Mundo
Sílvia Oliveira
O Bairro Muçulmano de Xi’An
- 10/02/2022
Xi’An é uma das
cidades mais antigas da China. Localiza-se
na parte central do país e é a capital da
província de Shaanxi. Foi a capital do país
durante várias dinastias. Uma cidade muito
conhecida atualmente pelo deslumbrante
Exército de Terracota descoberto em 1974.
Outras das suas principais atrações são o
bairro islâmico e a muralha que envolve a
parte antiga da cidade.
Foi no séc.
II A.C. que nesta cidade se iniciou o longo
percurso que iria da China até ao Império
Romano – a tão conhecida Rota da Seda. Esta
rota era percorrida essencialmente por
persas e árabes o que motivou na China o
surgimento de novas culturas e religiões. Os
mulçulmanos de etnia chinesa que aqui vivem
têm a sua origem religiosa neste percurso
comercial histórico. Hoje são mais de 30
mil, os muçulmanos que vivem neste Bairro
dando-lhe vida e tornando-o especial, único
e cheio de energia.
Visitei o bairro
de dia e de noite, e é o que recomendo.
Durante o dia aproveitei para visitar a
Grande Mesquita. A maior e mais antiga, foi
construída no ano de 742 D.C. No bairro
devem existir cerca de dez mesquitas, mas
muitas não permitem a entrada a não
muçulmanos.
Temos sempre que cumprir
as regras básicas para entrar, sapatos à
porta, cobrir os cabelos, as pernas, os
ombros e os braços. Uma gabardine bem
comprida resolvia o problema, mas o meu
vestido tipo abaya, três tamanhos
acima do que visto, também resolveu.
É uma Mesquita particularmente interessante
não apenas pela sua antiguidade, mas também
pela sua original arquitetura mista de
estilos chineses, muçulmanos e árabes.
O Bairro é fabuloso. Quase me perdi
naquele labirinto de ruas, ruelas e becos
sem saída. Foi a primeira e única vez na
minha visita à China que vi um chinês podre
de bêbado, o que não faz muito sentido num
bairro islâmico! Depois tem de tudo: roupas
coloridas, produtos típicos, antiguidades,
bugigangas, iguarias e até cigarras dentro
de gaiolas à venda, que faziam um barulho
infernal.
As comidinhas são de
provar, eu experimentei o Yangrou, é
um pão com guisado de carne de carneiro. O
arroz frito com pickles de repolho chinês e
pimentão também não é de perder. Há ainda
uma variedade infinda de pratos e espetadas
de carnes de boi, carneiro e cordeiro. Os
bolinhos de Jiasan e as tortas de
frutas caseiras como a de caqui também são
bons. Diga-se de passagem, que na China não
comi nada de jeito. Se não fossem os
pequenos-almoços americanos fornecidos nos
hotéis em que fui pernoitando, tinha
encolhido para metade.
De noite, no
Bairro o movimento é imperioso são os
néons que tomam “posse” do cenário, as
ruas têm outra animação e muita, muita
gente…
Esta é sem dúvida uma das
atrações históricas que torna esta cidade
interessante e particular.
O Tunel de Hommer: Um Portal para o Paraíso onde a Natureza é Arte
Bosques, florestas,
lagos de cores irreais, colinas a perder de
vista, glaciares milenares, praias arenosas
e tranquilas, deserto, cascatas, cadeias
montanhosas, fiordes, piscinas de lama,
fontes geotérmicas, um vulcão adormecido e
muitas, muitas ovelhas. Esta foi a Nova
Zelândia que eu visitei. Tão singular que
nem sei se a Alice viu beleza igual no País
das Maravilhas.
Ir à Nova Zelândia e
não visitar os fiordes é somente perder um
dos cenários mais belos e ímpares do mundo.
Acreditem!
Milford Sound é o
fiorde mais bonito e localiza-se em
Fiordland, uma região a sudoeste na ilha do
sul. Esta região é coberta pelo Parque
Nacional de Fiordland, o maior da Nova
Zelândia e também um dos maiores do mundo.
Chegar a Fiordland
requer alguma logística especialmente na
época de inverno, quando existem inúmeras
placas sinalizadoras no interior do parque,
junto às estradas a alertar para não parar
os veículos e tirar fotos, pois existe risco
de avalanche.
É recomendável para
quem viaja em autonomia, iniciar esta viagem
de manhã cedo. Por isso, pernoitamos junto
ao lago Te Anau, que está nos limites do
Fiordland National Park. É o maior lago da
Austrálasia em volume de água doce, fazendo
parte do Património da Humanidade de Te
Wahipounamu (UNESCO, 1990). No lado oeste do
lago apresentam-se três grandes fiordes:
North Fiord, Middle Fiord e South Fiord e
ainda uma magnífica natureza selvagem de
floresta e montanhas.
De manhã cedo,
seguindo pela estrada 94 (a única que nos
leva ao nosso destino) aproximamo-nos do
famoso túnel de Hommer, que liga Milford
Sound a Te Anau, cavado na rocha entre 1935
e 1954. Diz a história que em 1935, cinco
homens com picaretas, pás e carrinhos de mão
começaram a perfurar a Cordilheira de
Darran, num túnel complexo de concluir, pois
as avalanches quando ocorriam chegavam a
matar e ferir vários homens. A falta de
segurança, o clima e a Segunda Guerra
Mundial atrasaram a sua construção. Em 1940
conseguiram o “furo passante”, mas faltava
alargar. Depois foi a escassez de mão de
obra que obrigou à suspensão das obras e
apenas em 1954 passou o primeiro carro
particular. Quem seria o sortudo?
E, assim, foi aberto
um portal para uma das mais bonitas
maravilhas do mundo.
Em 2005 quando lá
estive, o túnel era sinistro… uma só faixa
de rodagem, paredes em granito sem forro,
uma pequena luz sinalizadora à entrada,
depois ficávamos imersos na sua escuridão,
apenas iluminados pelos faróis do carro e ao
fim de 1270 metros, uma nova luz surgia no
topo do túnel assinalando a saída.
A julgar pelo túnel
não teria ido visitar Milford Sound.
Se “a lei suprema da
arte é a representação do belo”, fique
sabendo que este é o cenário que se avista
quando termina o túnel: Imensas montanhas
cobertas de neve, cascatas que se formam com
a chuva e a acrescentar a tudo isto,
floresta subtropical.
Se há coisas que caem no esquecimento, uma delas foi a proibição de parar devido ao risco de avalanche. Difícil era não parar para correr e fotografar aquele cenário extraordinário – a beleza de Cleddau Valley!
Parque Nacional Komodo
A Indonésia é o maior
arquipélago do mundo. Circunscrita por
milhares de ilhas onde se podem observar
vários encantos da natureza: praias,
florestas subtropicais, cascatas, montanhas
e vulcões. Uma enorme variedade de paisagens
e de vida animal.
Quando se viaja de
barco pela Indonésia temos o prazer de ver a
quantidade de ilhas que se avultam pelo mar
de uma forma indistinta.
Desde criança que
tenho um fascínio, misturado com medo, pelos
Dragões de Komodo. Lembro-me de um episcópio
que o meu pai me ofereceu – nos anos setenta
– com imensos filminhos, a maioria dos quais
com animações, onde havia um conjunto deles
que retratava a história e vida dos dragões.
E, desde então, eu sonhei vê-los por perto.
Passaram-se quarenta anos… quando
finalmente embarquei nessa aventura!
O Parque Nacional de
Komodo é formado por três ilhas principais:
a ilha de Komodo, a ilha Rinca e a Ilha de
Padar. Só visitei a ilha de Komodo e a ilha
de Rinca. Consta que na ilha de Padar se
fazem caminhadas bonitas, mas não tive
oportunidade de lá ir.
Em 1986 o Parque
Nacional de Komodo foi declarado pela
Unesco, Património Histórico e reserva
Biológica, por nesta região habitar o maior
reptil vivo do mundo. Estima-se que
sejam cerca de quatro a cinco mil. E vivem à
solta pelas imensas ilhas, sua casa.
Quando entrei no
Parque, como não ia em nenhum Tour tive de
comprar bilhete. Mas não é apenas um
bilhete! É um bilhete para o trekking na
ilha, é um bilhete para ter guia, um bilhete
para mergulhar nas águas cristalinas… foram
ao todo cinco bilhetes! Um negócio e peras!
O nosso nome e nacionalidade fica registado
num livro e penso que seja assim que
controlam as visitas à ilha… e os trocos que
ganham dos visitantes.
– Preparados para
caminhar? Pergunta o guia. E enunciou
algumas instruções importantes: não sair das
trilhas, manter-se perto do grupo, não olhar
diretamente para o dragão, não se aproximar
das zonas de ovos... e pergunta: – Alguma
mulher menstruada?? Retorqui-lhe: – Porquê? Resposta simpática: – É que os
dragões podem ser atraídos pelo cheiro do
sangue e atacar. Quer dizer que os dragões
atacam!?!
Mais algumas
considerações e iniciamos a caminhada pela
ilha. Agarro na minha máquina fotográfica,
desejosa de fotografar lagartos gigantes,
mas cheia de medo, claro.
No início da
caminhada, perto das primeiras habitações
erguidas sobre palafitas, estavam três
fêmeas entorpecidas que mais pareciam estar
sedadas.
Vimos vários dragões
e corríamos para fotografá-los. Obviamente
que no meu grupo estávamos muito
mal-informados sobre estas “estrelas de
Hollywood”.
E foi assim, que o
guia resolveu começar a contar-nos um pouco
mais sobre a vida dos dragões.
Informou-nos que são
carnívoros, que com uma mordida aprisionam
animais bem maiores, como búfalos. Aqueles
crânios que estavam atados em algumas
arvores, tinham sido o resto de alguns
ataques. Explicou-nos que a mordida não é
muito poderosa, mas que liberta um “veneno”
que provoca paralisia
na vítima.
Eu nem sequer ia
munida de equipamento para caminhada. Foi
quando comecei a perceber que afinal o
lagarto não era vegetariano, sentindo-me
desprotegida com os meus singelos chinelitos
de verão.
E como se não
bastasse, avizinhou-se um macho no meio da
trilha. O guia apenas transportava um longo
pau de bambu. Francamente, não faço ideia se
seria alguma arma de proteção/defesa, ou se
seria apenas para facilitar a caminhada ou
sei lá… para
show off!!
Ficámos petrificados
a olhar para o bicho. As italianas do nosso
grupo, davam aqueles gritinhos, típicos de
mulher que descobre que afinal o dragão não
é um camaleão! Eu só pensava que se tivesse
de fugir de um bichinho destes no seu estado
furioso, de chinelos não ia a lado nenhum!
Além disso, os dragões também são bons
corredores, chegam a atingir os 20km/h.
Entretanto esqueci
que tinha máquina fotográfica, abandonei o
modo turista e entrei em modo sobrevivência.
Sem grandes
soluções o guia manda-nos para fora da
trilha. Essa parte foi “fantástica”. Os meus
pés afundavam-se naquele emaranhado de
folhas caídas das árvores. Tal era o volume
de folhas que os pés simplesmente
desapareciam. O mais engraçado era sentir
que as folhas se “mexiam”. Só no final
daquela “pequena” emoção é que o guia
resolve dizer que os lagartos mais pequenos
se escondem no meio da vegetação para se
protegerem dos grandes. Quer dizer que ainda
por cima são canibais. Significa que
nem a própria espécie está a salvo! Mas
vocês estão a pensar que só existem Dragões
na ilha?? – questiona o guia – aqui também
há uma variedade de cobras venenosas. Menu
completo!!
– TIREM-ME DAQUI!!!
Como o calor já
incomodava, alguém do grupo lembrou-se de
perguntar onde nos poderíamos refrescar.
Fomos encaminhados para uma bonita zona de
águas cristalinas. Todos prontos para o
mergulho?? Mas…. Os dragões também são
excelentes nadadores. Ficamos apenas a
contemplar as águas.
Se porventura tiverem o privilégio de visitar estas maravilhosas ilhas, para além das dicas comuns, aquelas que usualmente nos dão, eu acrescento ainda: não levar chinelos.
Labuah Bajo, Ilha das Flores, Indonésia
Após cinco horas de Ferry Boat avista-se finalmente o porto de Labuan Bajo, porto de acesso às ilhas de Rinca e Komodo, onde se podem ver os lendários dragões de komodo.
A Ilha das Flores sempre me despertou curiosidade, não só por ser um dos locais de partida para visitar as Komodo Island, mas também porque tinha sido possessão portuguesa no século XVI. Havia em mim vislumbres de avistar alguma igreja católica e alguém que pronunciasse alguma palavra em português. Porém, a minha curta passagem pela ilha não me permitiu procurar, nem tão pouco cruzar-me, ocasionalmente, com heranças portuguesas.
Já era noite, bem cerrada, quando abandonei o cais caminhando por aquelas ruas mal pavimentadas e sem iluminação urbana. Labuah Bajo é uma cidade portuária, simples e pouco desenvolvida. O primeiro alojamento que vi e com receção aberta foi por onde entrei… sorte minha ainda havia um bungalow.
O vislumbre de uma cama era o que mais me apetecia. E assim foi, caí de redondo… mas não tardou muito e começou a primeira reza. As rezas surgem várias vezes durante o dia e a noite, vindas das mesquitas e são transmitidas por múltiplos altifalantes fazendo-se soar e acatar, por toda a cidade. A perturbação do sono, fez-me “ranger” os dentes, mas em poucos segundos eu estava siderada na borda da cama. Aquele foi o mais magnífico cântico que ouvi até aos dias de hoje: uma “voz” acolhedora, harmoniosa, aveludada, leve, bem articulada e sem falhas. Um autêntico cântico dos deuses, se eu estivesse no mar tinha naufragado como os marinheiros encantados pelo canto das sereias homéricas...
Quando amanheceu não tardei a despachar-me, mas, convencida que por ali não se passava nada, deixei-me ficar à mesa onde tomava o pequeno almoço, contemplando, a paisagem marítima que envolvia a ilha. E nas calmas dirigi-me a duas agências que faziam visitas às ilhas Komodo. Infortúnio o meu que as visitas às ilhas saem bem cedo, pois, a viagem até lá são três horas de lenta navegação.
Por momentos senti-me tomada pela lei da gravidade, tudo em mim “caiu”. Foi como se me tivessem tirado o vento das velas! Rendida com a situação fui deambulando para o cais. E sentei-me a observar a dinâmica que se insurgia. Barcos muito rudimentares, típicos da zona… uns a chegarem outros a partirem. Saído do nada, ali, meti conversa com um barqueiro, pescador, que enrolava uma rede de pesca com a ajuda do seu filho, de tenra idade, diria uns oito anos. Apesar da dificuldade em comunicarmos, línguas diferentes, consegui-lhe transmitir o meu desalento e contei-lhe a minha história. Ele olhava para mim, sempre com atenção e eu quase que me derramava em lágrimas por ter perdido a oportunidade de ir ver os dragões – tão perto e tão longe.
Quase lhe perguntei se me podia emprestar o barco, mas o mais certo seria perder-me por águas de Indonésia, sem cartas de navegação…
Um pouco depois o senhor foi-se embora, mas o seu filho permaneceu no barco a tirar os nós da rede. Sem nada para fazer fui ajudar o menino. Paciência de chinês, desempeçar redes. Não chegou a uns quinze minutos, o senhor voltou com dois jerricans cheios de gasolina. Encheu o depósito e apontando com a mão para o horizonte disse-me: Komodo! Komodo!!!
O Despertar
Sílvia Oliveira
Sunbawa foi uma
experiência verdadeiramente transformadora,
após aquela inesquecível noite, dormindo na
floresta com mais dez pessoas por cima de
mim, todos atados e entrançados em duas
árvores. Nunca cheguei a
perceber do que tive mais medo – de se me
caísse algum encima, ou dos sons
diversificados e misteriosos que ouvi
durante a noite.
Ao raiar da aurora não
tardei a sair daquele emaranhado de panos,
onde me enrolei e “escondi”. A jovem Acoy
acompanhou-me até ao jipe… Já com Setia’Wan
iniciamos a viagem até Dompu.
Dompu é a capital do
centro de Sumbawa. De onde eu partiria para
Bima. Setia’ Wan deixou-me, junto de uma
vendedora de legumes, ao lado de uma
estrada. Ali passava um autocarro para Bima,
mas não havia sinalética de paragens nem
qualquer outra indicação. Quando coloquei os
pés no chão, tive sérias dúvidas sobre a
existência de autocarros naquele local.
Setia’Wan deixou-me um
bilhete, escrito em Indonésio, com o
roteiro, e todas as indicações até chegar ao
cais de embarque em Bima. Esperei dez
minutos, que mais pareceram dez horas quando
parou, um pequeno mini
bus.
Entrei, mostrei o papel, paguei e
sentei-me. Parecia-me que ia ser uma viagem
serena, o
bus estava praticamente
vazio, mas até Bima, foi enchendo e onde
cabiam quinze estavam quarenta. O corredor
ficou lotado, as pessoas sentavam-se em
caixotes e baldes, que iam trazendo, depois
era ir apertando. Como diz o velho ditado:
“em tempo de guerra qualquer buraco é
trincheira”. O autocarro também ficou
consideravelmente mais alto… foi empinar
carga, até não conseguirem chegar mais
acima, de tal forma que nas curvas mais
parecia que ia tombar… já para não comentar
os cheiros que ali se misturavam…
Quando cheguei a Bima
saí quase “cuspida”, do autocarro, como as
rolhas das garrafas de champanhe. Foi assim,
que me senti!
Depois corri para a
fila das carroças de burros, (eram os
“táxis” da zona) e em quinze minutos estava
no cais de embarque para Labuah Bajo. Após
umas duas horas naquele
bus, soube-me
muito bem andar de carroça, apesar dos
solavancos.
Fui para a fila da
bilheteira e ouvi falar Italiano. Eram cinco
jovens que tinham vindo do Bali e como não
tinham conseguido bilhete de avião para a
Ilha das Flores, compraram para o aeroporto
de Bima. Já ali tinham pernoitado, porque o
Ferry só partia quando estivesse cheio. Por
momentos petrifiquei… eu tinha voo de
regresso dentro de dois dias na Ilha da
Flores e só havia voos uma vez por semana,
naquela ilha, para o meu destino.
Os rapazes já ali
estavam desde as 7h da manhã e já eram três
da tarde. Comprei o bilhete e juntei-me a
eles. Sentei-me, levantei-me, tirei fotos,
dei passos para a frente e para trás. De
repente fomos alertados, por um senhor, para
o embarque, parecia mentira! Corri para
apanhar um lugar, mas o barco estava
praticamente vazio e levou mais uma hora a
encher… era de mercadoria.
Percorri todo o barco,
pois não sabia onde me sentar. Havia camas,
salas para reza e as normais cadeiras.
Alguns aposentos estavam danificados e a
limpeza não reinava.
Mas sentia-me consolada
e mais confortável agora. Em breve chegaria
à ilha das Flores e teria o meu tempo para
visitar a ilha onde habitam os célebres
Dragões de Komodo…
Festival Uma Lengge -
Indonésia
Sílvia Oliveira
Ali, naquele
terreno circundado por árvores, onde as
cabanas se alinhavam paralelamente umas às
outras, formando pequenas ruelas, a agitação
insurgia-se. Eram cada vez mais o número de
pessoas que ia aparecendo. Era um imenso
colorido de hijabs, trajes tradicionais,
sons e aromas nunca antes sentidos.
Eu nunca tinha
visto nada, assim!
Quando me sentei
naquele banco de três pernas que não deveria
ter mais que quarenta centímetros, observava
tudo ao meu redor. Especialmente os sorrisos
e os olhares de quem por perto passava, as
mulheres eram as que mais vulgarmente se
aproximavam.
A vantagem do uso
hijab é o rosto livre e descoberto na mulher
muçulmana, permite ver as suas expressões.
Apetecia-me fotografar tudo! Mas a minha
intuição dizia-me que não. Naturalidade e
descrição era o que eu tinha de manter.
No decurso da
camuflagem das minhas emoções, chega
Setia’wan e o seu filho. Traziam comida. O
menino cujo nome eu nunca consegui
pronunciar, vinha “acompanhado” de um prato
de arroz frito com legumes e pequenos nacos
de carne. Setia’wan numa das mãos trazia
peixe frito, que mais parecia carbonizado e
na outra, um prato com cerca de dez pequenas
espetadas de carne. Com algum esforço e
amabilidade partilhei um pouco daquela
refeição, cujo aspeto era semelhante ao
paladar. Nada apetecível!
Setia’wan
percebeu o meu desalento. Nas ilhas onde eu
já tinha estado, Bali e Lombok a comida era
saborosa. Mas, ali, naquele Festival,
naqueles tachos imundos com aqueles óleos
intemporais…
Apesar disso a
magia do local enchia-me a alma, e eu não
queria perder um “átomo” que fosse do que
ali se estava a passar. Foi quando vi uma
senhora dos seus sessenta e muitos anos com
um cestinho no qual transportava pequenos
sacos com ovos de codorniz. De repente tive
uma sensação de momento EUREKA!
Era uma
epifania!!!
Corri na sua
direção e com algumas rupias que ainda me
restavam comprei dois sacos, ou seja,
quarenta ovos. Fiquei com medo de passar
fome e não sabia como seriam os meus
próximos dias. As miúdas que por ali andavam
e que me viram meio ofegante a passar, riam
de mim, devia ser da minha aparência de
olhos arregalados e completamente
desgrenhada.
Quando me voltei
a sentar comi meio saco de ovos. Enquanto
Setia’wan falava com quatro jovens
raparigas. Foi quando percebi que estava a
arranjar-me um local para passar a noite.
Fomos mutuamente apresentadas. Só me lembro
do nome de uma – Acoy.
Acoy era uma
jovem de vinte e poucos anos com a
morfologia típica de uma mulher da
Indonésia. Irradiava simpatia, e falava um
pouco de Inglês. E foi graças a ela que
fiquei a saber mais sobre aquele evento –
Festival Uma Lengge
A Estrada
Sílvia Oliveira
Abri a carteira,
nela tinha cerca de dezassete milhões de
rupias talvez o correspondente a uns cento e
poucos euros. Não é muito para um português,
mas na Indonésia é o dobro do salário mínimo
mensal.
Bruscamente no Pacífico Sul…
Sílvia Oliveira
Quando me sentei
naquela singela piroga de linhas bem
esculpidas, rústica, comprida e estreita
apercebo-me, à minha volta dum mar
brilhante, azul-turquesa adamantino… À minha
frente aproximava-se um majestoso e
misterioso reino primitivo…
Era como se o
Paraíso tivesse surgido, naquele momento,
dos confins do tempo!
Em remadas
alternadas, à esquerda e à direita e dada a
considerável velocidade atingida pela canoa,
resultado de um bom remador local,
rapidamente dei comigo em solo arenoso.
Em poucos minutos
fiquei rodeada de locais, todos do sexo
masculino. Falavam a sua língua desconhecida
para mim e gesticulavam, depois sorriram,
remiravam-me e voltavam a sorrir… e eu sem
perceber nada do que se estava a passar.
Algum tempo
depois foram-se retirando, até que ficou
apenas um, fui seguindo as suas indicações,
melhor dizendo fui atrás dele. Sentei-me na
sua lambreta e sem saber o rumo, deixei me
levar. Como diz o velho provérbio: “Para
quem está perdido, qualquer mato é caminho”.
A estrada era de
areia batida e tudo ao redor era muito
rudimentar. No percurso quando surgiram as
primeiras casas percebi que estava a chegar
a uma zona residencial, mas com poucas
habitações. Aí, fui deixada junto a um
placar de letras enormes que dizia – HOME
STAY. Ainda estiquei a mão com algumas
rupias, mas o senhor não aceitou.
Em poucos minutos
aproxima-se o proprietário daquelas cabanas,
vinha com uma criança dos seus seis anos,
que olhava para mim sorrindo e escondia-se
nas pernas do pai. Simpático e entusiasmado
dirige-se a mim a falar Indonésio, fartou-se
de falar eu também, mas cada um na sua
língua. Eu não entendi nada, obviamente, mas
aquela conversa de recetores “falhados”,
soube mesmo bem.
Por fim, resolveu
mostrar-me uma das cabanas. Quando ele abriu
a porta, no lado direito apresentava-se uma
cama de palha, o teto era em colmo as
paredes de tijolo, no seu estado original,
sem pintura, a casa de banho era uma pia,
junto a esta tinha um pequeno depósito de
água com um baldinho de plástico amarelo, o
qual, o senhor esteve a explicar
detalhadamente, para que serviria-
tomar banho e deitar água na pia. A casa de
banho tinha ainda a particularidade de
apesar de contigua ao quarto ser ao ar
livre, não tinha teto. Por momentos,
lembrei-me daquela música da minha infância,
que o meu pai colocava nas bobines de um
gravador – “Era uma casa muito engraçada,
não tinha teto não tinha nada” …
Dentro da cabana
ouvia-se um som estranho. Gesticulei ao
senhor e ele com um ar muito natural, pegou
numa cana com umas palhas atadas na ponta,
uma imitação da vassoura, varreu o solo
debaixo da cama, de onde saltaram dois
enormes sapos.
No teto também
havia umas teias de aranha enormes. Era
obvio que eu não tencionava ficar ali onde
não havia comida, água potável, lençóis,
almofada, papel higiénico …
Eu sabia que tinha que me ir adaptando às minhas circunstâncias presentes – sair dali requeria “negócio” e negócio requer dinheiro…
À deriva na Indonésia
Sílvia Oliveira
Labuah, Lombok Harbor, 16 de agosto de 2010
No Cais de embarque, procurávamos o barco que nos iria transportar numa viagem de quatro dias e três noites, por ilhas de Indonésia. Um passeio que comtemplava snorkeling em zonas de recife de corais – Moyo’s coral; visitar uma praia de areias cor de rosa – Pink beach; ver o Salt Water Lake – Satonda Island entre outras maravilhas da natureza - cascatas, ilhas com búfalos e macacos e, aquilo que mais me tinha entusiasmado neste fabuloso pacote turístico: treeking na Rinca Island (Loh Buaya).
Ver coisas únicas em locais singulares, na minha opinião, é o fundamental e eu não queria falhar os Dragões de Komodo! E, especialmente por esse motivo, adquiri aquele pacote de viagem. Tinham-nos informado na agência que era uma viagem com tudo incluído – full board.
Após algum tempo a vaguear no cais, reparei que no mar, só se avistavam barcos que mais pareciam da época da Mesopotâmia … ainda esperava encontrar, por ali, algum navio, um cruzeiro, algo mais atual.
Naquela zona de embarque havia de tudo um pouco, vendedores com cestas de peixe, pensos rápidos, peixe seco, lenços de papel, frutas locais e até um engraxador tradicional de sapatos!!!
Quando tudo isto parecia calmo, reparo na deslocação em massa de alguns transeuntes para o início do Cais, dirigiam-se para um senhor de meia estatura que trazia na cabeça um chapéu tipo coco, azul e todo amolgado. De repente ficou rodeado de indígenas e de jovens turistas, desaparecendo no meio da confusão.
Como diz Theodore Adorno, “O Humano Estabelece-se na Imitação”. Este homem possuía as listas e o número da embarcação de cada passageiro. E foi assim, que soube qual seria o meu destino.
Dirigi-me para o local de embarque. A entrada no barco não foi nada suave, as pessoas empurravam-se umas às outras, como se houvesse lugares de luxo a disputar ou falta deles. Afinal não havia nada para “abancar”, apenas o convés do barco. Desiludida, mas decidida sentei-me no único lugar que havia – o chão.
O mar estava calmo e tudo indicaria que aquela seria uma viagem tranquila apesar do aspeto “pré-histórico” do barco…
As refeições eram servidas de uma forma muito peculiar, colocavam um alguidar com comida no centro do convés e os passageiros lançavam-se para encher os seus pratos de plástico, antes que aquela acabasse.
Quando começou a anoitecer deram-nos uns colchões, não deveriam ter mais que quatro centímetros. E foi assim, que no convés do barco onde cabiam dez dormiram trinta. Sentados ainda íamos mais ou menos. Devido à forte ondulação, passámos a noite a rebolar uns para cima dos outros. Foi uma noite verdadeiramente inesquecível. Ainda tentei ir à casa de banho, mas fiquei com a porta na mão, a dobradiça de cima estava solta. Debrucei-me no costado da embarcação para vomitar, mas percebi que corria o risco de cair no mar.
Naquela manhã quando raiou o sol, eu já não via, nem sentia nada. E, foi assim que fui evacuada, numa piroga de madeira artesanal, para uma ilha paradisíaca, mas de condições muito rudimentares - Sunbawa. Eu encontrava-me na ponta mais a oeste da ilha e o único transporte que me levaria à ilha das Flores, o meu destino, era exatamente na ponta oposta. A travessia desta ilha foi uma experiência memorável...