De olho no lance
Paulo Lepetri
Rádio Cidade: o tempo e som
Marco de
transformação e modernidade na história da
radiodifusão brasileira e portuguesa, a
Rádio Cidade deu início a uma nova etapa da
comunicação radiofónica. Em ambos os países
a Rádio Cidade surgiu como uma emissora de
rádio que trazia como característica uma
linguagem informal, descontraída, simples,
com um repertório musical baseado nos
sucessos do hit parade. Inspirada na Radio
City of America, a célebre RCA dos EUA, a
Rádio Cidade brasileira e portuguesa teve a
sua linha emissiva voltada para o público
jovem, com uma programação eclética e
criativa.
Em ambos os países, a
emissora foi sinónimo de sucesso e
vanguardismo, tornando-se líder de
audiência, além de propagar um novo e
contagiante estilo comunicacional
radiofónico como uma forte capacidade
propagadora de inúmeros estilos musicais.
Com a mesma filosofia de radiação, a
história da Rádio Cidade em Portugal tem o
seu começo em abril de 1986. Fundada por Rui
Duarte, imigrante Brasileiro, natural de São
Pedro do Sul, no Estado Rio Grande do Sul,
seu filho, Rui Duarte Júnior e Edson Yazejy,
que adaptaram o mesmo modelo de rádio jovem
e irreverente já existente no Brasil.
No seu percurso
emissivo, a Rádio Cidade foi marco
fundamental de uma nova e importante etapa
radiodifusora. Da elaborada estratégia de
lançamento pelo grupo JB (Jornal do Brasil),
na cidade do Rio de Janeiro, na década de
70, ao “amadorismo pirata” da família
Duarte, em Lisboa, nos anos 80, a emissora
sempre primou pela sua determinação
inovadora e dinamizadora, quer na área
comunicacional, quer na área musical.
Determinante, o
percurso histórico propagador da Rádio
Cidade, tanto em Portugal quanto no Brasil,
sempre será, para todos nós, o paradigma de
uma geração que ainda hoje se encontra e
sobrevive, no tempo e no som, uma vez que
diante do resgate inevitável do tempo
perante um percurso vivido, o mundo real se
faz presente como porta de entrada de um
paralelo possível, sintoma extensional,
ficção lógica de um caminho equalizado na
forma de conteúdos vividos e de momentos
resgatados.
Como um dialeto, os
conteúdos ecoam delineando na música as
imagens do passado, onde o som, traduzido em
signos, codificam a duração exata de uma
sinfonia temporal, pulsação da vida no
tempo, resgate indelével, indício de um
mundo que não tem idade, lembranças que
sempre habitarão no hoje.
Nas trilhas sonoras
do tempo, o passado eterniza-se, o presente
edifica-se e o futuro ecoa pois nela, o
tempo existe como caminho de uma trajetória
vivida, partitura utópica, onde o som
propaga e ressuscita a sua manifestação
imagética.
No som, a música
terá sempre o sintagma das frases melódicas
que nunca esquecemos, acordes que sempre
habitarão em todos nós, imagens
materializadas dos rostos de todos que nunca
deixamos de lembrar, lugares que trilhamos e
ainda sonhamos, momentos que ficaram para
sempre perpetuados nas canções e nas
melodias, trilha sonora desta vida, trilha
vivida, som encarnado, certeza plena de que
nunca viveremos na solidão, pois temos em
nós a musicalidade de uma vida, na sintonia
plena do tempo e do som.
A pseudo dialética no futebol e os comentaristas improvisados
Paulo Lepetri
Não podemos negar
que o futebol foi, e sempre será, um
fenómeno relevante na sociedade portuguesa.
Ele agrega importantes conceitos sociais
que, de certa forma, nutrem um conjunto de
diversos signos e códigos culturais. Ele
personaliza as cores de uma paixão na
herança adquirida em um sentimento muitas
vezes inexplicável, habitando raízes
profundas da sociedade, como o sentido de
povo, de classes sociais, de identidade
nacional e de transferência /herança
familiar. Na verdade, o futebol nos coloca
entre o paralelo da utopia e a denegação do
próprio sofrimento (prazer e dor). Ele acaba
por ser uma referência pois tem a capacidade
de colocar cem mil pessoas a apoiar onze
jogadores. Tal fenómeno não seria possível
se o sentimento e a ligação a um clube e ao
próprio desporto em si não fosse algo
imensuravelmente contagiante.
Aproveitando essa
fatia fundamental de público, os
media
sustentam e provocam essa insensatez da
paixão, valorizando e incutindo, em opiniões
polemizadas, suas verdades absolutas, num
conluio de comentaristas improvisados. Com
um formato programático referenciado pelos
três grandes clubes portugueses (Sporting,
Porto e Benfica) a “arena” materializa-se
nas retumbantes opiniões de seus analistas.
Na força de seus
representantes clubísticos a capacidade de
influenciar provoca, através de debates
acirrados, recheado de muita polémica, o
veneno do anti futebol, o lado perverso e
cruel fora das quatro linhas, onde
significante e significado se atropelam na
conclusão dos seus propósitos em prol de
programas decadentes que tentam analisar o
futebol português.
Consciente da sua
força de abrangência emissiva, os canais de
TV criam um vasto número de programas com
vários formatos, mas com a mesma essência, a
potencialidade das polémicas irreverentes e
as discussões acaloradas, como nos
programas: Prolongamentos, na TVI24 e Liga
D’Ouro, na CMTV.
Conhecedora da
sua importância na propagação de opinião e
na construção de uma realidade produzida,
esse formato de debates, configurado por um
moderador e três comentaristas, dos
principais clubes portugueses possuem, há
mais de uma década e meia, uma relação de
sucesso, tendo como fundamental meio de
comunicação e informação do mundo do
futebol, a televisão.
Também devemos
salientar que de todos esses programas que
debatem assuntos ligados ao futebol são, de
forma inegável, os programas mais
importantes, aqueles que têm maior
longevidade e com maiores índices de
audiência.
Contudo, a configuração informativa presente nestes programas enfoca e revela a ruína do espetáculo perante o formato infalível da audiência, garantindo, através de uma “arena televisiva”, a valorização da barbárie sobre o futebol, proporcionada pelo arquétipo da informação ideológica e da verdade produzida, através da impetuosidade dos então “comentaristas improvisados do futebol” ou, como diria Nelson Rodrigues, dos “cretinos fundamentais”*.
* Cretinos
fundamentais - expressão criada por Nelson
Rodrigues para definir o arquétipo do tolo
que está sem razão, mas contínua teimoso,
rude e impetuoso. É aquela pessoa que se
posiciona como um papagaio, repetindo
argumentos de outros sem fazer as devidas
considerações, ou fazendo uso de ideias
socialmente aceites, levando a concordância
geral sem grandes esforços.