coli na costa algarvia, depois de uma situação idêntica verificada na Praia de Faro, e em ambos os casos a situação justificou grande alarido na comunicação social, que não perde uma oportunidade para falar do Algarve, geralmente pelos piores motivos, ignorando tantas e tantas vezes as coisas boas que acontecem nesta região.
Sei que há valores máximos permitidos por lei relativos à bactéria 'Escherichia coli', vulgarmente conhecida por E.coli.
Também sei que a legislação impõe uma contraordenação e coima entre os 55 e os 250 euros aos banhistas que desrespeitarem a sinalização e se fizerem ao mar, para além de arcarem com os sintomas inerentes à ingestão massiva de coliformes fecais.
Desconheço é o tipo de castigo aplicável ao eventual prevaricador que se terá estado positivamente a borrifar para as consequências do seu irrefletido acto, ficando o mesmo por identificar e punir, para efeitos pedagógicos e moralização do setor.
Ignoro igualmente se são sancionados os turistas da classe javardo que conspurcam as praias com todo o tipo de dejetos, desvalorizando assim os nossos areais, do mais fino e puro que possa existir no planeta Terra, mas que nesta altura do ano se transformam em campos minados por beatas, garrafas, latas, sacos e demais materiais não biodegradáveis, onde abunda o terrível microplástico.
Certo é que, mais uma vez, a região andou nas bocas do mundo e não pelos melhores motivos, mas simplesmente porque algum turista dos altos mares se terá marimbado para as mais elementares normas de respeito pela saúde pública e, como tal, cá vai disto ó Evaristo.
Esse mediatismo sensacionalista que tanto prejudica a imagem da região, sempre em busca de uma boa-má notícia, podia ter sido originado por mais de duas alforrecas a dar à costa simultaneamente e no mesmo local ou por uma natural invasão de algas à beira-mar, tratadas da forma mais alarmista possível…. Afinal, desta vez tudo não passou de uma questão de… biomassa borda fora.