Vultos da Cultura Portuguesa
Teixeira de Pascoaes
- Partilhar 01/09/2023
Teixeira de Pascoais, de seu
verdadeiro nome Joaquim Pereira Teixeira
de Vasconcelos, nasce em Amarante, na
velha casa senhorial de Pascoais, no dia
2 de Novembro de 1877. Filho de um
lavrador culto e abastado, frequenta o
liceu na sua terra natal e forma-se em
Direito em Coimbra (1896-1901) na
companhia de, entre outros, Afonso Lopes
Vieira, João Lúcio, Fausto Guedes
Teixeira e Augusto Gil. Advogado durante
dez anos, em Amarante e no Porto, dirige
a revista "A Águia" entre 1912 e 1917,
onde se afirma como mentor da Renascença
Portuguesa e do Saudosismo. Celibatário,
passa a maior parte da sua vida no solar
de Pascoaes, em Gatão, nos arredores de
Amarante, cuidando das suas terras e
entregue à sua arte. A sua estreia
literária, aos 17 anos, com "Embriões",
é ainda incipiente.
Mas com "Sempre"
(1897) e, sobretudo, com "As Sombras"
(1907), alarga os horizontes da escrita
e afirma em definitivo a sua forte
personalidade poética. Entre as suas
inúmeras obras, contam-se, além das já
descritas, "Terra Proibida" (1899),
"Marânus" (1911), Regresso ao Paraíso"
(1912), "O Doido e a Morte" (1913),
"Verbo Escuro" (1914), "Cânticos"
(1925), "O Homem Universal" (1937) e "O
Empecido" (1950). Teixeira de Pascoaes
morre aos 75 anos em S. João de Gatão,
Amarante, a 14 de Dezembro de 1952.
Elegia do Amor
Teixeira de Pascoaes
Lembras-te, meu amor,
Das tardes
outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para longe do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus
pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu
levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu triste,
meditava
Na vida, em Deus, em ti...
E além, o sol doirado
Morria,
conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus
ouvidos;
Um crepúsculo terno
E
doce diluía,
Na sombra, o teu
perfil
E os montes doloridos...
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim
do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia na
memória...
Assim o que partiu,
Em
frágil caravela,
E andou por todo o
mundo,
Traz, no seu coração,
A
imagem do que viu.
Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha
o mar,
À tarde, dos rochedos,
E
eu ficava a sonhar,
Qual névoa
adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas
para mim...
Meu corpo rude e bruto
Vibrava, como a onda
A alar-se em
nevoeiro.
Olhavas, descuidada
E
triste... Ainda hoje escuto
A música
ideal
Do teu olhar primeiro!
Ouço
bem tua voz,
Vejo melhor teu rosto
No silêncio sem fim,
Na escuridão
completa !
Ouço-te em minha dor,
Ouço-te em meu desgosto
E na minha
esperança
Eterna de poeta!
O sol
morria, ao longe;
E a sombra da
tristeza
Velava, com amor,
Nossas
doridas frontes.
Hora em que a flor
medita
E a pedra chora e reza,
E
desmaiam de mágoa
As cristalinas
fontes.
Hora santa e perfeita,
Em
que íamos, sozinhos,
Felizes,
através
Da aldeia muda e calma,
Mãos dadas, a sonhar,
Ao longo dos
caminhos...
Tudo, em volta de nós,
Tinha um aspecto de alma.
Tudo era
sentimento,
Amor e piedade.
A
folha que tombava
Era alma que
subia...
E, sob os nossos pés,
A
terra era saudade,
A pedra comoção
E o pó melancolia.
Falavas duma
estrela
E deste bosque em flor;
Dos ceguinhos sem pão,
Dos pobres
sem um manto.
Em cada tua palavra
Havia etérea dor;
Por isso, a tua
voz
Me impressionava tanto!
E
punha-me a cismar
Que eras tão boa e
pura,
Que, muito em breve, sim!
Te chamaria o céu,
E soluçava, ao
ver-te
Alguma sombra escura,
Na
fronte, que o luar
Cobria, como um
véu.
A tua palidez
Que medo me
causava !
Teu corpo era tão fino
E leve (ó meu desgosto!)
Que eu
tremia, ao sentir
O vento que
passava !
Caía-me, na alma,
A
neve do teu rosto.
Como eu ficava
mudo
E triste, sobre a terra!
E
uma vez, quando a noite
Amortalhava
a aldeia,
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:
-Que incêndio!
E eu, a rir,
Disse-te:-É a lua
cheia!...
E sorriste também
Do
teu engano. A lua
Ergueu a branca
fronte,
Acima dos pinhais,
Tão
ébria de esplendor,
Tão casta e irmã
da tua,
Que eu beijei, Sem querer,
Seus raios virginais.
E a lua, para
nós,
Os braços estendeu,
Uniu-nos
num abraço,
Espiritual, profundo;
E e levou-nos assim,
Com ela, até ao
céu...
Mas, ai, tu não voltaste
E
eu regressei ao mundo.
II
Um raio de luar,
Entrando, de
improviso,
No meu quarto sombrio,
Onde medito, a sós,
Deixa, a tremer
no ar,
Um pálido sorriso,
Um
murmúrio de luz
Que lembra a tua
voz...
O Outono, que derrama
Ideal melancolia
Nas almas sem amor,
Nos troncos sem folhagem,
Deixa a
vibrar, em mim,
Saudosa melodia,
Dolorida canção,
Que lembra a tua
imagem.
A noite que escurece
Os
vales e os outeiros,
E que acende,
num bosque,
A voz do rouxinol
E a
estrela que protege
E guia os
pegureiros;
A lágrima do céu
Ao
ver morrer o sol,
Acorda, no meu
peito,
Infinda e etérea dor,
Que
à memória me traz
A luz do teu
olhar...
Tudo de ti me fala,
Ó
meu longínquo amor:
As árvores, a
névoa,
Os rouxinóis e o mar.
Se
passo por um lírio,
As vezes
distraído,
Chama por mim dizendo:
«Oh! não te esqueças dela!»
Diz-mo
também, chorando,
O vento dolorido,
Diz-mo a fonte, a cantar,
Diz-mo, a
brilhar, a estrela.
E vejo, em toda
a luz,
Teus olhos a fulgir.
Como
adivinho, em tudo,
A alma que perdi!
Não encontro uma flor,
Sem o teu
nome ouvir.
Não posso olhar o céu,
Sem me lembrar de ti!
Por isso eu
amo o pobre,
O triste e a Natureza,
A mãe da humana dor,
Da dor de Deus
a filha.
Meu coração, ao pé
Dum
pobrezinho, reza;
Canta, ao lado dum
ninho,
Ao pé da estrela, brilha.
O meu amor por ti,
Meu bem, minha
saudade,
Ampliou-se até Deus,
Os
astros alcançou.
Beijo o rochedo e a
flor,
A noite e a claridade.
São
estes, sobre o mundo,
Os beijos que
te dou.
Hás-de senti-los, sim,
Doce mulher de outrora.
Ó roxo lírio
de hoje,
Ó nuvem actual!
Como
dantes, teu rosto,
A rosa ainda hoje
cora;
Beijo-te, sim, beijando
A
rosa virginal.
Teu aspecto divaga,
Ao longo dos espaços.
Teu amor,
feito luz,
Desce do Firmamento.
Se abraço um verde tronco,
Eu sinto,
entre os meus braços,
Teu corpo
estremecer,
Como uma flor, ao vento.
Soluça a tua dor
Nas infinitas
mágoas,
Que, no fundo da tarde,
Eu vejo, além, subir...
E paira a
tua voz
No marulhar das águas,
No
murmúrio que sai
Das pétalas a
abrir.
Se os lábios vou molhar
Nas ondas duma fonte,
Queimam meu
coração
Tuas lágrimas salgadas.
E, quando acaricia
O vento a minha
fronte,
Eu bem sinto, sobre ela,
As tuas mãos sagradas.
Quando a lua,
no Outono,
Envolta em luz funérea,
Morta, vai a boiar
Nas águas do
Infinito,
Doira meu frio rosto
A
palidez etérea,
Que dantes emanava
O teu perfil bendito.
Quando, em
manhãs d'Abril,
Acordo, de repente,
E vejo, no meu quarto,
O sol entrar,
sorrindo,
Julgo ver, ante mim,
Teu corpo resplendente,
Tua trança
de luz,
Teu gesto suave e lindo.
Descubro-te, mulher,
Na Natureza
inteira,
Porque entendo a floresta,
A névoa, o céu doirado,
A
estrela a arder, no Azul,
A lenha na
lareira,
E o lírio que, na cruz
Do outono, está pregado.
Falas
comigo, sim,
Da dor, do bem, de
Deus..
Repartes o meu pão,
Amor,
pelos ceguinhos...
E pelas solidões
Os pobres versos meus,
Como os
pobres que vão,
A orar, pelos
caminhos.
És a minha ternura,
A
minha piedade,
Pois tudo me comove!
O zéfiro mais leve
Acende, no meu
peito,
Infinda claridade;
E a
brancura do lírio
Enche meu ser de
neve.
Todo eu fico a cismar
Na
louca voz do vento,
Na atitude
serena
E estranha duma serra;
No
delírio do mar,
Na paz do Firmamento
E na nuvem que estende
As asas,
sobre a terra.
Todo eu fico a cismar
Assim como que esquecido,
Ante a
flor virginal
E o sol enamorado...
Ante o luar que nasce,
Ao longe
dolorido,
Dando às cousas um ar
Tão triste e macerado.
Todo eu
medito e cismo...
Um vago e etéreo
laço
Prende-me ao teu imenso
E
livre coração,
Que abrange o mundo
inteiro
E ocupa todo o espaço,
E que vai povoar
A minha solidão.
Por isso, eu vivo sempre,
Em doce
companhia,
Com o pobre que pede
E
a estrela que fulgura;
E assim, a
minha alma,
Igual à luz do dia
Derrama-se no céu,
Em ondas de
ternura.
Sou como a chuva e o vento
E a sombra duma cruz!
Lira, que a
mais suave
Aragem faz vibrar...
Água que, ao luar brando,
Em
nuvens se traduz;
Fruto que
amadurece,
À luz dum claro olhar...
Pedra que um beijo funde
E místico
vapor,
Que um hálito condensa
Em
pura gota de agua...
Sou aroma que
um ai.
em triste flor;
Riso que
muda em choro
A mais pequena magoa.
Vivo a vida infinita,
Eterna,
esplendorosa.
Sou neblina, sou ave,
Estrela, Azul sem fim,
Só porque, um
dia, tu,
Mulher misteriosa,
Por acaso, talvez,
Olhaste para mim.
Vultos da Cultura Portuguesa
Jaime Cortesão | José Régio | Amália Rodrigues | Teixeira de Pascoaes | Aquilino Ribeiro|
- Ano V• setembro 2023