Musique-se
Paulo Cunha
Professor: “espécie” em extinção
- Partilhar 10/02/2023
Como de costume,
ao iniciar o segundo período, perguntei
às minhas turmas se o "Pai Natal" lhes
tinha oferecido alguma prenda com
características musicais e que pudesse
ajudar a enriquecer a sua aprendizagem
da Educação Musical. Não tendo sido
muitos os alunos que me referiram ter
recebido como oferta um instrumento
musical, os que tiveram esse privilégio
referiram estar muitos felizes, pois
assim já poderiam "fazer música".
Quando lhes perguntei se já tinham
escolhido um professor ou se já estavam
a frequentar aulas instrumentais,
invariavelmente, todos me deram a mesma
resposta: não precisavam, pois iriam ou
já estavam a aprender com os vídeos que
estão no youtube. Quando lhes questionei
quais eram então os professores que
tinham escolhido nessa plataforma
digital, responderam-me que não sabiam,
pois havia muita escolha e pouco lhes
interessava quem ensinava, desde que
fosse em português, mesmo do Brasil,
escolhiam o primeiro a aparecer.
Não tendo sido fácil “digerir“ tais
respostas, pois colocavam em causa a
identidade, a formação e a qualidade
pedagógica de quem tinha partilhado as
suas aulas com o mundo virtual,
mostrou-me também que não é um professor
no sentido literal do termo que os
atuais alunos procuram, mas sim um
qualquer utilitário “à borla” com o qual
aprendam ou tirem as suas dúvidas, tal
como uma qualquer bula para a toma de um
medicamento. Nada a comentar, muito
menos a fazer: o tempo tornou-nos nos
«Professores Kleenex»!
Por
experiência própria e por testemunhos
transmitidos por vários colegas
professores, tenho vindo a constatar que
grande parte dos nossos alunos acabam o
ano letivo sem saber os nossos nomes,
deixando de nos cumprimentar ou falar
logo que atingem os seus objetivos. Já
não necessitando dos seus antigos
mestres, descartam-nos como fazem com os
professores youtube. Literalmente,
desligam-nos!
Como dizem muitos
jovens: “Está tudo na internet!” É
verdade, atualmente, há por aí muita
gente a dizer com gáudio e orgulho ao
mundo que não foi preciso ter tido um
professor de música para viver da
música. Como resultado duma Educação
Musical insuficiente e deficiente é cada
vez mais difícil formar ouvintes e
apreciadores habilitados a separar,
musicalmente, o trigo do joio. É assim
que a mediania se tem vindo a tornar
bitola.
Para muitos basta
sonhar, pois, segundo eles, todos
nascemos artistas. Para esses tenho uma
boa notícia: os professores, a curto
prazo, serão substituídos por aulas
online, previamente gravadas para
consumo fast e direcionado.
Professores - essa “espécie” em extinção
que na música já está a ser substituída
pelo incaracterístico e impessoal robot
“Prof. Youtube”. Será que ainda não
tinham reparado?...
A nossa Orquestra
- Partilhar 08/02/2023
Não sendo eu
nenhum político nem desempenhando nenhum
cargo de poder ou de relevância
mediática, foi com surpresa, agrado e
gratidão que, pela primeira vez nas mais
de duas décadas da existência da
Orquestra do Algarve (atualmente, ainda,
Orquestra Clássica do Sul), fui
convidado pela sua direção para a
apresentação no Teatro das Figuras do
seu novo maestro titular.
Num
concerto realizado às 18h de um domingo
e com uma divulgação à altura da
grandiosidade e da importância do
evento, não foi de estranhar ver a
convidativa e aprazível sala de
espetáculos esgotada. Efetivamente, é
reconfortante e gratificante ver uma
sala cheia de público, seja qual for o
género de música.
Tendo tido à
entrada o privilégio e a satisfação de
receber as boas-vindas por parte do meu
amigo Rui Baeta (coordenador e
preparador vocal do Coro Comunitário da
Orquestra do Algarve), foi com enorme
agrado que registei a boa disposição,
concentração, empenho, entrega e
excelente prestação de todos os
elementos da orquestra no programa
interpretado.
Como acompanho o
maestro Martim Sousa Tavares há já algum
tempo, não constituiu surpresa a forma
segura e eloquente como apresentou o
programa, deixando, desde logo, algumas
pistas sobre as suas intenções para o
futuro da “nossa” Orquestra. Admirei
também a sua direção, personalizada e
eficaz, vincando e expressando a forma
como analisou as obras interpretadas.
Não tendo havido folhas de sala
disponíveis, mais uma vez constatei a
importância dos Concertos Promenade na
formação de públicos, pois através da
explicação do maestro é possível
aprender a entender, a apreciar e a
desfrutar as obras musicais
interpretadas, evitando assim
interrompê-las com efusivas palmas entre
andamentos.
Depois de mais de
uma hora muito bem passada, no meio de
um público composto por gente de todo o
Algarve, saí do concerto com a firme
crença que a Orquestra do Algarve trilha
um bom caminho. Tive oportunidade de
expressar essa convicção ao meu amigo
Emilian Petrov (violinista da orquestra)
quando o encontrei à saída e, ao
confidenciar-me estar feliz com o
desempenho da sua orquestra, lhe disse
augurar para esta verdadeira equipa
musical também conquistas fora de
portas.
Tendo como premissa que
a Orquestra do Algarve se deve
relacionar com o seu tempo, o seu espaço
e a sua comunidade e tendo como lema a
frase “Ver novas todas as coisas” (Santo
Inácio de Loyola), o novo maestro
delineia assim a linha condutora para os
anos que se avizinham. Parece-me, desde
logo, um projeto desafiante para todo o
Algarve. Possam e queiram todos os
intervenientes estar à altura de tal
desiderato!
Conhecendo a
dedicação, o espírito empreendedor, o
empenho e a criatividade que António
Branco, o presidente da Associação
Musical do Algarve (entidade que gere e
administra a Orquestra), coloca no que
faz, só posso vaticinar o melhor para
todos os que, como eu, veem e têm na
música um meio para viver mais e melhor.
Que assim seja!
Concertos ou espetáculos musicais?
- Partilhar 03/11/2022
Um destes
dias, tive a oportunidade de “ouver” num
cinema de Faro, transmitido com um
pequeno lapso de tempo de desfasamento,
um concerto da banda Coldplay num
estádio de Buenos Aires.
Confortavelmente sentado, numa sala
climatizada, sem gente aos gritos nem
aos saltos, tive a oportunidade de
apreciar um dos melhores espetáculos
visuais e sonoros que me foram dados,
até hoje, a assistir. Talvez porque
tivesse todas as condições para o fazer,
consegui observar ao pormenor como se
fideliza o público para este tipo de
espetáculos, onde a música poderia até
ser completamente gravada e os músicos,
assim, fazer playback total. Os
condimentos estavam lá todos, bastava
apenas desfrutá-los. Foi o caso!
Somando toda a parafernália tecnológica
de última geração à maestria e
profissionalismo como a banda geria uma
encenação cuidada ao mais ínfimo
pormenor, o tempo parecia não passar
pela quantidade de hits que
colocaram o estádio, profusa e
criativamente iluminado, a cantar e a
dançar. Não poderia haver melhor
adjetivação: espetacular! Aliás, de
outra coisa não se poderia esperar,
sendo aquele evento um grande espetáculo
musical e não apenas um concerto.
Logo que começaram a tocar,
vieram-me à mente os concertos do
Beatles em estádios com as bancadas
cheias, com fãs histéricos ao -
simplesmente - vê-los ao longe, num
pequeno palco montado num qualquer canto
das quatro linhas do campo relvado, com
amplificadores diminutos e iluminação
quase monocromática. Não havendo écrans,
os binóculos saciavam o reduzido som que
ecoava entre as bancadas. Imaginei o que
seriam, agora, os concertos que deram
nos anos sessenta. Será que, hoje,
seriam apenas concertos? Muito
provavelmente, não. A sua sublime música
seria, como com quase todas as
megabandas internacionais, embrulhada em
efeitos especiais que nos encantariam os
sentidos, mas, provavelmente, nos
afastariam da originalidade,
criatividade e interpretação que só
eles, enquanto coletivo musical,
conseguiam transmitir.
Parecendo
ter ouvido os meus pensamentos, já quase
a chegar ao fim do espetáculo musical,
querendo homenagear um tempo em que
ensaiavam num pequeno quarto e se
apresentavam em espaços reduzidos, o
grupo saiu do conceito “espetacular
espetáculo” e deslocou-se para um
pequeno e singelo palco, entre o
público, onde os quatro, virados uns
para os outros, relembraram um outro
tempo. Foi delicioso para os ouvidos,
pois a pureza e a essência da música
estavam lá. Quiseram mostrar ao mundo
que ainda não a perderam... e
conseguiram!
Integrando dois
agrupamentos musicais em que a
amplificação e a luminotecnia são
diminutas, o desempenho, a execução e o
rigor instrumental e vocal continuam a
ser os motivos que me levam ainda a
tocar em grupo. Por isso, aconselho os
meus alunos que façam silêncio enquanto
escutam música ao vivo, a não ser que os
músicos solicitem a participação do
público. Obviamente, compreendo que não
entendam a minha sugestão, pois, segundo
eles, a (sua) música é para ser “curtida
alta e em bom som”, acompanhada por
berros cantados, palmas e saltos. Não
tenho nada contra, pois sei que é este o
conceito de espetáculo musical, um
cocktail de estímulos onde a música
acaba para ser o principal chamariz para
provocar no consumidor as reações
desejadas.
Ambas as
manifestações musicais são válidas e
desejáveis. O importante é saber
distingui-las, enquadrá-las e não exigir
de quem vive da e para a música que cada
concerto seu se transforme num
espetáculo. Até porque a boa música é já
por si um espetáculo!
Música Tik Tok
- Partilhar 04/10/2022
Todos os
anos em que recebo na escola onde ensino
alunos que iniciam um novo ciclo de
escolaridade, solicito-lhes que
preencham uma ficha informativa onde
constam as suas preferências musicais
quanto aos tipos/géneros de música e
intérpretes/grupos musicais.
Naturalmente, ano após ano, as respostas
vão variando consoante as predileções e
as músicas que estão então na moda. Nada
que me surpreenda!
Ora, uma das
vantagens de ser professor de Educação
Musical é poder estar constantemente a
“medir o pulso” às novas tendências
musicais que as novas gerações vão
abraçando e tomando como suas. Tenho
vindo a descobrir que, cada vez mais, os
alunos não conhecem intérpretes nem
géneros musicais. Hoje, numa turma de
5.º ano de escolaridade, ao perguntar
que música ouviam os seus pais, grande
parte dos alunos respondeu que não sabe
ou que os seus pais não escutam música
(o que duvido). Responderam-me também,
maioritariamente, que usam apenas o
telemóvel como fonte sonora.
Ao
responderem “Eu ovo determinada música”,
percebo que muitos jovens nunca
conjugaram o verbo ouvir, pois jamais
alguém lhes terá perguntado o que eu
questiono. Confesso que me tenho
surpreendido com as respostas redutoras
com que alguns jovens, entre os dez e os
doze anos, me respondem: “A minha música
preferida é da Rádio Comercial!” ou,
mais atualmente, “Só oiço e conheço as
músicas que dão no Tik Tok”.
Ao
comentar e perguntar aos meus alunos se
têm a noção que ao ouvirem a música duma
determinada estação de rádio, de tv ou
de uma rede social estão a deixar que
sejam os outros a escolher e a
condicionar o seu gosto musical, muitos
deles, sem sequer responder, só pela
expressão facial denotam que nunca terão
refletido ou pensado em tal questão. Por
analogia, de seguida, questiono se lhes
perguntar qual é a comida que mais
apreciam irão responder que é a de um
determinado restaurante. Obviamente,
respondem-me que não, pois num
restaurante existem muitos pratos na
lista e eles só escolhem o que mais
gostam. Naturalmente, percebem onde
quero chegar com a questão.
Pois…
tal como noutras áreas, desde tenra
idade temos já influencers
atentos às escolhas dos jovens
potenciais consumidores. Prontos a
condicionar e a decidir as preferências
daqueles que, pela ausência de
conhecimento, depositam nos outros o seu
gosto e, por consequência, muitos
“gostos”. Sabendo que assim é, as
multinacionais ligadas à produção
musical não olham a esforços e meios
para usar as redes sociais, youtube
e rádios privadas para
manietar, condicionar e assim
estandardizar o gosto por determinados
músicos que, a prazo, servirão os
interesses das mesmas.
Para além
do pouco que aprendem nas aulas de
Educação Musical, é vital que a família
desempenhe o importante e insubstituível
papel na formação musical das novas
gerações, sob pena de, a curto prazo,
enfermarmos de iliteracia musical.
Porque tal como noutras áreas da
cultura, nada é pior do que imaginar que
os vindouros serão desprovidos dos
conhecimentos que lhes permitirão ter
sentido crítico, analítico e estético,
inviabilizando-lhes assim a capacidade
de formular opiniões sustentadas e
justificadas sobre o que musicalmente
produzirão e consumirão.
Não consegui bilhete!
- Partilhar 01/09/2022
Face às
contingências e consequências da guerra
que ora decorre na Ucrânia e tendo em
conta a crise financeira que se promete
instalar nos lares de muitas famílias
portuguesas, muitos questionam-se como é
que duzentos mil portugueses, cinquenta
mil por dia (números veiculados pela
promotora Everything is New),
marcarão presença nos espetáculos em
Portugal da digressão Music of the
Spheres da banda britânica
Coldplay em maio do ano que vem.
Num ápice esgotaram-se os quatro
concertos (17, 18, 20 e 21 de maio de
2023) que foram, sábia e
estrategicamente, anunciados hora após
hora para o Estádio “Cidade de Coimbra”.
Segundo declarações da presidente
executiva da plataforma de venda de
bilhetes Ticketline, nunca houve
tanta gente a querer marcar presença num
espetáculo em solo português. Apesar da
venda de bilhetes ter estado limitada a
seis unidades por pessoa com o propósito
de evitar “açambarcamentos”, o mercado
paralelo continua a ter ingressos à
venda por preços astronómicos (seis
vezes mais caros).
Convém
recordar que os preços dos bilhetes não
eram propriamente acessíveis (entre os
85€ e os 500€). O que terá então levado
tanta gente a pernoitar à porta das
bilheteiras físicas, a permanecer horas
a fio em filas intermináveis e fazer com
que os sites virtuais de venda
autorizada (portugueses, espanhóis e
ingleses) deixassem de funcionar, devido
ao anómalo registo para aquisição de
bilhetes? Obviamente, são múltiplos
fatores. Somados, resultaram nesta
histeria coletiva que se tornou um marco
para a indústria musical portuguesa.
Se já antes os promotores/produtores
tinham como dado adquirido o ganho no
investimento em espetáculos integrados
em megadigressões mundiais das estrelas
da indústria discográfica e
videográfica, imaginem o que será o
futuro. Bilhetes vendidos a quase um
ano de distância dos concertos renderão
muito em juros, e eles sabem-no. Os
músicos, esses receberão apenas o
acordado entre as partes. Afinal de
contas, tudo se resume à compra e venda
de um produto. Neste caso, um espetáculo
onde a música também faz parte do
“pacote” (três palcos, êxitos
estrondosos, versões inesperadas, écrans
com efeitos especiais, pirotecnia e,
obviamente, o público transformado num
coro eufórico).
Sendo conhecedor
e apreciador da banda, coloco,
naturalmente, a sua qualidade musical
como o principal fator para a procura
desenfreada de bilhetes em todos os
continentes onde a sua digressão
passará. São também fatores a ter em
conta o facto de ser uma banda com um
grande e consistente percurso temporal,
assente numa quantidade assinalável de
êxitos; usufruírem duma excelente,
funcional e bem orquestrada campanha de
marketing da sua editora discográfica;
em virtude da pandemia, pelo facto de
termos estado impedidos de vivenciar a
música tocada e interpretada ao vivo,
terem meio mundo a querer “ouvê-los”; o
desejo de usarmos os seus concertos como
forma de descompressão, catarse e
revivalismo; podermos apreciar, ao vivo
e em família, a encenação e
espetacularidade dos seus concertos;
podermos ter os seus concertos no
currículo enquanto consumidores e fãs da
sua música.
Gostaria que, a
reboque e como consequência desta
situação inusitada no nosso país, os
portugueses tenham, doravante, o mesmo
ensejo de encher todos os tipos de
salas, auditórios, pavilhões e estádios
para desfrutar do que tantos e bons
músicos lhes têm para oferecer.
Experimentem partilhar e comungar o
vosso gosto pela boa música com aqueles
que através da música tornam os nossos
dias melhores e, por certo, sentirão o
bem-estar que a música proporciona. Eu
tento fazer a minha parte!
A educação musical através da TV
- Partilhar 01/08/2022
Sempre que
ligo a TV e, no período da manhã e da
tarde, passo pelos vários canais
generalistas, surpreendo-me
constantemente com a quantidade de novos
intérpretes de música apelidada de pimba
que despontam nos vários programas de
entretenimento.
Sendo Portugal um
país, geograficamente, pequeno, tem na
sua população mais velha e proveniente
do interior, um público fiel e
entusiasta para este género musical com
raízes musicais na música tradicional e
popular portuguesa, onde a letra tem um
papel preponderante na aceitação da
mesma.
Com uma harmonização pouco
variada e uma estrutura rítmica assente
num compasso binário simples, a
principal aposta e estratégia dos muitos
intérpretes que pululam pelos arraiais,
festas e feiras que fazem as delícias de
muitos que cá vivem todo o ano e dos que
apenas retornam às suas raízes no verão
é o recurso aos trocadilhos jocosos e
satíricos, acompanhados por coreografias
bem torneadas.
Sendo uma
companhia para as donas de casa e para
os reformados, os programas que dão
palco aos muitos intérpretes e grupos
musicais que repetem até à exaustão a
mesma fórmula desta música de
assimilação fácil e imediata, acabam por
ter um efeito replicador nos mais
jovens, enquanto ouvintes e intérpretes.
Embora muitos jovens já não elejam a
TV como plataforma para aceder aos
conteúdos pretendidos e preferidos, a
mesma continua ainda a ter influência na
sua educação musical. Faria, pois, todo
o sentido que as respetivas direções de
programas dos vários canais generalistas
em sinal aberto colocassem também na
programação matutina e vespertina muitos
dos jovens músicos que por este país
fora dão os seus primeiros passos em
vários géneros musicais. Seria uma forma
de os promover, dando espaço e
visibilidade a outras músicas e, ao
mesmo tempo, captaria para a TV a
geração Youtube.
Sei que os
interesses económicos e financeiros
falam mais alto no que toca à gestão da
carteira de anunciantes e patrocinadores
por parte dos vários canais privados e
públicos, copiando-se, duma forma
concorrencial, na oferta de conteúdos.
Mas sei também que é na inovação e na
coragem de arriscar que, pela diferença,
se conquistam e fidelizam novos
públicos.
Já é mais do que a
altura de ligarmos a TV e, nos horários
convencionados como de entretenimento,
começarmos a ouver algo mais do
que música estilizada e composta ao
minuto. Temos, enquanto país rico em
diversidade cultural, muito mais para
divulgar do que a mesma receita servida
há tantos anos.
Como poderemos
nós apreciar o que não conhecemos?
Entretanto, o tempo vai passando e os
gostos não mudam nem evoluem. Estaremos
assim condenados a ser vistos lá fora,
apenas como o país do fado e da música
pimba? Espero que não, a bem da atual e
das futuras gerações. Porque todos os
meios são úteis e necessários para
educar um povo.
Os desafinados também têm coração
- Partilhar 01/07/2022
Tendo em
conta a reduzida carga horária semanal
da disciplina que ministro, ao longo da
minha carreira docente aprendi que para
me sentir recompensado já me chega que,
no final do 2º ciclo, os alunos cantem
afinado os “Parabéns a Você” e o “Hino
Nacional”. Sendo duas canções que irão
cantar várias vezes pela sua vida fora
em contexto de celebração, serão
obviamente escrutinados e avaliados pelo
seu desempenho interpretativo, tendo
especial enfoque na afinação.
Sendo a afinação musical um conceito
concreto, definível e avaliável, pode
também ser relativizado em função do
contexto em que é escutada e sentida.
Basta enquadrá-la em culturas musicais
diferentes, em ocasiões festivas, em
interpretações mais pessoais e até em
afinações desadequadas ao registo vocal
do intérprete.
Há uns anos,
lembro-me que, em tom de brincadeira, um
colega meu de lides musicais espalhava
aos quatro ventos que a “Afinação é um
conceito pequeno-burguês!” Percebo a
intenção do mesmo ao fazê-lo, mas não
posso deixar de registar que, em
contexto social, a desafinação acaba por
ter um efeito diferenciador e, de certa
forma, negativo, levando assim os
pretensos desafinados a sentir a
vergonha e receio de cantar em público.
Tal como outros aspetos
característicos e identitários de cada
um, que não consideramos serem os
melhores, a afinação não deve ser
avaliada publicamente, sob pena de,
perante o estigma e trauma que tal
avaliação poderá causar, impedir-nos de
trabalhá-la e corrigi-la
convenientemente. Aliás, basta pensar na
quantidade de amigos nossos que se
retraem e se inibem de cantar em público
para imaginar qual será a possível
causa.
Tomando o “Hino Nacional”
e os “Parabéns a Você” como referência,
como ambas têm uma extensão melódica que
exige alguns saltos melódicos
(intervalos) entre as notas mais graves
e as mais agudas, é importante
salvaguardar a tonalidade em que devemos
cantar, adaptando assim a afinação da
música ao cantor e não o contrário. Só
isso fará uma grande diferença.
Tal como os instrumentos que se afinam
antes de serem tocados, também a nossa
voz, poderoso instrumento, deverá ser
afinada ao longo do seu crescimento e
amadurecimento. Para tal, aconselho a
audição ativa da música, acompanhando-a
com uma interpretação vocal desprendida,
descomplexada e prazenteira.
Quem
sente a música como uma dádiva da vida
não se deve autopenalizar por alguém lhe
ter dito que é desafinado. Porque cantar
é natural, é bom e faz bem, cantemos a
uma só voz: “Se você disser que eu
desafino, amor / Saiba que isto em mim
provoca imensa dor / Só privilegiados
têm ouvido igual ao seu / Eu possuo
apenas o que Deus me deu (…)”.
Músicos sem Classe
- Partilhar 31/05/2022
Sempre que
escrevo algo sobre músicos,
invariavelmente, alguém ligado à música
comenta: “Há músicos e músicos!” ou “O
que é afinal um músico?”. Na minha
modesta opinião, tal como noutras
profissões, um músico é alguém que tem
características intrínsecas e aptidões
naturais para a função (compor, criar,
interpretar e executar música), alguém
que continua a estudar, a aprender e a
praticar os vastos mecanismos que tornam
a música (como um todo) como uma das
mais atraentes vertentes artísticas e,
finalmente, alguém que exerce a
profissão.
É comum alguém, a quem
disseram que tem jeito para a música,
convencer-se que basta comprar um
instrumento ou usar a sua voz, a solo ou
em conjunto, para se transformar num
músico. Só será um verdadeiro aspirante
a músico todo aquele que, para além de
trabalhar para que tal aconteça, tenha a
humildade e o pudor suficientes para não
usurpar as tábuas dos palcos destinados
a quem, por direito próprio, fez por
merecer o reconhecimento dos seus pares
e do público.
Sendo a música
uma área onde a oferta é grande,
consequentemente, a concorrência entre
pares será também grande, daí o
provérbio popular “Só quem tem unhas é
que toca guitarra”. O mercado, esse
exigente e feroz júri, será o primeiro a
escolher quem conseguirá singrar como
músico e viver somente da profissão.
Sendo assim, seria natural que os
músicos se unissem e, manifestando
espírito de classe, se apoiassem mais,
sem olhar a proveniências nem a géneros
musicais. Mas quem observa com a devida
atenção o fenómeno musical em Portugal
já terá reparado que os músicos só se
unem para pedir e não para criar
infraestruturas sólidas e duradouras que
lhes permitam salvaguardar, com classe,
a sua Classe.
Custa-me admiti-lo
publicamente, mas os piores inimigos dos
músicos são eles próprios. Erguendo
muros em torno dos géneros musicais que
dominam, impedem a livre e desejável
troca e debate de ideias entre pares e,
consequentemente, a união enquanto
Classe. Porque uma Classe só existe
quando se assume como tal na defesa dos
seus direitos!
Usando os mesmos
doze sons empregados na música
ocidental, muitos músicos e respetivos
ouvintes radicalizam os seus gostos
musicais em função da alegada
superioridade da sua música em
detrimento das outras. Como se o saber
ler uma pauta musical, interpretar
cifras ou tocar de memória fossem
condições únicas, suficientes e
necessárias para classificar e
hierarquizar um músico. Será o número de
notas musicais, ritmos, texturas,
timbres e acordes usados num género
musical a condição necessária para o
tornar mais importante do que outro?
Infelizmente, há quem o ache.
Felizmente, há apreciadores de música,
onde me incluo, que acham que não. A
música basta-se!
“Uaaau… é mais fixe cantar sem máscara!”
- Partilhar 01/05/2022
Depois de
um longo período de obrigatoriedade de
usar máscara, como forma de reduzir as
hipóteses de disseminar o coronavírus
SARS-COV-2, foi decretado, recentemente,
o fim do seu uso obrigatório. Para quem,
num período de crescimento, esteve quase
dois anos privado de conviver com as
expressões faciais dos colegas, em boa
hora tal aconteceu. Finalmente, antes de
acabar o terceiro período, muitos alunos
estão a ter oportunidade de conhecer os
companheiros e, principalmente, os
professores.
Tem sido
interessante reparar e apreciar as
expressões dos alunos ao entrarem na
sala de aula e, já sentados, fixarem
atentamente os seus olhares em mim, tal
como se estivessem na primeira aula.
Alguns, alunos há dois anos, a terminar
o ciclo de escolaridade estão -
finalmente - a apresentar-se totalmente
“ao vivo e a cores”.
Tendo
privilegiado a voz como o instrumento
escolhido para praticar e exercitar os
diversos conteúdos explorados em
Educação Musical, não tendo sido por
isso necessário os alunos terem de
retirar as máscaras, tivemos, todos, de
nos habituar a cantar menos tempo, a
cantar um pouco mais forte, a aprender a
inspirar e expirar com mais frequência e
a habituarmo-nos à consequente alteração
tímbrica.
Para além das
expressões faciais que o canto necessita
e provoca, ouvir a sua voz e,
principalmente, a dos seus colegas,
desta feita já não mascarada, tem sido
para a generalidade dos alunos um
momento em que vários sentimentos e
reações se misturam. Alguns sentem
alguma vergonha por finalmente ouvirem e
sentirem os seus timbres vocais
desnudados; outros riem-se ao verem as
expressões faciais dos colegas enquanto
cantam; outros colocam a máscara para
cantar; outros retraem-se e cantam numa
intensidade menor do que a pretendida;
outros, ao descobrirem a clareza e a
expressividade nas suas vozes, ainda
cantam com mais pujança e alegria.
É um facto, cantar é um ato natural
que proporciona prazer a quem o pratica
e, quase sempre, a quem o escuta.
Felizmente, a um período de terminar o
ano letivo, os alunos que usam a sua voz
como instrumento irão desfrutar do
prazer de descobrir e apreciar na sua
plenitude o instrumento mais acessível
que existe – a voz. Sem máscaras que a
amordacem, todos poderão gratuitamente,
em qualquer local, em qualquer altura e
com qualquer idade, experimentar o seu
timbre vocal. Enfim, citando um aluno
“Yesss, cantar é fixe!” Subscrevo, mas
sem máscara!
Música para entreter
- Partilhar 01/04/2022
A quem me
pergunta se é aconselhável juntar vários
prazeres num só momento, obviamente,
respondo que sim, tal o desfrute
proporcionado. Acompanhar uma boa
refeição com uma boa música gravada não
me repugna, antes pelo contrário. Tenho
é dificuldade em assistir,
reiteradamente, ao uso indevido e
inapropriado do trabalho interpretativo
e criativo de bons músicos em situações
recreativas, onde o seu trabalho é
travestido em “música de
entretenimento”. Se querem proporcionar
entretenimento, comprem um cd,
reproduzam-no e paguem os devidos
direitos de autor. O efeito será o mesmo
para os ouvintes.
Todo sabemos
que existem determinados contextos
sociais, de animação e festivos, em que
a música deve ter um papel impulsionador
da dança, do karaoke, do canto e da boa
disposição. Os músicos que a tocam
sabem-no e quando vendem os seus
serviços sabem ao que vão. Ninguém
engana ninguém!
Não basta
contratar um músico e pagar-lhe a
remuneração após o “serviço” realizado
para esperar que o mesmo se sinta
devidamente compensado e reconhecido, ao
perceber que equipararam o seu trabalho
e a sua arte a um reprodutor de cd ou
mp3. Isso acontece frequentemente
quando, em determinados espaços de
diversão e de lazer, os seus
proprietários teimam em apresentar
música ao vivo apenas como chamariz e
adorno, não lhe dando o devido destaque,
projeção e enquadramento.
Para
além das notas que colocam a comida no
prato, os músicos necessitam também que
as notas que interpretam ao vivo sejam
devidamente ouvidas, acompanhadas,
participadas e apreciadas. Receber as
merecidas palmas no final de cada
interpretação dar-lhes-á, por certo,
alento e ânimo para continuar a tocar.
Recordo-me duma receção de um
Congresso de Biologia Marinha realizado
em Florianópolis, em que a organização
contratou um grupo de músicos para tocar
enquanto a mesma decorria. Enquanto os
participantes, de várias nacionalidades,
bebiam, comiam e confraternizavam, eu
apreciava a excelência e a qualidade da
música que então se ouvia. Sendo dos
poucos que lhes batiam palmas, começaram
literalmente a tocar para mim. No final,
ao lhes agradecer e dar-lhes os
parabéns, perguntei-lhes qual era o nome
do agrupamento, ao que me responderam
serem músicos da Orquestra Sinfónica de
Santa Catarina. Percebendo que era
português, todos me abraçaram,
agradecendo o interesse e a atenção que
por eles manifestei. Ainda hoje guardo
os seus contactos.
Sei que os
músicos profissionais não se alimentam
de notas musicais, mas também sei que a
sua maior retribuição é a atenção que os
ouvintes lhes prestam. Não consigo
entender como se convidam e contratam
músicos para eventos onde a música é
menosprezada e secundarizada e os seus
intervenientes apenas desempenham papéis
decorativos e de mero adorno. Imaginem
convidarem-vos para darem uma palestra
sobre a vossa profissão para comensais
que, falando, rindo, comendo e bebendo,
não vos prestam a mínima atenção.
Gostariam? Os músicos também não!
O hino nacional como arma
- Partilhar 01/03/2022
A Ucrânia
não pereceu, nem a sua glória e a sua
liberdade,
O destino voltará a
sorrir, jovens irmãos.
Desaparecerão
nossos inimigos como orvalho ao sol
E
governaremos, irmãos, o nosso país.
Lutaremos de corpo e alma pela nossa
liberdade
E mostraremos, irmãos, que
somos uma nação de cossacos.
(O hino
nacional ucraniano é um poema de Pavlo
Chubinsky [Павло Чубинський], de 1863.
Foi musicado pelo padre Mykhailo
Verbitsky [Михайло Вербицький] e
publicado pela primeira vez em Lviv, em
1885. Tornou-se hino nacional em 1917,
com a proclamação do estado ucraniano.)
Não sendo especialmente apreciador
da forma como são musicalmente
estruturados os hinos nacionais,
compreendo que nas suas métricas
melódicas, estruturas harmónicas e,
principalmente, nas letras de pendor
patriótico resida um pouco da
solenidade, respeito e orgulho pela
história dos mesmos. É o caso do hino
nacional ucraniano.
É interessante a
forma como o hino nacional ucraniano foi
composto, pois, tal como no hino
português, através de uma perfeita
progressão harmónica/melódica, impele os
cantores para uma catarse sublimada na
letra onde a alma lutadora dos povos
está bem patente.
Não é, pois, de
estranhar ver, nas notícias, ucranianos
a cantar o seu hino nacional como forma
de desafio e afronta às tropas
invasoras, tal como incentivo e
motivação sempre que são atingidos pelos
ataques inimigos. São essas também
algumas das funções de um hino nacional:
catalisar e galvanizar o espírito
patriótico de um povo para a defesa da
sua liberdade e soberania.
No fim de
semana transato, emocionei-me ao ver a
forma como os muitos ucranianos a
residir em Portugal rasgaram o silêncio
imposto pelo pesar das mortes dos seus
conterrâneos, cantando a uma só voz o
seu hino nacional. Percebi que o hino
nacional é também uma arma. Uma arma
contra o isolamento, o esquecimento e a
diáspora.
Saibamos e queiramos
usá-los, os hinos de gente de boa
vontade!.
Esmolar música
- Partilhar 02/02/2022
Há cerca de
dez anos, num tempo em que achei que o
que escrevia seria útil e faria alguma
diferença, redigi o seguinte desabafo:
“A maioria dos músicos profissionais que
conheço contam-me que todos os dias
‘chovem’ convites para tocar
gratuitamente nos mais variados tipos de
eventos de beneficência e solidariedade.
Será que quem lhes fornece habitação,
alimentação, gás, água, eletricidade,
cuidados de saúde e a educação dos
filhos também está disposto a fazê-lo
gratuitamente em beneficência e
solidariedade para com esta classe
profissional tão depauperada? Fico
sempre com a sensação que os artistas
continuam a ser olhados e tratados como
os bobos da corte. Será impressão
minha?”
Volvida uma década, não
me passou a sensação/impressão que
motivou o então comentário público.
Antes pelo contrário! Com um interregno
de quase dois anos provocado pelas
medidas de combate à Covid-19, quem das
notas musicais tenta criar notas de euro
para adquirir o pão para a mesa vê-se na
pele de muitos que “fazem das tripas,
coração” para que lhes seja reconhecido
o trabalho e o mérito próprio e assim
lhes proporcionem trabalho.
A
criação, produção e interpretação
musical, fazendo parte dum trabalho
invisível realizado a solo ou em
pequenos grupos, não são quantificáveis,
qualificáveis nem mensuráveis. Fica
assim nas mãos dos produtores e
promotores (privados e públicos) dividir
e partilhar o seu apoio por quem bem
entendem, deixando de fora quem, por
qualquer razão, não lhes “caiu no goto”.
Maioritariamente, é nos centros
urbanos, locais onde a concorrência
pelas migalhas musicais disponíveis é
maior, que se registam fenómenos de
autêntico servilismo, bajulação e
reverência por parte de alguns músicos
aos programadores musicais da região. É
um “ver se te avias” para os músicos
tentarem conseguir manter-se à tona de
água, tal é a perspetiva de se afundarem
nas dívidas que a falta de trabalho lhes
traz.
Não deixa, por isso, de
ser angustiante e penoso presenciar
grandes criadores, produtores e
intérpretes musicais a sujeitarem-se e a
submeterem-se a um autêntico esmolar por
trabalho. Triste sina esta, a de
continuar a depender de quem tem o poder
de negar a quem trabalhou toda uma vida
a oportunidade de mostrar e partilhar a
sua arte! Mudam os tempos, mas não muda
a atitude de quem, geração após geração,
continua a encarar a música apenas como
mero entretenimento e veículo
promocional.
Música simples, mas eficaz
- Partilhar 03/01/2022
No período
que antecedeu este Natal, vi postado em
vários comentários nas redes sociais que
uma determinada música que acompanhava
um anúncio a uma marca de hipermercados
“não saía da cabeça”. Ora é esse o
propósito de um jingle musical!
Jingle é um termo inglês, cujo
significado refere-se à música composta
para promover uma marca ou um produto na
rádio, televisão ou plataformas
digitais. O jingle publicitário é criado
para cativar o público. Habitualmente
tem letras e melodias simples para que
sejam facilmente memorizadas e
inconscientemente recordadas por quem as
ouve. Os jingles são geralmente curtos,
quando muito chegam a um minuto de
duração.
Jingle é também o ato de
fazer algo tilintar ou soar. Por
exemplo, o tilintar das chaves seria
dito em inglês jingle of keys.
Esse tilintar muitas vezes é o som que
resulta do choque entre dois metais. O
jingle é frequentemente descrito como o
som de sinos, como está descrito na
famosa música Jingle Bells.
Seguindo o exemplo deste tipo de
composição comercial, para tornar uma
música “orelhuda”, muitos seguem a
premissa de aprender e/ou copiar o que,
com êxito, já foi feito. O primeiro
passo é conhecer bem o público a quem a
composição se destina, definindo assim a
mensagem que se deseja veicular. De
seguida, pesquisar boas referências
musicais (progressões harmónicas já
testadas, timbres instrumentais em voga
e ritmos apropriados para o efeito
desejado) para assim servirem de apoio
instrumental à voz escolhida para cantar
o tema.
A música publicitária
deve ser repetitiva, contagiante e ter
letras fáceis de serem memorizadas.
Publicidade à parte, agora que o Natal
já passou, ainda se lembra do seguinte
jingle publicitário: “E a tradição quem
trouxe? Quem trouxe? Foi o Pingo Doce. E
o sabor quem trouxe? Quem trouxe? Foi o
Pingo Doce”? Se sim, eis um bom exemplo
daquilo que escrevi. Assim sendo, espero
ter-vos trazido também um pouco de luz
sobre algumas arte(e)manhas musicais.
Doze “Capitais Europeias da Cultura 2027” em Portugal
- Partilhar 30/11/2021
Sendo as
Capitais Europeias da Cultura um dos
projetos com maior reconhecimento na
União Europeia, cuja ideia basilar se
centra na colocação das cidades nomeadas
no centro da vida cultural de toda a
Europa, espelhando assim o que têm em
comum, bem como a riqueza que advém da
sua diversidade em termos de tradições,
idiomas e história, Faro (a cidade que
me acolheu como seu) entregou no dia 21
de novembro de 2021 a candidatura a tão
ambicionada escolha.
Estando
ligado há algumas décadas, de várias
formas, à intervenção cultural em Faro e
no Algarve, naturalmente,
questionaram-me qual era o meu papel na
candidatura da cidade à “Capital
Europeia da Cultura 2027”. Tendo
respondido que o meu “papel” já teve o
seu tempo, congratulei-me por saber que
tanta gente que não conhecia da Cultura,
na Cultura e para a Cultura, hoje, a
defende como fonte de progresso,
prestígio e enriquecimento da sua cidade
e região. Valeu assim a pena muitas
vezes ter trilhado solitários caminhos
na aridez cultural com que, não há muito
tempo, Faro e o Algarve eram votados. É
caso para dizer: “Haja financiamento e
vontade e a Cultura acontece!”
Decorria o mês de novembro de 2015
quando escrevi o artigo “O Algarve na
Europa da Cultura” para a revista
Algarve Informativo. Dois anos depois, o
citado artigo integrou o livro “Cem
desabafos… Sem espinhas”. Seis anos
volvidos, “roubo-me” os seguintes
parágrafos: (…) “Sendo uma candidatura
de uma cidade, deverá, antes de mais,
ter implícita na sua génese, toda a
região de que Faro é capital. Comparado
com certas cidades cosmopolitas
internacionais, o Algarve quase se
assemelha a uma grande cidade
atravessada pela estrada nacional 125 e
pela via do Infante, tendo como ponto
central, Faro. Deverá ser assim o farol
de uma candidatura onde as questões e
divergências históricas, autárquicas e
político-partidárias deverão ficar para
trás, privilegiando o crescimento e
enriquecimento cultural da região. (…)
Deverá privilegiar a cultura e a
educação para a cultura – tout court
– sem se deixar amarrar a questões de
ordem económica e financeira que, logo à
partida, poderão fazer inquinar a
qualidade da candidatura. Deverá
privilegiar todos os equipamentos
culturais da região e, ao mesmo tempo,
requalificar e criar outros que possam
vir a ter um papel estrutural e
estruturante para a criação, produção e
apresentação de cultura na região
algarvia. Deverá ter em conta os
algarvios (agentes, intervenientes e
consumidores de cultura), pois serão
eles os maiores e melhores veículos de
promoção da região após a realização dos
eventos inclusos na candidatura. Deverá,
finalmente, ser idealizada também com o
intuito de projetar além-fronteiras, a
cultura (desconhecida) de uma região que
tem tudo para se afirmar também através
do turismo cultural.”
As
candidaturas para a “Capital Europeia da
Cultura 2027” estiveram abertas de 23 de
novembro de 2020 até 23 de novembro de
2021 e, ao todo, doze cidades
perfilam-se agora para uma iniciativa
que poderá valer um apoio do Estado
português no valor de 25 milhões de
euros. Em 2027, a iniciativa envolverá
uma localidade de Portugal e outra da
Letónia. As vencedoras funcionarão,
durante doze meses, como uma espécie de
montra para toda a Europa da sua
atividade e diversidade culturais,
organizando eventos, reabilitando
património e dinamizando as cidades como
centros de vida cultural, social e
económica.
Depois de Lisboa
(1994), Porto (2001) e Guimarães (2012),
Portugal voltará a acolher a organização
da Capital Europeia da Cultura. Tendo
concorrido à organização de tão grande e
prestigiante evento uma dúzia de
localidades portuguesas (Aveiro, Braga,
Coimbra, Évora, Faro, Funchal, Guarda,
Leiria, Oeiras, Ponta Delgada, Viana do
Castelo e Vila Real), parabenteio-as –
todas por igual – por tão meritória
iniciativa. Portugal, com regiões
culturalmente tão diferenciadas entre
si, mas situando-se geograficamente tão
perto umas das outras, com todas estas
candidaturas irá assim aumentar o
planeamento e investimento em
equipamentos culturais e a formação e
consolidação de novos intervenientes
culturais (produtores, agentes e
consumidores).
Desejo as maiores
felicidades a todas as candidaturas.
Espero também que ganhe a melhor, pois
Portugal, seguramente, já ganhou!
A música salva!
- Partilhar 01/11/2021
Tornou-se
quase um lugar-comum ouvir e ler que a
música salva. São cada vez mais os
relatos partilhados pelos consumidores
de música, referindo a importância da
música nas suas vidas. E o que dizer da
quantidade de músicos que referem o
papel salvador da música? Desde David
Byrne, passando por Milton Nascimento e
acabando em James Hetfield (Metallica),
são imensos os relatos dos seus
obreiros, afirmando qua a música os
salvou.
No seu livro “Apologia, A
República, Livro III”, Platão referia
que “A formação musical é um instrumento
mais potente do que qualquer outro,
porque o ritmo e a harmonia encontram o
caminho para dentro da alma, em que
poderosamente se prendem, dando graça e
tornando graciosa a alma daquele que é
corretamente educado.”
A música
está tão presente nas nossas vidas que
talvez seja difícil imaginar como seria
o mundo se ela não existisse. Para além
dos concertos, audições e saraus, existe
música em quase todos os momentos de
convívio social (igrejas, bares, ruas,
shoppings, feiras, reuniões familiares,
etc.), bem como no isolamento do lar, do
carro e de outras situações quotidianas.
A ideia de que a música afeta a
saúde e o bem-estar das pessoas foi
defendida por Aristóteles e Platão.
Somente na segunda metade do século XX,
alguns médicos conseguiram estabelecer
uma relação entre a música e a
recuperação dos seus pacientes, tendo,
no final da Segunda Guerra Mundial, sido
chamados músicos para tocar em
hospitais, como forma de auxiliar o
tratamento dos feridos. Como a
experiência surtiu resultados positivos,
as autoridades médicas dos Estados
Unidos da América decidiram habilitar
profissionais para utilizar criteriosa e
cientificamente a música como terapia. O
primeiro curso de musicoterapia foi
criado em 1944, na Universidade Estadual
de Michigan.
Segundo um artigo
publicado no jornal “Critical Care
Medicine”, parece existir uma resposta
fisiológica efetiva à música por parte
de enfermos intervencionados
cirurgicamente. Ouvir Mozart surtiu
maior efeito sedativo do que alguns
fármacos. Verificou-se uma diminuição da
pressão sanguínea e dos batimentos
cardíacos, a par de uma menor
necessidade de recorrer a analgésicos e
de uma descida dos níveis de algumas
hormonas relacionadas com o stress.
O efeito terapêutico da música,
porém, vai muito além do aspeto
tranquilizante duma sonata de Bach ou
duma sinfonia de Beethoven. Estudos
garantem que a música potencializa a
reabilitação de pacientes em casos de
doenças degenerativas do cérebro, como
Parkinson e Alzheimer, melhora a
coordenação motora de deficientes
físicos e induz a liberação de certas
substâncias, como a dopamina e a
serotonina, que proporcionam sensação de
prazer e bem-estar.
Quem não se
emocionou já ouvindo uma certa música?
Ou se lembrou de alguém especial ao
cantarolar algumas notas? Os sons marcam
momentos, trazem memórias e podem
deixar-nos tristes, alegres, irritados
ou alerta. É o que nos mostra a
musicoterapia, ao procurar potenciar e
restaurar a saúde do indivíduo através
da prevenção, tratamento e reabilitação.
Desde um consultório repleto de
temas musicais, onde o paciente expressa
os seus sentimentos, até uma cama de
hospital, independentemente do "palco",
a musicoterapia consiste na qualificada,
programada e devida utilização dos
elementos e qualidades musicais. Além
dos objetivos terapêuticos pretendidos,
os processos usados facilitam a
comunicação, o relacionamento e a
aprendizagem, atingindo assim as áreas
mentais, físicas, sociais e cognitivas.
A prática musical potencia o
desenvolvimento cognitivo, a atenção, a
memória, a agilidade motora, assim como
cria uma experiência unificadora entre a
linguagem, a música e o movimento.
Pitágoras dava à terapia pela música o
nome de purificação. A sua música
curativa propunha-se a equilibrar as
quatro funções básicas do ser humano:
“Pensar, sentir, perceber e intuir”.
A música serve de terapia para todas
as idades. Contribui para o bem-estar
geral do organismo e para a saúde plena
do indivíduo. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) formulou em 1946 a seguinte
definição de saúde: “A saúde é um estado
de total bem-estar físico, psíquico e
social e não apenas a ausência de
doenças ou debilidade. Dispor da melhor
saúde possível é um direito de todo o
homem, independentemente da raça,
religião, convicção política ou situação
económica e social”. É esse também um
dos papéis da música: fazer aumentar a
autoestima, a memória, a coordenação
motora e a integração do indivíduo na
sociedade, colaborando assim para uma
formação e informação organizada,
harmoniosa e saudável.
Ouvir
música é saudável para toda a gente.
Alivia tensões, ajuda a refletir,
transporta-nos para cenários de prazer,
cura-nos. Cantar pode até não espantar
os males, como apregoa a sabedoria
popular, mas a utilização de sons,
ritmos, melodias e harmonias ajuda a
restabelecer a saúde de alguns
pacientes. É o que garantem médicos das
mais diferentes especialidades, que
utilizam a musicoterapia como recurso
terapêutico no tratamento
multidisciplinar de inúmeras doenças.
Assim sendo, do que é que estão à
espera? Ouçam e/ou façam música!
A importância dos pais no gosto musical dos filhos
- Partilhar 30/09/2021
A cada início de
ano letivo, solicito aos meus alunos do
segundo ciclo de escolaridade que me
preencham uma ficha com informações
relativas ao contacto com a música por
parte do seu agregado familiar. São
informações que me ajudarão a
contextualizar, programar e envolver as
famílias no percurso musical dos alunos,
na escola e fora dela.
Invariavelmente, os gostos musicais dos
petizes refletem as tendências musicais
veiculadas pelos vários canais de
divulgação musical colocados ao seu
dispor. Mas nem sempre assim é. Por
vezes sou surpreendido por gostos
peculiares e diferenciados por parte
dalguns alunos. São preferências por
géneros e grupos musicais que refletem a
influência da audição ativa, conjunta e
participada por parte do agregado
familiar. Para aferir tal constatação
basta confrontar as respostas dadas nas
fichas individuais de recolha de dados
musicais.
É
interessante verificar que, a par com os
vários canais de divulgação digital, a
influência familiar continua a ser um
dos fatores preponderantes na formação
do gosto musical dos jovens.
Desengane-se quem espera que sejam
apenas os professores de Educação
Musical, em duas únicas horas semanais e
apenas a partir dos dez anos, que
moldarão e/ou apurarão o sentido
estético e qualitativo dos futuros
produtores e consumidores de música.
Estando as
tendências musicais mais populares
condicionadas e manietadas pelas
editoras multinacionais, é caso para
dizer: “Diz-me o que ouves, que eu direi
como cantarei!”. Aliás, é assim que
todos os anos procedo, tentando
inteirar-me e conhecer quais são os
cantores e grupos que os jovens ouvem e
partilham - até à exaustão - entre si.
Da mesma forma que lhes transmito
conhecimentos baseados e assentes na
música de ontem, tenho que me manter
atualizado para poder perceber e falar
de música, usando os códigos e termos de
hoje.
Não é,
pois, de estranhar que muitos músicos, à
medida que envelhecem, tentem, tal como
fazem consigo, remoçar a sua música para
assim continuar a agradar às novas
gerações. Mas será essa a melhor
estratégia de carreira? Penso que não.
Da mesma forma que os músicos
envelhecem, envelhecem com eles os seus
apreciadores e fãs. O segredo é tornar a
música intemporal, dando-a a conhecer,
entender e apreciar aos filhos de uma
geração que cresceu com determinados
músicos que marcaram um período temporal
da sua vida.
Sou
defensor que o nosso tempo é o tempo em
que vivemos, daí achar que a música tem
o tempo da altura em que é devidamente
ouvida, entendida e apreciada. Por isso,
apelo constantemente, de várias formas,
para que os pais interajam musicalmente
com os seus filhos. Apesar de nem sempre
ser bem entendido, continuo a marcar
trabalhos de casa onde o agregado
familiar é chamado a participar
ativamente, cantando ou interpretando
com os meus jovens alunos.
Nem imaginam a quantidade de alunos que me dizem ter esperado cerca de dez anos para conhecer os dotes musicais dos pais, conjuntamente com os seus gostos musicais. É também essa umas das tarefas dos professores de Educação Musical: aproximar as famílias através da música. Porque o ato de gostar também se aprende. Como? Educando!
Música autárquica
- Partilhar 02/09/2021
Não tendo tido, ainda, o privilégio e a felicidade de pisar as tábuas de um palco, e assim desfrutar da participação do público, aqui confesso que me tem dado um grande prazer constatar que alguns amigos músicos já regressaram, paulatinamente, à função que lhes garante o seu ganha-pão e muita da alegria de viver.
Viajando por Portugal, verifiquei que muitas autarquias, apesar de não ser a sua função, começaram a sair progressivamente das restrições e contingências a que as atividades musicais foram obrigadas, programando-as para esta época estival com o recurso à “prata da casa”. Sem olharem aos géneros musicais que apoiam, fizeram-no como garantia de subsistência e de continuidade do património cultural da sua região. Naturalmente, achei que tal atitude é digna de relevo. Daí, aqui mencioná-la, homenageá-la e parabenteá-la!
Mas o que dizer dos senhores programadores/decisores de determinadas autarquias que, apesar da míngua a que os “seus” se viram obrigados durante quase dois anos de continuada pandemia, logo que puderam começar a dar música aos seus concidadãos, recorreram imediatamente às receitas antigas em termos de programação rápida, eficaz e a gosto? Obviamente, recorrendo ao que vem de fora e já foi legitimado com o selo de garantia das habituais playlists financiadas pelas editoras multinacionais, as lotações das salas, nas atuais condições de segurança, terão sempre o cartaz “Esgotado” nas bilheteiras!
Por andar nestas lidas há algumas décadas, naturalmente já tive e provoquei algumas “azias”. Nada que o passar dos anos não ajude a dissipar! Por isso, respondo sempre o mesmo quando alguém me questiona qual é a razão por que são sempre os mesmos a tocar em determinadas regiões e eventos. Naturalmente, que colocando a qualidade dos músicos de parte, as razões são óbvias para quem tenha “dois dedos de testa”, não precisando, por isso, de me alongar nas respostas.
Agora, que se aproximam as eleições autárquicas, entre os muitos fatores que poderão ponderar para votar numa lista e não noutra, que tal fazerem um flashback e recordarem o apoio que os autarcas e os candidatos que tiveram a liderar os destinos das localidades onde moram concederam aos músicos que, há anos, andam a colocar a vossa região no mapa cultural do país?!
Eu sei que este artigo de opinião tem um curto prazo de validade, mas não custa nada continuar a sonhar com uma gestão autárquica que dê um genuíno destaque e valorização ao que é da sua região. Por isso, quem sabe, daqui a quatro anos, republico-o neste ou noutro órgão de comunicação social!?
E ainda há quem pense que a pandemia mudou formas de estar, pensar e de agir... Eu não!
O regresso ao palco
- Partilhar 01/08/2021
Olho para
algumas fotografias que vão passando no screen saver do meu computador e,
por vezes, sou assaltado por uma mistura
de saudade com nostalgia, tais as boas
recordações que guardo dos ensaios e das
atuações musicais que realizei ao longo
da minha vida adulta. Sem ter sido por
vontade própria, de um dia para o outro
eu e muitos outros vimo-nos impedidos de
realizar algo que nos proporciona um
enorme prazer: tocar com pessoas e para
pessoas.
Numa altura
de alguma retoma de uma certa
normalização artística, os músicos que
já tiveram o privilégio de – finalmente
– pisar o almejado palco são unânimes em
proferir que, apesar de terem tocado
para plateias reduzidas, mascaradas e
afastadas, experienciaram uma sensação
ótima e entusiasmante. Acredito que seja
um prazer redobrado, e todos esses
sentimentos passam do proscénio para o
público, que, obviamente, retribui. Por
isso mesmo, esta é uma ótima altura para
retomar as idas aos espetáculos
musicais!
As saudades dos ensaios presenciais e do palco são gigantes. Os músicos estão ansiosos por voltar a sentir aquele frio miudinho, bem como as “borboletas no estômago”, antes de entrarem em palco, para então libertarem toda a criatividade e energia contidas. Para além da retribuição pecuniária, a catarse e a metamorfose que as palmas proporcionam e operam é indescritível. É preciso lá estar – no palco – para sentir!
Há quem
aconselhe os músicos mais propensos aos
nervos iniciais a não enfrentar
diretamente o olhar do público, traçando
um palmo acima da linha das cabeças e
fixando nesse ponto o olhar.
Efetivamente, funciona. Os elementos do
público ficam assim com a sensação que
os músicos estão a comungar das suas
expressões, não estando. Mas depois das
primeiras músicas, nada é melhor para
quem pisa um palco do que compartilhar e
responder às diversas expressões e
manifestações que tem à sua frente.
Olhos nos olhos, sem qualquer tipo de
máscara.
Agora que, fora de portas, o verão nos escancara as muitas e diversas entradas disponíveis para a apreciação e fruição da música viva e ao vivo, aqui vos deixo o apelo para que lutem contra um certo amorfismo que este vírus semeou. Saiam de casa e apoiem, ao vivo, os músicos que merecem, fizeram por merecer ou têm quem os mereça. A música sairá sempre a ganhar!
Palminhas, mãos ao ar!
- Partilhar 01/07/2021
Apesar de algum
tipo de fado possuir músicas/letras
consideradas tristes e melancólicas, os
portugueses não escondem a sua
miscigenação cultural quando a batida do
bombo da bateria se mistura com o
«groove» da guitarra baixo e,
inconsciente e inevitavelmente, atraem e
fazem soltar o percussionista amador que
há escondido em si. Para tal, basta
juntarem uma mão à outra e “afinarem” as
palmas com o ritmo.
Seja através
do trauteio das melodias/letras já
memorizadas e/ou das palmas que marcam a
pulsação da música, sentir e observar a
participação do público é algo que todos
os músicos almejam quando pisam um
palco. Mas serão todos os géneros
musicais atreitos a estas reações tão
latinas?
Recordo-me que depois
de cantar “Os putos”, Carlos do Carmo,
acompanhado pela plateia com palmas,
pediu que o público guardasse as mãos
nos bolsos e deixasse as palmas apenas
para o final das canções. Como bem o
entendi: como poderia alguém que
mascarava o ambiente musical com palmas,
apreciar a beleza do poema de Ary do
Santos e o esmerado acompanhamento dos
excelentes músicos que acompanhavam o
nosso fadista maior?
A atitude
inapropriada, e por vezes incómoda, de
interromper determinadas prestações e
interpretações musicais com palmas,
impede a maioria do público de apreciar
e fruir todas as diversas nuances
musicais (poéticas, melódicas, rítmicas,
tímbricas, agógicas, de forma, de
textura, de arranjo e interpretativas)
que integram e constituem o elemento
diferenciador duma música interpretada
ao vivo.
Entendo que o poder, a
atração e a ação da música sejam tão
contagiantes que apeteça participar na
sua execução, nem que seja com palmas. A
esses “músicos de ocasião” aconselho que
usem partes do corpo que não emitam um
som muito audível, pois o que se faz de
improviso, no calor do momento, não
deverá colidir com o trabalho de um
profissional.
Se existem músicas
de caráter mais popular que,
naturalmente, impelem à participação do
público, outras há em que o silêncio é
de ouro, tal a concentração e
introspeção interpretativa necessárias.
Os músicos sabem-no e por isso, em
conformidade, tocam para o público ou
tocam com o público. Afinal de contas, o
que realmente interessa é tocar o
público!
Tomando como referência a
famosa frase com que o mandador no Baile
de Roda Mandado nos brinda no final,
deixemos as palmas para quem delas faz o
uso adequado: “Tudo certo, devagar.
Palminhas, mãos ao ar até ao baile
acabar. Palminhas, acabou e o baile de
roda terminou.”
Colher a música que se semeou
- Partilhar 31/05/2021
À medida que me
aproximo das quatro décadas a (tentar)
semear música a sul, continuo a ficar
desiludido com o que observo e com o que
muitos alunos me dizem ser o seu
conhecimento da música produzida na
região onde vivem com os seus pais. Ao
contrário do tempo em que tinha a sua
idade, é hoje possível, no Algarve, ter
uma oferta diversificada no que concerne
aos vários géneros e tendências
musicais. Mas se assim é, porque é que
continuo a ter uma média de 75% de
alunos dos segundo e terceiro ciclos de
escolaridade a responder-me que nunca
assistiram, a título de exemplo, a um
concerto ao vivo de uma orquestra ou de
uma banda de jazz?
É claro que de
pouco serve oferecer música sem antes
estimular os sentidos do potencial
consumidor/apreciador para a devida
fruição. Para que tal aconteça é,
obviamente, necessário plantar - de
forma continuada - o gosto pelas várias
formas de nos expressarmos através de
uma língua/linguagem comum – a Música.
Sabendo que é
desde os últimos meses de gestação da
mãe que se inicia o percurso de estímulo
para o pleno e abrangente gosto pela
música, foi o meu desiderato, há 20
anos, criar uma produção destinada aos
pais e bebés até aos 24 meses. Batizei-a
de “Música de Pais para Filhos” e, para
lhe dar corpo, chamei os mais
habilitados pais/músicos algarvios que,
tal como eu, acreditavam nos objetivos
da mesma.
Foi assim que
no dia 17 de novembro de 2001, na
Biblioteca Municipal de Faro, iniciámos
um percurso que, volvidas duas décadas,
fruto do desinteresse da maioria das
autarquias algarvias e por contingências
várias, terminou. Pretendíamos estimular
os sentidos; promover a audição passiva
e ativa; ensinar a distinguir
morfologicamente os instrumentos;
promover o conhecimento e identificação
dos timbres dos instrumentos; estimular
a interação e aproximação entre pais e
filhos; exercitar a memória tímbrica,
melódica e rítmica; promover a audição,
a seleção e a apreciação; potenciar o
desenvolvimento das várias competências
cognitivo/artísticas; estimular a
aprendizagem da música enquanto língua,
paralelamente à da fala.
Quase a celebrar
20 anos, seria interessante a entidade
produtora (Associação Cultural Música
XXI) juntar os progenitores e os então
bebés (felizmente registados numa
reportagem da RTP) para partilharem as
suas opiniões sobre de que forma as suas
participações nas várias sessões da
produção “Música de Pais para Filhos”
influiu na sua atual relação com a
música.
Conhecendo
alguns desses então bebés, tenho como
corolário e satisfação ver um deles a
ensinar, hoje, piano à minha filha.
Efetivamente, somos o resultado daquilo
que semeamos!
Música “very typical”
- Partilhar 02/05/2021
Haverá maior colonização de um povo do que a que é promovida pela apropriação, assimilação e disseminação de culturas alheias em detrimento da nossa?
Atente-se no
exemplo que dou quando explico (em tom
de graça) o baile mandado algarvio aos
meus alunos: “Sabiam que o
R.A.P.
foi inventado no Algarve há mais de um
século? Pois... Nos anos 60, um
americano que cá estava a passar férias
gostou tanto do baile mandado que levou
a ideia para os E.U.A. Como é um
país enorme, o conceito de preencher a
harmonia da música com o ritmo das
palavras ditas, em menos de nada,
transformou-se em
Rhyme And Poetry
e assim conquistou o mundo. Vejam lá!?”
E não é que a
partir desta (inocente) mentira, eles
começam a olhar para o folclore algarvio
doutra forma?!
É claro que é
triste ter de ir buscar exemplos ao
estrangeiro para que os portugueses
conheçam o seu património e assim o
legitimem e valorizem. Não sendo nada a
que já não estejamos habituados, na
cultura e noutras áreas, confrange
observar o desinteresse a que algumas
franjas da cultura musical portuguesa
são votadas, relegando-as a um
esquecimento e abandono imerecidos.
Não sendo contra
a globalização cultural, antes pelo
contrário, reconheço que é no poderio
económico que, em grande parte, reside o
segredo para colonizar musicalmente um
povo. Cada vez mais, os media, as
plataformas digitais de comunicação e as
redes sociais têm vindo a ter um papel
preponderante na entrada das “músicas de
sempre” nas nossas casas.
É inegável
considerar que com a disseminação da
oferta musical proporcionada pelas novas
tecnologias aumenta o conhecimento de
outras culturas, o que é enriquecedor,
mas de que interessa se, por falta de
interesse e de investimento no ensino e
na divulgação do nosso património
identitário, os mais novos não conhecem
o que é genuinamente seu?
Não deixa de ser
paradigmático o que os turistas
estrangeiros referem sobre a nossa
música, classificando-a como muito rica,
bela e “very typical”, quando, ao mesmo
tempo, a mesma é tratada com desdém e
indiferença por quem tem o dever de a
promover e divulgar, dentro e fora de
portas.
Não, não é necessário mascarar nem travestir a música das nossas regiões, transformando-a naquilo que não é para assim chegar mais longe e a mais gente. Deem-lhe apenas a importância que lhe é devida e verão as marcas que a nossa história deixou no nosso património musical. Basta descobri-lo!
1% de inspiração, 99% de transpiração
- Partilhar 01/04/2021
Quando o editor desta revista (Francisco Gil) me desafiou para aqui escrever, prontamente lhe respondi que sim, dizendo-lhe que retomaria os artigos que há 30 anos escrevi para o jornal O Meridional. Tal como esta, a coluna chamava-se Musique-se.
Impresso em papel de jornal, no dia 24 de maio de 1990 foi publicado este artigo. Três décadas depois, parece-me – infelizmente – atual. Fruto da evolução tecnológica, a publicação 1% de inspiração, 99% de transpiração irá assim chegar a todos vós.
“Um destes dias encontrei um amigo meu que está a frequentar o Curso Superior de Piano e que eu não via há algum tempo. Depois das trivialidades costumeiras nestas situações, começámos então a falar daquilo que me deixou boquiaberto e, de certa forma, apreensivo:
– Estive há uma semana com uma antiga colega de Liceu que já não via há anos e que me disse estar a finalizar o seu curso de Direito. Depois de lhe dizer também o que estava a fazer, exclamou ela com uma certa ironia: Só???... Mas além de tocares piano, o que é que estudas afinal?...
Alguém disse que é preciso ver para crer. Talvez, ou... talvez não! Talvez seja, mas é preciso crer para ver. E é fazendo fé na minha afirmação que vos vou tentar dar a conhecer um pouco do mundo que rodeia o estudante dum instrumento musical (pois a pensar como a ex-colega do meu amigo, sei haver muito boa gente).
Tentando complementar a frequência da escola primária com outra atividade de caráter mais lúdico/artístico, muitos pais tentam que os filhos frequentem aulas instrumentais, seja em Conservatórios ou em Escolas de Música paralelas. Começa então o fabrico do chamado músico clássico. Teve a sorte de ter pais que o incentivassem para o gosto da Música; teve um bom professor de Iniciação Musical; começou, pouco a pouco, a descobrir os segredos deste mundo, afinal tão acessível, que é a Música. Enfim, não podia agora que ia para o ensino preparatório e seguidamente para o secundário parar e desistir de algo que tanto prazer lhe dava. Ora como o ensino oficial, a nível de escolaridade obrigatória, não garantia um ensino específico e continuado na via opcional da Música, lá tiveram os pais, se calhar com algum sacrifício, que custear a continuidade do filho num curso paralelo. Com algumas horas de estudo diárias retiradas das horas de lazer que sobravam dos afazeres normais de qualquer estudante e vendo os seus colegas gozando os prazeres da vida “numa boa”, só, frente a frente ao seu instrumento, decide ainda com mais perseverança e amor pela arte que abraçou, continuar. Os “prazeres” dos colegas dissipavam-se com a rapidez duma nuvem passageira enquanto o seu aumentava gradualmente e... era para ficar! Acabou o 12.º ano de escolaridade e para trás tinham ficado muitas horas e dias de “namoro” com o seu instrumento, mas, finalmente, o Curso Geral do Instrumento estava já concluído.
Arrependido? Não! Muito pelo contrário, de tal forma que a escolha estava feita: ia frequentar o Curso Superior do Instrumento. Continuando a pagar do seu bolso (ou dos pais), agora com médias de estudo de 6 a 8 horas diárias, sempre solitárias, conseguiu, finalmente, chegar ao dia do exame final. Só em peças, estudos e exercícios a sua prova contabilizava uma hora de execução. Uma hora que pareceu uma eternidade, frente a um júri que pontuava a técnica, a musicalidade, o conhecimento específico do “toque” próprio de cada compositor, a memorização total e absoluta das obras tocadas, a forma de tratar o instrumento. Enfim, depois de muita transpiração e daquele nervoso miudinho (por vezes miudão) próprio de quem pisa o palco, chegou-lhe, finalmente, a imensa satisfação de se saber instrumentista diplomado superiormente e que todo o trabalho empreendido em jovem será por toda a vida reconhecido através de algo vital e de extrema importância para qualquer artista: as palmas.
As minhas palmas também. Reconhecidamente!"
Convites à medida
- Partilhar 01/03/2021
Institucionalizou-se divulgar eventos culturais (pagos), convívios sociais (pagos), aniversários (pagos) e jantares (pagos) através de convite. Cedo, fui ensinado que quem convida quer proporcionar o prazer da sua presença e, usufruindo da nossa companhia, tudo faz e providencia para oferecer e partilhar; se não, não convida!
Tome-se como exemplo a quantidade de concertos, representações, atuações e performances para que somos convidados, através das redes sociais, e que afinal de contas são convites para comprar um bilhete.
Sempre tomei como princípio convidar quem quero e quem posso, não vulgarizando e fazendo confundir a palavra CONVITE com promoção e angariação de fundos. Assim sendo, poupem-me para certos “convites” ... porque se eu quiser ir, irei pelo meu pé!
Durante dez anos presidi à direção duma instituição cultural que, quando podia, convidava os seus associados e demais interessados para as suas atividades. Nunca nos “passou pela cabeça” solicitar aos convidados que pagassem ingresso, pois se os convidávamos era porque já tínhamos os custos da produção assegurados.
Hoje, já só na qualidade de “mero” apreciador e divulgador de cultura, recebo imensos convites de várias instituições para me deslocar aos seus eventos pagos. Deixo aqui um “mero” conselho a essas instituições e organismos: substituam a palavra Convido por Divulgo.
Tal como não devemos oferecer seja o que for com o intuito de receber o equivalente ou mais em troca, também não devemos convidar com o intento de extorquir o convidado. Felizmente, em boa altura, aprendi que tais propósitos não são muito cristãos.
Qualquer segunda (ou terceira) intenção deita imediatamente a perder o prazer de ser convidado. É, por isso (no séc. XXI), um privilégio ser convidado - apenas - pelo gozo da nossa presença.
Tal como eu, muitas pessoas cresceram a dar o devido e correto valor à palavra CONVITE. E porque quando saio de casa, por convite, para um conCerto, fico desiludido quando, à entrada, me deparo com um conSerto.
Males que vêm por bem
- Partilhar 01/02/2021
Habituados a chegar
ao seu público através dos canais
normalizados para o efeito, os músicos
veem a atual pandemia a privá-los, quase
há um ano, da sua única fonte de
rendimento. Sabendo que é para o público
e do público que vivem, estes
profissionais sem salário fixo nem
garantido no final do mês, num ápice e
inesperadamente, viram as suas
principais fontes de rendimento
(concertos e, nalguns casos, a venda de
discos) diminuir drasticamente, ou até
cessar, fruto das medidas tomadas nos
sucessivos estados de emergência,
colocadas em prática como forma de
minorar as cadeias de disseminação
viral.
Usando grande parte
do seu tempo para praticar, compor e
ensaiar, é nos concertos ao vivo que os
músicos se habituaram a contactar com o
seu público, trocando a sua arte pelas
palmas e pelo merecido
cachet.
Uma troca justa, onde músicos e público
se acostumaram assim a comungar entre
si. Mas como continuar a fazê-lo, tendo
estes artesãos dos sons e dos silêncios
de estar confinados e, como tal,
impedidos de socializarem com o seu
público?
Tal como outros
artistas de outras áreas, muitos músicos
arregaçaram as mangas e à sua arte
juntaram o engenho necessário para
colmatar a falta do precioso contacto
com o seu público. E em boa hora o
fizeram! Aproveitando as janelas abertas
para o mundo real que a internet
proporciona através das múltiplas
plataformas de comunicação digital, os
nossos músicos de eleição dispuseram-se
a entrar-nos em casa para, no sentido
literal do termo, dar-nos música.
Basta abrir
qualquer rede social e é hoje possível
dispor de imensa oferta de formação com
compositores, letristas e músicos que,
mesmo noutros continentes, à distância
de um simples clique estão disponíveis
para, através do écran do nosso
computador, entrarem-nos em casa e
tratarem-nos por tu e vice-versa. Algo
impensável há um ano, quando, com
agendas repletas de trabalho, jamais
teriam disponibilidade para partilhar os
seus ensinamentos com outros músicos.
E o que dizer da
possibilidade de, no aconchego do lar e
em família, termos o privilégio de
entrar na casa ou estúdio dos nossos
ídolos e podermos desfrutar de concertos
informais, onde, via
live
streaming,
trocamos o
prazer que nos proporcionam pela justa
remuneração do seu trabalho, podendo, ao
mesmo tempo, com eles confraternizar e
mostrar-lhes o quão importantes são para
nós?!
Fruto de um mal maior, surge assim um novo paradigma relacional entre o músico e o público, com benefício para ambos. Acredito que depois da pandemia vingará um modelo híbrido de concertos: ao vivo e através das várias plataformas digitais para quem não pode deslocar-se aos concertos ou queira revê-los mais tarde. E se assim for, permitindo aos músicos e aos seus fãs um mútuo ganho, bem-vindos ao futuro!
Aplausos para vós, músicos!
É comum escutar os
músicos referirem que, apesar de ser
bastante compensador, reconfortante e
gratificante, não são as palmas que
recebem entre músicas e nos finais dos
seus concertos que lhes pagam as contas.
Vulgarizou-se, ao
longo da história, a ideia que a música,
por ser uma disciplina artística com
grande potencialidade de intervenção,
participação e disseminação, se encontra
ao alcance de todos e, por assim ser,
todos têm em si um pouco de músico.
Talvez por isso se vulgarizou a
depreciação e a desvalorização dos
músicos enquanto profissionais.
Vítimas de uma
pandemia que lhes roubou o palco e, por
consequência, o público que lhes
alimentava a alma e o corpo, mais uma
vez os músicos do meu país têm vindo a
constatar que integram o nível mais
baixo da cadeia alimentar social. Só
assim se contextualiza o habitual
desinteresse manifestado pelos vários
tipos de poder instituído em relação aos
obreiros da música.
Todos o sabemos,
mas insistimos em não o valorizar: não
sendo prioritários para a economia e
para as finanças, os músicos são vitais
e imprescindíveis para os nosso
bem-estar mental e emocional!
"Tudo o que não nos
destrói, torna-nos mais fortes!", bem
pode ser o lema de todos os músicos que,
estoica, empenhada e nobremente
atravessaram 2020, lutando pela sua
sobrevivência e, ao mesmo tempo, pela
nossa felicidade.
Já em 2021, é caso
para dizer e desejar: “Tudo vai ficar
bem!”, principalmente para todos os
profissionais da música que nunca
tiveram a sorte de integrar o núcleo
restrito de músicos que nos habituámos a
tratar pelo nome, tal o destaque que
mereceram e tiveram nos vários órgãos de
comunicação do país.
Os músicos, já nas “lonas” por não
terem conseguido amealhar o tal “pé de
meia” de que muitos falam, não precisam
de conselhos e palavras de
circunstância. Mais do que as merecidas
palmas, que tanto ânimo lhes dão,
necessitam de palco pago. O palco que
lhes afaga o ego, mas sobretudo lhes
coloca a comida na mesa. Assim sendo:
“Música aos músicos em 2021!”
Música para o Natal, no Natal ou de Natal?
Como qualquer um
de vós, tenho discos com música com
letras alusivas à época natalícia. Um
destes dias, no verão, apeteceu-me ouvir
alguns desses discos, não tanto pela
temática, mas pela boa música que os
compõem. Imaginam, por certo, a surpresa
que causei aqui em casa, por ouvir a
citada música fora de tempo. Já para não
falar nas “negas” que tenho levado por
parte das coralistas do Coral Feminino
Outras Vozes quando lhes proponho cantar
músicas de Natal nos concertos
realizados durante os outros meses, que
não o de dezembro.
Habituámo-nos aos
rótulos que as datas simbólicas nos
impuseram e, à sua custa, menorizamos e
restringimos (no tempo e no espaço) a
atenção merecida para músicas que nos
deviam merecer interesse e
reconhecimento. Como se já não bastasse
o aproveitamento - oportunista - que as
editoras discográficas fazem desses
clássicos musicais, que todos anos têm
de ser reinventados e remoçados pelos
novos intérpretes que, à sua boleia,
acrescentam nas suas discografias os
famigerados sucessos de Natal.
Será que, a
exemplo de tantas outras músicas,
estrategicamente arrumadas em estantes
cronológicas e simbólicas, a música de
Natal terá também técnicas de composição
definidas para a prossecução dos
objetivos (sejam eles quais forem) dos
seus compositores? Como em tudo na vida,
acredito que haja teóricos que se
debrucem no estudo do percurso criativo
que os compositores dos clássicos
natalícios percorreram, para assim
descobrirem a fórmula certeira e
ganhadora. Imaginem o que seria um
sucesso musical natalício - um autêntico
“Euromilhões”!
Servirá o Natal a
música ou será a música, como tantos
outros, um acessório de Natal? Sabendo
que ambos se complementam, penso que
ambas as opções se validam! Sendo a
música uma entidade una e
autossuficiente, fornece matéria prima a
quem a ela recorre para os mais diversos
propósitos e objetivos.
É óbvio que o
Natal sem música ficaria muito mais
pobre, mas isso já todos nós sabemos.
Aliás, o que seria da nossa vida sem a
companhia e o apoio da música? Fará
então sentido apelidar de música de
Natal os sons que já vamos ouvindo nas
ruas e nos estabelecimentos comerciais
onde entramos? Penso que todos os
músicos que musicaram letras imbuídas de
espírito natalício o fizeram, sem
pretensiosismos, com o propósito de
servir a música. Música composta para o
Natal, ouvida no Natal e que o tempo
transformou em Música de Natal.
E como o Natal
é quando um homem quiser, então também a
sua música o é. Assim sendo, oiçamo-la
todo o ano. E, já agora: Feliz Natal
(todo o ano)!
Instrumentos para todas as idades, gostos e feitios
As questões que
os pais dos candidatos a aprendizes de
música mais me colocaram, ao longo da
minha atividade profissional, foram:
qual a melhor idade para começar a
aprender música e qual o melhor
instrumento para o fazer? Talvez,
também, por isso eu tenha abraçado a
produção de iniciativas musicais
destinadas a pais e a filhos de tenra
idade, como forma de, através da
observação direta, experimentação e
prática, lhes responder às naturais e
previsíveis dúvidas e perguntas.
Na qualidade de
professor e de eterno aprendiz, sempre
assumi e defendi que na música não há
receitas e fórmulas únicas e
irrefutáveis, sob pena da mesma perder a
sua principal função enquanto vertente
artística: a de provocar todo o tipo de
emoções e sensações a quem a executa e a
quem dela frui. Entenderão, por
isso, a reserva que coloco ao responder
a questões que poderão influenciar e
condicionar a escolha individual dos
possíveis aspirantes a músicos.
Estas questões
que aqui abordo são mais complexas do
que aparentam, uma vez que poderão
definir o percurso profissional e
artístico de muitos jovens. No seu
adequado aconselhamento poderá residir a
conquista dos seus sonhos, daí que
muitos encarregados de educação ponderem
a importância da sua orientação
vocacional.
Como noutras
situações da vida, convém tentar
simplificar o que nem sempre o é. Entre
tantos instrumentos musicais que nos são
dados a desfrutar presencialmente e
através dos vários meios de comunicação
tecnológica ao dispor, qual deles então
eleger como o “nosso” instrumento? No
meio de tantas variáveis e
condicionantes (famílias instrumentais
- cordofones, aerofones, idiofones,
membranofones e eletrofones -, dimensão,
peso, intensidade sonora, custo, técnica
de execução, local de ensino,
professores habilitados, etc.), costumo
dizer que não somos nós que escolhemos o
instrumento, é o instrumento que nos
escolhe!
Em relação à
idade para começar a aprender a tocar um
instrumento, tomando como certa a
premissa que antes de nascer os bebés já
se familiarizam com a música que os pais
escutam, é natural que o contacto com os
sons e os silêncios da música que ouvem
no seu lar seja a maior fonte de
aprendizagem. Haja disponibilidade,
interesse e interação por parte dos seus
progenitores e o dia a dia das famílias
mostrará que, através de jogos de
exploração e experimentação musical, a
percussão e a voz serão os primeiros
veículos para a produção musical.
Não querendo dar receitas, nem estipular idades certas para iniciar a aprendizagem de um instrumento convencional (seja ele qual for), aconselho que antes de iniciar o processo de seleção, os responsáveis pela educação dos candidatos escolham, fundamentalmente, professores que conheçam, valorizem e adeqúem o seu ensino aos diversos estádios de desenvolvimento cognitivo dos alunos, às suas características intelectuais, artísticas e comportamentais e que recorram a métodos ativos, estimulando a exploração, a experimentação e a descoberta. Com o mestre certo, certa será a escolha!
Música, todos os dias
Com base num pedido feito pelo então Diretor-Geral da UNESCO, em 1949 foi criado o Internacional Music Council (IMC). O seu objetivo inicial era aconselhar a organização de tudo que se relacionasse com música. Atualmente, o seu maior objetivo é divulgar e promover o valor da música na vida das pessoas. O IMC debruça-se sobre a promoção do livre acesso à música por todos os cidadãos e sobre o valor que a música assume na vida de todos. Tem acesso a mais de 1000 organizações espalhadas por cerca de 150 países, envolvendo aproximadamente 200 milhões de pessoas que desenvolvem e partilham conhecimentos e experiências sobre música.
Sendo a música, desde sempre, uma das mais procuradas, respeitadas e adoradas vertentes artísticas, foi com naturalidade que, por vontade de Yehudi Menuhin, violinista e então presidente do Conselho Internacional de Música, em 1975 foi criado o Dia da Música. No entanto, foi apenas em 1980 que, devido ao forte impulso dado pela Sociedade Internacional de Educação Musical, foi declarado como Dia Mundial.
O Dia Mundial da Música presta homenagem à arte e à história musical existente em todo o mundo, independentemente do seu género. O principal objetivo deste dia não é apenas destacar os benefícios e a importância da música, mas, principalmente, promover a paz e a amizade das nações através da união gerada a partir da música. Sabe-se que a música é uma forma de arte universal que atravessa barreiras e que pode unir as populações com um mesmo propósito.
O Dia Mundial da Música é comemorado a 1 de outubro de cada ano. Apesar do seu título, em vários países este dia ainda regista algumas variações no seu nome e na data de comemoração. Neste dia é usual decorrerem vários concertos por todo o mundo, sendo muitos deles gratuitos. Costuma também ser o dia ideal para comprar discos e instrumentos musicais, uma vez que várias lojas apresentam descontos.
Em contexto escolar é recomendável: ouvir música gravada e, se possível, ao vivo; assistir a filmes evocativos da música e dos músicos; convidar agrupamentos musicais da área geográfica em que se encontra a escola dando assim a conhecer o trabalho desenvolvido pelos músicos locais; visitar as sedes de coletividades que se dediquem a esta área cultural; sugerir que na casa de cada um se perpetue a celebração, ouvindo música em família ou com outras atividades que se julguem pertinentes.
O Dia Mundial da Música é um dia de celebração que se alicerça em objetivos centrados na promoção da música em todos os setores da sociedade, na divulgação da diversidade musical e na aplicação dos ideais e fundamentos da UNESCO, como a paz e a amizade entre as pessoas, a evolução das culturas e a troca de experiências. Fazendo parte do quotidiano de milhões de pessoas, é vivenciada e usada de diversas formas, sendo, no entanto, muitas vezes abandonada e desprezada por governos e outras organizações. Por isso, faço votos para que a promoção e a divulgação da música por todos os setores da sociedade sejam uma realidade diária e não integrem apenas um dia evocativo. Se assim for, por certo, a paz, a amizade e a evolução das culturas encontrarão, na música, um forte aliado. Assim o espero!
O vírus na Educação Musical
Com o novo ano
letivo à porta e ainda sem uma solução à
vista que evite os nefastos e maléficos
efeitos provocados pelo novo
coronavírus, resta aos principais
intervenientes na ação educativa
cumprirem as várias medidas de etiqueta
respiratória convencionadas, a devida
higienização das mãos e o necessário
afastamento social.
Segundo a
Organização Mundial da Saúde, as
evidências científicas sugerem que
várias vias podem levar ao contágio, mas
que a principal via de transmissão é o
contacto direto entre pessoas. A infeção
transmite-se normalmente através de
secreções da boca e do nariz, saliva ou
gotículas projetadas quando uma pessoa
fala, canta, sopra, espirra ou tosse.
Daí a importância do distanciamento de,
pelo menos, um metro entre as pessoas.
Mas como deverão
os professores das disciplinas
eminentemente práticas proceder em
contexto presencial de sala de aula?
Qualquer técnico de educação ou
encarregado de educação mais atento
verificará que nas disciplinas de
Educação Visual, Educação Tecnológica,
Educação Musical e Educação Física
existe grande contacto, manuseamento e
troca de materiais por parte de
professores e alunos. Então o que fazer
para manter uma higiene frequente das
mãos, bem como uma etiqueta respiratória
eficaz?
Com as aulas
quase a começar aguardam-se as
indicações preciosas (e milagrosas) da
Direção Geral da Saúde e do Ministério
da Educação para que essas disciplinas
façam jus ao seu nome. Tomemos como
exemplo a Educação Musical, uma
disciplina onde grande parte dos alunos
usa um tubo (flauta de bisel) no qual
sopra para emitir som. Obviamente manda
o bom senso que este ano letivo os
professores não recomendem a sua
utilização, pois para além do som são
libertadas e projetadas muitas gotículas
de saliva.
Manda também o
bom senso que os professores de Educação
Musical não estafem os seus alunos,
pedindo-lhes que cantem músicas longas,
amordaçados por máscaras que não foram
feitas a pensar na música. E o que dizer
da execução instrumental com os
instrumentos da sala de aula que,
naturalmente, são partilhados ao longo
do dia? Terão os alunos que ter,
individualmente, o seu frasco de
gel-desinfetante para passar grande
parte da aula a “dar banho” ao
instrumento que lhes coube em sorte?
São questões que
preocupam os professores de Educação
Musical pois, tal como os seus colegas
das outras disciplinas maioritariamente
práticas, sabem que as suas aulas podem
ser potenciadoras de contágios
indesejados. Por isso, dei a quem de
direito alguns conselhos da Associação
Portuguesa de Educação Musical. Quem
sabe, talvez ajudem a minorar a
disseminação de um vírus que vai entrar
nas escolas sem ser convidado!
Assim sendo,
também eu aconselho a: considerar o
desdobramento das turmas na disciplina
de Educação Musical; entrar no espaço de
aula ou ensaio sempre com máscara;
reorganizar a sala de aula de Educação
Musical para ganhar espaço; ter sempre
disponível material desinfetante; nunca
partilhar instrumentos de sopro; manter
portas e/ou janelas abertas; recorrer ao
espaço exterior da escola e auditórios
para atividades de movimento e trabalho
de grupo; incluir na planificação das
atividades musicais o recurso a
plataformas, software e aplicações
novas; adaptar instrumentos de avaliação
prática assíncronos.
Saudável ano
letivo!
Porquê a Música?
Seja com que idade for, a música tem o condão de exercer uma atração capaz de despoletar uma série de reações emocionais em quem com ela contacta. Qualquer pessoa que, de forma lúdica ou profissional, lide com música sabe que ninguém consegue ficar indiferente aos seus atraentes e inebriantes efeitos. Coloquemos uma fonte sonora ao dispor de quem se sinta atraído pela música e constataremos que, de forma natural e intuitiva, essa fonte será experimentada e explorada, tal o poder da música.
Por mais
difíceis que, em diversas
circunstâncias, possam parecer as
condições para produzir música, a
vontade de a concretizar é sempre mais
forte, conseguindo assim superá-las. A
história da música assim o regista e a
música na atualidade comprova-o.
Havendo vontade, persistência, empenho,
dedicação e disciplina, surge música
onde haja engenho e arte para a criar e
interpretar.
A par da
Matemática e da Filosofia, antigamente,
a Música era considerada como
fundamental para a formação dos futuros
cidadãos. Ao longo dos tempos, as
cantigas de rodas, as lengalengas
populares e outras músicas do folclore
regional sempre exerceram uma função
muito importante nas relações
socioculturais e no desenvolvimento
psicológico e corporal das crianças do
mundo inteiro. A música pode, também,
contribuir na aprendizagem doutras
disciplinas, favorecendo o
desenvolvimento de áreas correlacionadas
(cognitiva, linguística, psicomotora e
socioafetiva).
Estando a
música presente na vida e na cultura dos
povos, potenciando transformações,
determinando condutas e conceitos e
servindo como forma de expressão da
sensibilidade, da criatividade e dos
valores éticos e estéticos, ensiná-la
respeitosa e condignamente é uma
obrigação! Parece-me, por isso,
imperioso e fulcral ter, como veículo
potenciador e catalisador, gente que
queira e goste de ensinar música a quem
esteja disponível para a aprender.
“Querer é poder”
é mais do que uma frase feita. Tendo-se
baseado nesta premissa, todos os agentes
educativos têm encontrado ao longo da
história, para além de todas as
diferenças sociais, económicas, étnicas,
geográficas, políticas e religiosas,
formas de superação e de união em torno
de um objetivo comum: dignificar e
valorizar a Música.
Quando me questionam quais são os fatores mais importantes para o ensino e aprendizagem da música nas escolas, apetece-me responder apenas: “O querer!” A Escola acontece quando alguém aprende o que alguém tem para ensinar, independentemente do espaço físico onde tal ocorra. E não há melhor exemplo para o mostrar ao mundo do que a mais antiga e universal língua colocada à disposição de toda a humanidade – a Música. Haja quem a queira aprender e o céu será o limite!
A pandemia na música coral
Como resultado da proibição de todas as manifestações coletivas, durante o primeiro surdo pandémico da Covid-19, também os grupos corais se ressentiram da paragem forçada dos ensaios presenciais. Por mais que tenham tentado manter a chama acesa (o prazer e o gosto pela atividade coral) através de reuniões síncronas por meios telemáticos, estes “ensaios” virtuais não conseguiram substituir a verdade coral dos ensaios presenciais.
Ensaiar e cantar
num coro pressupõe usar todos os
sentidos, dando assim sentido a quem,
como eu, defende que um coro canta o que
vive. Formado por unidades tímbricas
distintas, encontra o seu propósito
quando, na sua perfeita junção e fusão,
coloca os naipes vocais a soar como
autênticas famílias instrumentais. Ora,
tal propósito só se adquire através de
ensaios presenciais, onde a vivência, a
convivência e a empatia operam o efeito
desejado.
Como resultado de
um desconfinamento progressivo (e
ansiado), muitos coros deste país estão,
neste momento, divididos no que deverão
fazer e como agir. Ao contrário dos
jogadores de futebol que são testados
quanto ao seu estado de saúde antes de
qualquer treino ou jogo, os vinte
coralistas com permissão de se juntar no
“estado de alerta” (que se antevê
prolongado) não o farão.
É compreensível
que a vontade de cantar e conviver
musicalmente em grupo é muita, que
grande parte dos diretores corais
queiram justificar os seus honorários e
que, sem atuações corais, muitos coros
amadores venham a perder uma das suas
principais fontes de receita. Por isso,
têm decorrido uma série de webinar
(seminários realizados através da
internet) com diretores corais,
coralistas e elementos dos órgãos
sociais de coros de Portugal e doutros
países.
Tomando como
referência de debate e de discussão os
pareceres de peritos em vários setores
da saúde pública e diretores corais de
outros países que desconfinaram mais
cedo do que nós, cantar em grupo com o
uso da máscara, de viseiras ou com
grandes distâncias entre coralistas,
mais uma vez não reúne o consenso da
comunidade coral nacional. E para
reforçar tais receios e alguma
apreensão, vamos dando conta do contágio
de coralistas nalguns coros que já
começaram a ensaiar.
Cantar, rir,
tossir, espirrar ou tossir são
atividades libertadoras de gotículas e
aerossóis que propagam os vírus no ar.
Um estudo publicado no New England
Journal of Medicine, a meio de abril,
estima que o tempo de vida infecioso de
partículas aerossol do novo coronavírus
no ar, em condições propícias, é de três
horas. Por concentrar várias dezenas de
pessoas no mesmo sítio, há especialistas
que recomendam que os coros não deveriam
ensaiar presencialmente na atual
situação de pandemia.
Cantar de máscara
colocada é difícil, cansativo e penoso.
Cantar com uma viseira colocada
desvirtua as qualidades sonoras que se
exigem na interpretação coral,
mascarando assim o resultado. Talvez,
por isso, alguns coros tenham optado por
cantar em ambiente exterior, com a
distância devida de dois metros entre os
seus membros. Mas, para além de ser
pouco prático, quantos coros terão ao
seu dispor as condições necessárias para
ensaiar em locais exteriores não
públicos?
Ao cantar, um coralista realiza respirações mais profundas e projeta a voz. Tendo na acústica um aliado necessário e nas cordas vocais o seu utensílio, é difícil que as pessoas estejam distanciadas umas das outras. Por isso, é-me difícil aconselhar seja quem for na decisão a tomar relativamente ao reatamento dos ensaios corais. Tal como noutras vertentes artísticas, primeiro deve-se preservar a saúde dos coralistas e das suas famílias para que, a seu tempo, possamos – todos – cantar a uma só voz!
O que é necessário para ser músico?
Em pleno séc. XXI, ainda é hoje difícil para muitos encarar a música como um modo de vida. Por muitas razões, a música é muitas vezes dissociada da esfera do trabalho, por ser entendida, para muitos, como uma atividade pouco lucrativa ou rentável. Tendo em conta que o nosso entendimento sobre o que é considerado profissão é relativo e limitado à construção social que fazemos das profissões e do trabalho, podemos perguntar-nos se as artes constituem, ainda, uma esfera distinta de outras, na qual nenhum dos princípios de funcionamento é comparável aos dos vulgares mundos de produção, ou se, pelo contrário, deve o trabalho artístico ser considerado também como uma profissão?
Infelizmente, as condições em que os músicos trabalham são precárias: as oportunidades de trabalho escasseiam com o aumento da oferta; a instabilidade é constante; o acesso a uma posição de prestígio é longo e demorado; os salários são baixos, tendo em conta os gastos elevados (formação, atualização e manutenção); o esforço diário e o investimento pessoal são grandes.
O que leva então os músicos a querer abraçar a carreira profissional? O constante desejo em ver reconhecida a sua atividade e a sua obra; a possibilidade de fazerem coisas diferentes com grande frequência e de fazerem aquilo de que mais gostam, permitido assim o acesso a um conjunto de outros benefícios (adrenalina, prazer, união, companheirismo, convivência, reconhecimento, prestígio, etc.); as recompensas que atuam ao nível da satisfação e do bem-estar psicológico e social. Em resumo, são os argumentos não monetários que permitem compensar a parca retribuição pecuniária.
O mercado de trabalho musical é limitado em termos de oportunidades, oferecendo poucas possibilidades para o integrar. Nesse sentido, muitos veem-se obrigados a assumir diversas atividades, de forma a sobreviver e a combater as situações de maior fragilidade laboral. A maioria dos músicos assume ter mais do que uma atividade, seja dentro ou fora do ramo musical. A incerteza laboral é uma constante na atividade destes profissionais e são muitos os obstáculos e as dificuldades diárias. Mas, mesmo assim, para lá da exigência, da necessidade de adaptação, da instabilidade, do trabalho, do rigor e do estudo constante, continuam a almejar uma carreira profissional promissora e estável.
Poderemos então considerar que é músico quem estudou música e vive unicamente da execução musical, tendo para isso que estar coletado, passar recibos, pagar impostos, ser sindicalizado e reconhecido pelos pares como tal? Se afirmarmos que sim, levantam-se então outras questões pertinentes: e aqueles que, não tendo aprendido música, através das suas capacidades inatas e prática musical, compõem, produzem e interpretam música? E aqueles que tendo outra profissão, tocando ocasionalmente, ombreiam e até superam qualitativamente alguns músicos profissionais? E aqueles que, não sendo remunerados, usam a música apenas para satisfação própria e de outrem? Imaginem-se a fazer estas perguntas relativamente a outras profissões. Pareceriam disparatadas, não é? Na arte não… felizmente! Da soma e na mistura de uma série de fatores, “fabricam-se” todos aqueles que, através dos sons e dos silêncios, nos tornam a vida mais bela: os Músicos.
Sendo uma classe pouco unida, muitos músicos, por múltiplas razões, olham-se de lado, reclamando o título de músico apenas para si. Serão os músicos profissionais, os poucos que conseguem (sobre)viver exclusivamente da música em Portugal, os únicos músicos do nosso país? Tal como noutros setores profissionais, também a desunião é o “calcanhar de Aquiles” na área musical. A grandiosidade e a força duma classe cimentam-se na luta contra os preconceitos e a desunião interna. Para que, de uma vez por todas, nos bons e nos maus momentos, todos os músicos ajam como profissionais, urge que pensem também como tal!
Música aos quadradinhos
Depois deste confinamento a que todos
fomos sujeitos, vimo-nos obrigados a um
distanciamento físico com os nossos
colegas, conhecidos e amigos. Felizes os
que conseguiram ter junto a si a família
mais direta, pois, doutra forma,
estariam condenados a um verdadeiro
isolamento social. Mas o que dizer de
quem só consegue colocar o pão em cima
da mesa através do trabalho coletivo
desenvolvido com outros profissionais do
mesmo ramo? E são tantos!
Por mais
multi-instrumentista que um músico possa
ser, só conseguirá mostrar a dimensão,
profundidade, abrangência e qualidade da
sua música se a conseguir harmonizar com
a música produzida pelos pares que com
ele labutam, em sincronia plena - ao
vivo. Seja nos ensaios, nos testes de
som ou nos concertos, a música executada
em grupo só atingirá o resultado
desejado quando, una e indivisível,
chegar ao ouvinte, como um casamento
perfeito entre os seus membros.
Em total isolamento
e afastamento presencial dos seus
colegas de conjuntos, agrupamentos,
bandas, coros e orquestras, muitos dos
seus elementos têm tentado manter-se
ativos no estudo, no aperfeiçoamento e
na execução do seu instrumento. Mas como
interagir com os seus camaradas de lida
musical? A resposta encontra-se,
obviamente, no uso das ferramentas
telemáticas ao dispor.
Com inúmeros
programas de comunicação virtual ao
dispor, muitos músicos começaram a usar
a comunicação assíncrona (interação e
comunicação temporalmente diferida) e a
comunicação síncrona (interação em tempo
real através da utilização de recursos
tecnológicos síncronos). Trocando e
partilhando ficheiros áudio e vídeo
entre si e visionando, ensinando e
aprendendo novas formas de executar e
interpretar, muitos músicos, na falta de
um palco para se mostrarem, começaram a
fazer das redes sociais os seus palcos
privilegiados.
Não podendo tocar
em conjunto, os músicos começaram a
valer-se da técnica usada em quase todos
os estúdios de gravação: tocar/cantar
por cima de uma pista sonora já
pré-gravada. Gravados em distintos
aparelhos tecnológicos e em condições
acústicas diferenciadas, limitam-se a
enviar a sua prestação individual para
alguém que, com os programas de edição
caseira disponíveis, se substitui a um
engenheiro de som/imagem e, numa tela
segmentada em pequenos quadrados,
encarregar-se-á de nos fazer crer que
estamos a “ouver” os grupos que nos
habituámos a apreciar ao vivo.
De repente, vemos
músicos aprisionados em quadradinhos,
interpretando a música que devia ser
sentida, absorvida e partilhada por
todos, no mesmo espaço, no mesmo tempo e
com todos os sentidos alerta e em
sintonia. Ao vivo, como se quer a música
viva. Será que teremos de esperar o
tempo necessário para ficarmos imunes,
para nos livrar deste vírus telemático
que nos prende em pequenas jaulas nos
nossos/vossos écrans? Faço figas para
que não. A bem da música!
Para grandes males grandes músicas
Devido a um
malfadado vírus, fomos forçados a
permanecer confinados em casa por tempo
indeterminado. Ainda a “procissão vai no
adro” e este isolamento físico já teve o
condão de, através das redes sociais,
abrir a casa/espaço de muitos à
comunidade. Entre pseudo-dotes,
almejados-dotes, declarados-dotes,
assumidos-dotes e reconhecidos-dotes,
muitos portugueses têm procurado ocupar
os seus tempos livres (das habituais
ocupações) produzindo, interpretando e
partilhando música on-line ou nas
varandas das suas casas.
Além de servir como
uma boa terapia ocupacional, a música
tem servido também para combater o
isolamento social, potenciando a
interação familiar, tal como o
entretenimento e a fruição de quem a
consome. A música é uma parte importante
da nossa identidade e o seu potencial
simbólico reside no facto de poder ser
usada para expressar e manter tanto as
diferenças como as similaridades.
A música é uma das
formas de expressão da cultura popular
que exerce uma importante função na
construção de identidades na sociedade
moderna. Conseguindo quebrar a barreira
das diferenças culturais, possibilita
novas práticas sociais.
Independentemente das diversas
categorias étnicas da sociedade, as
pessoas formam identidades em torno de
diferentes tipos de músicas.
As evidências científicas ainda são ténues, mas alguns estudos têm mostrado que, além do bem-estar e do prazer que proporciona, ouvir música pode ter efeitos terapêuticos em diversas áreas, sobretudo ao nível do comportamento. Diferentes regiões do cérebro são responsáveis por interpretar diferentes propriedades da música, podendo assim explicar a sensação de “arrepio na espinha” que sentimos ao ouvir determinadas músicas.
Estimulando a libertação de dopamina (uma substância química que promove a motivação e o bem-estar), a música molda sentimentos e emoções, ajudando ainda a gerir sensações menos agradáveis, já que funciona como uma distração, desviando a atenção de eventuais fontes de stress e ansiedade. Ajuda também a reduzir a tensão muscular e diminui a libertação de hormonas associadas ao stress.
Procurando usá-la como mais necessitamos ou nos agrada, a música mostra-nos ser útil em diferentes momentos. Um dado que tem sido apontado como razão da música estar tão presente em distintas situações das nossas vidas é sabermos que grande parte das pessoas costuma gostar de ouvir entre oito a dez géneros de música. É quase como se tivéssemos um tipo de música para cada situação!
Vivendo um período conturbado das nossas vidas, em que um vírus nos roubou o prazer de produzir, tocar e desfrutar - presencialmente - com os outros, aqui apelo que façam também da música um escudo protetor para os males que vos possam afligir. Porque não há mal que sempre dure, ao contrário da música!
Música no 1.º ciclo de escolaridade?
Não poderia estar mais de acordo com a introdução ao documento “Aprendizagens essenciais/ Articulação com o perfil do aluno” que o Ministério da Educação, em julho de 2018, publicou como documento orientador para o ensino/aprendizagem da Música no 1.º ciclo de escolaridade: “(…) A música é uma prática social comunicativa e expressiva. A partir do ouvir e através da produção sonora em conjunto do cantar, do tocar, do compor, do olhar, do escutar, as crianças e jovens dialogam e constroem significados, partilhando-os e transformando-os, enriquecendo assim as suas práticas e horizontes culturais, em consonância com as diferentes Áreas de Competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PA). A música existe no conjunto, no fazer e partilhar com os outros, no dialogar, na pergunta-resposta, e em inúmeros pequenos rituais que fazem parte do nosso quotidiano coletivo. (…) Desta forma, propõe-se que, à medida que progridem, os alunos aprofundem a sua apreciação, compreensão e desempenho musicais, permitindo criar, recriar e ouvir através do desenvolvimento de competências de experimentação, de improvisação, de composição, de escuta, de reflexão, de movimento, de interpretação (no sentido de performance), contribuindo para a sua formação como sujeitos criadores e fruidores de Música”.
No campo teórico e das intenções, este texto faz todo o sentido. Os jovens aprendizes, até antes do primeiro ciclo de escolaridade, deverão tomar contacto com as grandes aprendizagens essenciais na área da música: experimentação e criação, interpretação e comunicação e apropriação e reflexão. Mas como implementar no terreno tais meritórias intenções?
Enquanto professor e formador, tenho vindo a constatar que nos últimos anos em que tem sido realizada a prova de aferição de Expressões Artísticas no 2.º ano de escolaridade, cada vez me chegam mais relatos de professores titulares das turmas, comprovando que não basta exarar documentos orientadores muito bem intencionados, quando quem os irá aplicar não está preparado nem estimulado para o fazer.
Por vários motivos que espelham a realidade de um país que não se encontra na situação económico/financeira dos países que inspiraram a produção do documento sobre o qual aqui escrevo, é hoje possível constatar que não basta querer, é preciso ter os meios para fazer acontecer. Com mais de metade dos professores do 1.º ciclo de escolaridade (extenuados e ansiosos) à beira da reforma, com a falta de formação contínua na área da Expressão Musical, sem o investimento em novos equipamentos e materiais de produção musical e sem o interesse das novas gerações em abraçar a profissão de professor, vejo com alguma reserva e desconfiança a colocação em prática de tão ambiciosas teorias.
Serão as famigeradas, a seu tempo, AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular) e os atuais professores titulares das turmas do 1.º ciclo, que se desdobram pelas várias áreas curriculares, muitas vezes sem condições infraestruturais e materiais, que conseguirão implementar tal desiderato para a Educação Musical no 1.º ciclo de escolaridade? Por mais provas de aferição que todos os anos se realizem, não me parece ser possível aferir o que, por falta de real e eficaz investimento, se resume a meros processos de intenção. “Onde é que já vi este filme?”, é o que me apetece perguntar, após algumas décadas de ensino que já levo em cima.
Música tradicional – um património imaterial que urge apoiar
Há mais de trinta anos, quando ia ao Círculo Cultural do Algarve (Faro) assistir aos ensaios do grupo Dar de Vaia, estava longe de imaginar que, volvidos tantos anos, a representação da música tradicional portuguesa/algarvia no Algarve iria estar restringida a uma meia dúzia de grupos que, estoicamente, resistem ao abandono e desinteresse das entidades produtoras e promotoras musicais.
Entristece-me e confrange-me saber que muitos grupos que por cá (Algarve) existiam, e que ajudavam a preservar, a divulgar, a promover e a enriquecer a música tradicional portuguesa, foram obrigados a terminar ou a virar-se para outros géneros musicais, uma vez que, progressiva e acentuadamente, lhes foi faltando o apoio que lhes garantiria a motivação necessária para continuarem a despender o seu tempo, disponibilidade e algumas poupanças na nobre e meritória função de manter vivo o património imaterial musical português.
Não sendo a música de raiz, cariz e inspiração tradicional portuguesa uma música comparável à música que é tornada popular pelo destaque e promoção que são dados pelos órgãos de comunicação e pelas redes sociais, naturalmente não é solicitada para os eventos e iniciativas a que deveria estar também associada. Não é, de facto, uma música destinada a grandes animações, festas e ações de entretinimento, e por isso tem sido penalizada, ostracizada e esquecida.
Saúdo o investimento que algumas entidades públicas na área da cultura, da educação, do turismo e da administração local têm vindo a efetuar na reabilitação, promoção e divulgação de algum património edificado (material) do Algarve. É claro que gostaria que a mesma atenção, dedicação e investimento fossem também concedidos a quem mantém vivas as tradições musicais portuguesas (património imaterial).
Não gosto muito de ter que recorrer a comparações para que quem de direito e com responsabilidades reflita na importância das suas ações, mas quando determinadas inações têm consequências diretas na vida das pessoas, sinto-me na obrigação de, publicamente, referir o que me é dado a observar nos países que levam a sério o investimento no apoio ao seu património imaterial. Basta atravessar a fronteira e entrar na vizinha Espanha e constataremos o valor que, em qualquer espaço público, qualquer espanhol dá à sua música regional.
Não basta usar o slogan “O que é português é bom!”, quando, recorrentemente, se vota ao esquecimento as raízes musicais que nos fizeram chegar à música portuguesa que, hoje, é dada a fruir ao mundo. Porque quem renega as suas tradições, jamais terá uma perspetiva do que virá a ser o seu futuro!
Palmas para ti, António Lopes
Quem, como eu, privou com o Professor Doutor António Lopes sabe que ao vê-lo partir, ficámos privados do contacto físico com um grande homem e, sobretudo, com um homem bom. Ao deixar-nos, várias instituições de ensino a que esteve ligado constataram, de imediato, o seu empobrecimento. O “nosso” António levou com ele um enorme saber e uma alegria de viver que contagiou todos os que com ele privaram.
Sendo um homem das letras (professor universitário de língua inglesa, cultura inglesa, literatura inglesa, estudos culturais e estudos literários), desde o primeiro dia colocou ao dispor do Conservatório de Música de Olhão (CMO) toda a sua musicalidade, criatividade, sabedoria, disponibilidade e bondade. Pai atento, colaborante e participativo, foi um exemplo a seguir para todos os que acreditam na realização dos sonhos através do empenho, do trabalho, da dedicação e da perseverança.
Com um sorriso nos lábios, os seus olhos cintilavam quando, disponibilizando-se para acompanhar os alunos do CMO, colocava as mãos no piano e mostrava ao mundo que a música era também o seu mundo. Sempre disponível para o que fosse necessário, desde cedo, constituiu-se como uma peça-chave na engrenagem que faz mover uma escola de música.
Sempre com um enorme desejo de aprender, aceitou o desafio que o Conservatório lhe lançou para que abraçasse a aprendizagem de um instrumento à medida da sua grandeza – o contrabaixo. E em pouco tempo foi possível vê-lo a tocar, dedicado e seguro, com a orquestra de cordas do CMO, tendo sido um exemplo para todos, principalmente para os mais novos.
É sabido que a grandiosidade de poucos toca e é estrela-guia para muitos. Foi e continuará a ser o caso do amigo de sempre (e para sempre) António Lopes. Todos nós, elementos que constituem o Conservatório de Música de Olhão, teremos por ele uma eterna dívida de gratidão. De pé e efusivamente, prestar-lhe-emos, sempre, a devida e merecida homenagem.
Palmas, muitas palmas para ti, António. Mereceste-as em vida e continuarás a merecê-las onde quer que estejas!
* António Lopes, natural de Faro, foi professor da Universidade do Algarve. Faleceu no dia 14 de dezembro de 2019, aos 52 anos, vítima de doença.
Os professores são «bué da fixes» e o ambiente é «altamente»!
Recordo com alguma saudade e nostalgia as divergências e desacordos que mantive com Pedro Ruivo, um dos fundadores do Conservatório Regional do Algarve Maria Campina. Sempre tivemos grande respeito e educação um pelo outro, mas tal não nos impedia de vincar a nossa posição. Na altura em que com ele privei, tinha idade para ser seu neto e, como tal, a deferência que por ele nutria era notória. Entre muitas outras coisas, não se cansava de proferir aos “quatro ventos" que jamais seria possível ver num músico um gestor de sucesso. Dizia que os músicos são artistas e, como tal, são sonhadores, “cabeças no ar”, “despistados”, enfim: ausentes da realidade.
Foram essas e outras palavras que fui ouvindo durante a juventude que me deram alento para mostrar - na prática - que ele, e muitos como ele, estavam errados. Quem me dera tê-lo agora entre nós para, com agrado, lhe mostrar o que quatro músicos/professores conseguiram fazer na área da gestão cultural. Seria com grande prazer e orgulho que o receberíamos em Olhão, numa casa com o mesmo espírito que ele e a sua esposa, Maria Campina, imprimiram nos primeiros anos do Conservatório.
Com o passar do tempo, aprendi que não adianta ripostar palavras vãs quando é nas ações que reside a verdade. Quase quinze anos depois de termos realizado o sonho de colocar os nossos conhecimentos, aspirações e anseios ao serviço da Música e de Olhão/Algarve, é com um misto de sensações de dever cumprido e desejo de continuar (fazendo diferente mas sempre mais e melhor) que eu, o Adriano St. Aubyn, a Anabela Silva e o Rui Gonçalves agradecemos a todos (muitos) que nos ajudaram neste percurso cheio de inúmeras conquistas, de vários desafios superados e de alguns contratempos que, não nos tendo derrotado, consolidaram a amizade e ajudaram-nos a crescer.
A meio da jornada (há sete anos), recordo-me de um episódio que vivenciei e que continua a ser uma referência do trabalho que realizámos enquanto professores e administradores. Falando com um colega do meu filho, que então não me conhecia, ouvi algo que me fez ganhar o dia. Respondendo-me à questão que lhe coloquei sobre a razão de frequentar o Conservatório de Música de Olhão, morando em Faro, disse-me apenas: “...apesar das instalações não serem nada de especial, os professores são «bué da fixes» e o ambiente é «altamente». Estou muito contente em cá estar!”. Hoje, noutras instalações, maiores e melhores, estas palavras continuam a fazer todo o sentido, continuando a motivar-nos, dando-nos alento e fazendo-nos continuar a acreditar que, todos, seremos unos no propósito de servir a música!
Qual o valor de um bilhete para um concerto?
Paulo Cunha
Tendo em
conta que a arte engloba uma série de
disciplinas e de linguagens estéticas
(arquitetura, desenho, escultura,
pintura, literatura, música, dança,
teatro, cinema e circo) em que o
processo criativo surge da necessidade
de expressar emoções, sensações, ideias
e ideais, apetece-me perguntar quais são
os fatores que nos permitem atribuir um
valor correto a uma obra? Serão
mensuráveis e quantificáveis?
Obviamente, todos os fatores que possam
ser enumerados contribuirão para a
inevitável lei de mercado em que a
procura condicionará a oferta e
vice-versa.
No caso
particular da música, em que a criação,
a produção e a execução musicais estão,
hoje, completamente dependentes,
submissas e condicionadas à indústria
musical, o preço final de um ingresso
para uma qualquer apresentação musical
estará, inevitavelmente, dependente de
uma série de circunstâncias diretamente
ligadas aos custos de agenciamento,
promoção, produção e do cachet do
artista. Não é por isso de estranhar
alguns preços praticados em concertos de
certos géneros musicais, em que para a
generalidade do público o preço cobrado
parece excessivo.
Durante
muitos anos, após um período em que a
oferta de concertos musicais em
Portugal era diminuta, instituiu-se uma
cultura de intervenção, de apoio e de
subsídio por parte do estado e das
autarquias à produção e à realização de
eventos musicais, o que com o passar do
tempo criou e fidelizou público mas, ao
mesmo tempo, criou o mau hábito de achar
que os concertos onde tocam músicos
ligados às “outras músicas” ou à música
pouco comercial deverão ser gratuitos ou
mais baratos.
Tal como
numa consulta com qualquer profissional
da saúde ou da justiça, que, por mais
curta que seja, está devida e
justificadamente tabelada, um concerto
também o está e não é a sua duração que
justifica o custo do bilhete, mas sim
todo o investimento, trabalho e tempo
despendidos até ali chegar. Poucos
questionam o preço que se paga para
assistir a jogos de futebol
profissional, mas muitos acabam por se
queixar publicamente do preço de um
bilhete para um qualquer concerto.
Terão os
músicos que ser artistas beneméritos e
“porreiraços” que vivem das palmas, dos
favores do poder, do desenrascanço e da
caridade alheia? Profissionais que quem
contrata pede para baixar o cachet e que
quem assiste pede “borlas”. Tal como
noutras profissões, não tendo um salário
fixo, somam o valor dos bilhetes,
subtraem-lhe o valor dos impostos,
dividem-no pelos dias que estão sem
tocar e pelas contas por pagar e
multiplicam as preocupações até ao
próximo concerto. Por isso, afirmo
perentoriamente: seja qual for o valor
de um bilhete para um concerto, é - com
certeza - pouco para tudo o que os
músicos investiram para, num só momento,
tudo proporcionar!
Carreiras musicais à medida
Paulo Cunha
Tomando como referência Portugal, país de onde raramente se tenta sair para, musicalmente, conquistar outros mundos, facilmente enumeramos o nome dos cantores/conjuntos musicais portugueses que nos acompanharam (e continuam a acompanhar) no nosso crescimento. Dessas mãos cheias de músicos que compuseram e interpretaram as músicas que hoje são as das nossas vidas, rapidamente nos vêm à memória os seus nomes, bem como os seus êxitos mais representativos.
Sem nunca terem sido convidados para as nossas casas, muitos cantores e grupos musicais nelas entraram através da sua música e connosco convivem diariamente. Em suma, já fazem parte da família! Todos eles, músicos maduros, experientes e sábios, que contabilizam mais de metade das suas e das nossas vidas a tentar que a música não seja apenas um hobby, um biscate ou um complemento salarial, dão o devido prestígio e dignidade à profissão Músico. Só por isso, já são dignos do respeito dos seus fãs e dos seus pares.
Acumulando décadas de trabalho, resistiram às várias transformações socioculturais que, ciclicamente, ditam as ditatoriais modas musicais. As tais modas que, em empoeiradas prateleiras, facilmente arrumam carreiras que se adivinhavam promissoras. Crescendo connosco são, por isso, motivo de interesse e de aprendizagem por parte dos aspirantes a músicos.
Saber ler os sinais que, escondidos entre os “barulhos das luzes”, inebriam os músicos demasiado ambiciosos, é meio caminho andado para ultrapassar a previsível desilusão ou até o fracasso. Estar atento e aprender com as carreiras musicais dos mais velhos, os tais “dinossauros musicais” que ainda temos a sorte de ter entre nós, é um privilégio só ao alcance de quem sabe que uma carreira é como uma escalada. Por isso mesmo, sempre aconselhei aos aspirantes a ter sucesso musical boas doses de humildade e de reconhecimento por todo o conhecimento que todos os dias a vida nos proporciona.
Mas fará sentido falar em carreiras musicais, hoje? Talvez fosse mais coerente falar em percursos musicais, tal a forma como, neste cantinho luso, se vive dependente da indústria e do comércio ligados à música. Contratualizados e vinculados às poderosas multinacionais discográficas, os novos e atuais “artistas musicais” da nova era, tal como os jogadores profissionais de futebol, veem a sua atividade laboral gerida por outrem.
Sendo Portugal geograficamente pequeno, não há espaço para grande concorrência nos diversos nichos musicais que o servem, por isso, depois de usados, há que dar lugar aos novos músicos/cantores. Fabricados para consumo rápido, provavelmente não terão o tempo devido para o crescimento e envelhecimento que observam nos artistas da “velha guarda”. Tal como os outros com as chuteiras, neste caso, prematuramente, pendurarão os instrumentos e os microfones … e ainda com tanto para dar e mostrar!
É claro que fico feliz por ver tantos jovens músicos e agrupamentos musicais com pouco tempo de percurso firmado a aventurarem-se e a encherem as salas emblemáticas que, antes, consistiam no corolário de uma vida musical. “Empurrados” pelas suas editoras/agências para, em menos de metade do tempo dos seus antecessores, percorrerem um caminho já conhecido, passam pelas várias “casas” deste jogo, que para a indústria musical não é mais do que um simples Monopólio e onde os músicos não passam de peças à espera de serem substituídas.
Seja na música, seja no que for, não basta ser bom, é preciso mostrá-lo, administrá-lo, potenciá-lo e geri-lo. Chama-se a isso maturidade! Têm-na? Ótimo, usem-na, mas nunca percam a humildade, a independência e a dignidade - condimentos certos à mão de semear!
30-09-2019
Para quando o grande “Festival de Música do Algarve”?
Paulo Cunha
Não sendo um grande fã dos apelidados festivais de verão, acompanho com alguma atenção este fenómeno que, tal como noutros países, tem vindo a crescer e a consolidar-se em Portugal, gerando enormes receitas e servindo de âncora para a economia sustentada pela indústria, comércio e turismo. Como muitos de vós, valorizo a música em toda a sua plenitude e por isso tenho alguma dificuldade em vê-la tratada com outros propósitos que não sejam os que a tornaram a nobre arte. Daí algumas reservas em relação a “Festas e vais”… mas isso são outros “quinhentos”!
Sabendo que os festivais em Portugal são uma aposta relativamente barata de entretenimento, com grande grau de satisfação e consistindo numa boa solução de férias em tempos de crise, é natural que as empresas ligadas à produção de eventos musicais procurem patrocinadores privados e institucionais que caucionem a contratação das “estrelas” nacionais e internacionais que garantirão o sucesso dos eventos programados.
Temos, dizem os agentes, um mercado solidificado e rentável que já pertence ao circuito mundial de festivais. Sendo atrativo, pelos preços baixos e pelo clima, ao crescente público estrangeiro que nos visita, em Portugal o número de concertos e os lucros daí resultantes têm crescido consistentemente ao longo da última década, acompanhando assim a tendência mundial.
"Em alturas de crise, as pessoas querem escapar, querem divertir-se, e um festival oferece essa possibilidade (…) Os festivais são em maior número, mas diversificaram-se, o que permite chegar a vários públicos", refere um promotor/produtor, atribuindo a esses fatores a história do sucesso dos festivais em Portugal.
Com os músicos mais disponíveis para digressões devido à quebra acentuada na venda de discos, e com o público habituado à experiência do universo que rodeia os concertos, os festivais tornaram-se parte de um roteiro que já não é apenas para melómanos e apreciadores de música. Apesar das dificuldades que vivemos em Portugal, o nível de vida tem vindo a subir e os festivais de música já integram o cabaz das necessidades de muitos, consistindo até um percurso iniciático de vida para os mais jovens.
Devido à facilidade logística que consiste produzir um concerto ao ar livre, é hoje possível, através da proclamada animação musical, ter qualquer evento, feira, certame, efeméride transformados em minifestivais de música que servirão assim de chamariz para o verdeiro propósito das citadas manifestações de entretenimento e comemoração.
Disputando as vagas ainda disponíveis nas agendas dos artistas da moda, as entidades promotoras e produtoras de todos estes concertos disseminados pelo país pouco ou nada trazem, oferecem ou acrescentam aos músicos independentes, desconhecidos e “suburbanos” que não integram o «mainstream» e a agenda das editoras e agentes sediados na capital.
Estando a escrever-vos duma região que nos meses de verão duplica o seu número de habitantes (Algarve), continuo a estranhar como é que ainda não houve um “tubarão” que, em parceria com uma qualquer multinacional, não se lançou a este mar manso que é a zona sul de Portugal. Tomemos como exemplo a Concentração de Motos de Faro, que no Vale das Almas internacionalizou o Algarve, porque não colocar o Algarve na rota dos Festivais de Música realizados no verão, a exemplo dos que, em Portugal, já se tornaram referências internacionais? Porque perguntar não ofende, aqui deixo esta dica…
28-08-2019
Quando a boa música aterra no Algarve
Paulo Cunha
Ver as principais salas algarvias repletas de público vindo de várias localidades para ouver os seus músicos nacionais e internacionais de eleição é um sinal mais do que suficiente para que os promotores e produtores musicais comecem a incluir, todo o ano, o Algarve na programação das suas agendas. Os residentes e visitantes algarvios há muito tempo que dão sinais de serem um público interessado, presente e participativo. Os vários concertos lotados comprovam-no!
No dia 10 de julho de 2019, o Teatro das Figuras, em Faro, testemunhou, uma vez mais, a apetência e o acolhimento de um público fiel e interessado em artistas de comprovada relevância e excelência criativa, técnica e interpretativa. Depois do ano passado ter efetuado três concertos no (costumeiro) Coliseu dos Recreios, em Lisboa, desta feita o clã Veloso aterrou em Faro para presentear e deleitar todos os fãs e admiradores que, num ápice, esgotaram os ingressos para o concerto realizado na maior sala de espetáculos da capital algarvia.
Segundo Caetano Veloso, não foi fácil juntar os seus três filhos, Zeca, Moreno e Tom, para tocarem e cantarem consigo ao vivo. Depois de convencer Zeca (o único dos três que inicialmente estava mais reticente), o cantor brasileiro levou quase três anos para conciliar as agendas dos quatro. Por não passar tanto tempo com os filhos desde a altura em que estes eram pequenos, Caetano Veloso considerou o concerto de quase duas horas como uma oração a um tempo fecundo e uma homenagem à reprodução.
Permitindo, finalmente, a reunião de um pai com os seus três filhos, num palco onde todos os momentos foram impregnados de afetos, cumplicidades, risos, danças, inconfidências e criatividade, foi possível partilhar, conhecer e assimilar histórias da música e da vida desta genial família brasileira.
Com a participação do deliciado, encantado e participativo público presente, o jovem homem velho, patriarca de 76 anos, recordou e homenageou a sua mãe Claudionor Viana Teles Veloso (Dona Canô), interpretando o tema Ofertório, música e letra que compôs para a celebração dos 90 anos de quem, em Santo Amaro da Purificação, no interior da Baía, o colocou no nosso mundo.
Perto das 23h30, eu e o meu filho Miguel saímos deste ofertório musical num estado de autêntico encantamento musical e espiritual. Tudo se conjugou para que tal tivesse acontecido: a sala esteve cheia com um público atento, respeitador e participativo; o cenário, sóbrio e atraente, foi servido e complementado por uma muito profissional e eficaz luminotecnia e sonoplastia; os músicos revelaram um grande profissionalismo e mestria interpretativa aliadas à naturalidade, empatia e comportamentos afetuosos próprios duma família que se quer e se gosta.
Quando alguém, depois do concerto, me disse que não tinha ido porque o preço dos bilhetes era demasiado caro, respondi-lhe apenas que, além do que os algarvios pouparam ao não terem que se deslocar até à capital, o preço foi similar ao de uma consulta médica ou psicológica e o efeito, provavelmente, foi o mesmo.
Não posso terminar esta minha singela homenagem à música brasileira, através da apreciação à música da família Veloso, sem recordar um ato revelador da importância que a harmonia, o ritmo, a melodia e a palavra vindas do outro lado do Oceano Atlântico têm para o mundo. Muito me sensibilizou o facto do meu amigo Francisco Gil, tendo ido de férias ao Brasil, ter-se deslocado propositadamente à casa da Dona Canô (na altura ainda viva), unicamente para lhe agradecer ter dado ao mundo tão grandes filhos (Caetano Veloso e Maria Bethânia). Não lhe abriu a porta, pois, segundo a vizinha, a mesma estaria na casa de uma das filhas. Mas o recado ficou dado! É inquestionável: o Brasil existe e sempre existirá na música que há em nós.
Tendo a Universidade do Algarve (UAlg) completado quarenta anos de existência, incluiu na programação das suas atividades a realização, no dia 7 de junho de 2019, do Concerto Comemorativo do 40º Aniversário da Universidade do Algarve. Contando com a participação da Orquestra Clássica do Sul e do estreante Coro da Orquestra Clássica do Sul, o Grande Auditório do Campus de Gambelas foi pequeno para o vasto público que, nesse dia, lá acorreu.
Para além do simbolismo da data que se pretendia festejar, a mesma iria constituir um marco histórico através da estreia pública de um novo coro sedeado na capital algarvia. Sendo o mesmo composto por muitos algarvios que, em comum, têm o gosto pela música coral, muito naturalmente, tenho com alguns deles uma relação afetiva construída, cimentada e solidificada ao longo do tempo.
Logo que soube do evento, marquei-o na minha agenda como imperdível, para que a minha presença efetiva fosse mais um motivo de apoio e de alento para todos os elementos do novel coro. Sabendo que esta era uma estreia muito aguardada, devido ao facto de muitos dos coralistas integrarem coros da região, e os outros coralistas, por nunca terem cantado num coro, veriam nela a sua “prova de fogo”, cedo percebi que o concerto (gratuito) iria esgotar a lotação da sala. Bastava que, para além do público ligado à UAlg, lá fossem os familiares, amigos e colegas dos coralistas.
Mais do que a música, seria a atração pela novidade o principal tónico para que muitos farenses se deslocassem ao Grande Auditório do Campus de Gambelas. Também eu, antigo professor, diretor coral, colega e amigo de alguns coralistas, não quis deixar de lá estar para, através das palavras, poder aqui expressar o que vi, ouvi e frui.
Quis o destino que, por motivos familiares, não tivesse podido sair de casa, pelo menos, uma meia-hora antes da hora marcada. Ora não sendo eu uma individualidade com acesso garantido aos costumeiros convites, ou chegava a tempo da abertura da porta do auditório ou arriscava-me a não entrar. Bem dito, bem feito: quando lá cheguei, deparei-me com algumas pessoas paradas à entrada. Figuras que, tal como eu, tentavam que a diligente e intransigente porteira lhes facultasse a entrada para, assim, poderem juntar-se a uma parte do público que já ocupava um bocado da escada.
Educadamente, como é meu apanágio, solicitei à senhora com o poder de me deixar entrar (ou não!) que me permitisse entrar e assim sentar-me, partilhando com outros um bocado de chão. Perentória e sobranceira exerceu o seu pequeno/grande poder, negando-me a pretensão. Como não estou habituado a mendigar seja o que for, dei meia-volta e às 21h30, hora do início do concerto, já estava dentro do meu automóvel, preparado para regressar a casa. Não lhe critiquei a atitude, mas sim a forma como expressou a sua autoridade!
Como seria de esperar, no dia seguinte, muita gente, através de mensagens nas redes sociais e no telemóvel, quis saber qual foi a minha opinião sobre a sua participação no concerto, à qual, obviamente, respondi que não iria fazê-lo tomando apenas como base pequenos excertos de vídeo partilhados nas redes sociais.
Mais do que eles, coralistas e diretor coral, lamento não poder aqui ter escrito um artigo sobre um concerto que, por certo, constituiu um marco no seu percurso de vida e uma data histórica no panorama musical algarvio. Não tendo conseguido ouvi-los cantar, contaram-me, posteriormente, a alegria e a satisfação que sentiram ao cantar em grupo. Por eles, pela música e pelo Algarve fiquei feliz! 07.2019 Na
qualidade de agente cultural, músico,
professor de música e, principalmente,
enquanto apreciador e consumidor de música,
é com grande orgulho, prazer e satisfação
que aqui registo, constato e convosco
partilho a evolução que observei e vivenciei
no panorama musical algarvio ao longo do
último meio século.
Tendo sido
surpreendido pela revolução dos cravos com
apenas dez anos, ainda consegui,
principalmente através da minha família,
aperceber-me da parca oferta nas áreas da
formação musical de base e genérica e na
produção, criação e realização musicais
registadas no Algarve num período em que
também a música era condicionada pelos
imutáveis e superiores interesses do Estado
Novo.
Tomando como referência - e até
ponto de partida - a data de 25 de abril de
1974, enquanto espetador e ator atento à
praxis musical algarvia, posso hoje afirmar
que, fruto de determinadas conjunturas
económico/financeiras e políticas culturais,
também na área cultural a democracia
(enquanto escolha das maiorias) passou a ser
a mola impulsionadora da maioria das
decisões culturais até hoje tomadas.
Só quem anda muito desatento ou tem
fraca memória é que não se recordará de um
tempo em que o Algarve musical era pobre,
acanhado, subaproveitado, esquecido e
menosprezado. Em cerca de cinquenta anos
passámos de uma província que só era
relembrada e merecia atenção nos meses de
verão para uma região que durante todo o ano
já consta na agenda musical de Portugal e
até noutras internacionais.
Fruto
duma (ainda que tímida e insuficiente)
descentralização cultural e duma aposta e
investimento na educação e nas produções
musicais por parte de alguns políticos e
decisores visionários, criativos e
empreendedores, muito tem vindo a mudar para
melhor no espetro musical algarvio. Face às
condições que, nas últimas décadas, têm sido
dadas aos artífices e interventores musicais
algarvios, podemos hoje constatar que a
região algarvia, vista e assumida enquanto
laboratório musical, está bem e
recomenda-se!
Muito me apraz
registar que os nossos descendentes têm hoje
uma oferta cultural (onde a música tem uma
considerável quota parte) que é motivo de
satisfação e de regozijo. É hoje possível
ter acesso a uma educação especializada,
profissional e genérica nos vários
estabelecimentos de ensino público,
associativo, cooperativo e privado que, ao
longo das últimas décadas, se disseminaram
pelo barlavento e sotavento algarvios.
Vêm hoje à região algarvia músicos de
várias proveniências gravar e produzir os
seus discos, tal a qualidade dos estúdios de
gravação, dos seus componentes técnicos e,
principalmente, dos técnicos e engenheiros
de som que neles trabalham. Basta ouvir o
resultado e, através dos sentidos, fruir e
apreciar a qualidade dos nossos músicos e
intérpretes para intuir que, em termos de
criação/execução/interpretação musicais
estamos ao melhor nível do que se produz em
Portugal.
Temos (algarvios), hoje,
uma programação musical distribuída por
todos os meses do ano, que nos permite,
quase todos os dias, ter um ou mais
concertos a acontecer nas várias localidades
do barrocal ao litoral algarvio. Basta
estarmos atentos e assim querermos para
encontrar vários tipos de manifestações
musicais a acontecer periodicamente nas
programações semestrais das múltiplas salas
e equipamentos culturais ao dispor, nos
eventos de vária índole, nos festivais, nas
feiras, nos encontros, nos congressos, etc.
Todas elas, eficaz e profissionalmente,
conduzidas por técnicos de som e de luz
algarvios ou residentes no algarve.
A Música, uma vertente artística e cultural
que, para além do sol e mar, está, objetiva
e consistentemente, a colocar o Algarve na
memória de muitos que o visitam… e nós
agradecemos!
06.2019
Crónica sobre um concerto a que não assisti
Paulo Cunha
O Algarve Musical está bem e
recomenda-se!
Paulo Cunha