Os novos medievais
Margarida Vale
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Inês de Castro, o amor eterno
- Partilhar 28/06/2021
O amor é um
sentimento grande e profundo que desnorteia
quem o sente e torna refém quem o entoa.
Falta de controle, ânsia, comunhão, beijos,
abraços, corpos que se dão, borboletas que
povoam a imaginação e linhas que se cruzam e
entendem. O amor tem tanto de belo como de
tirano.
A antiga província da
Lusitânia, ocupada pelos Suevos e pelos
Alanos e posteriormente pelos Visigodos, que
foram banidos pela ocupação muçulmana, em
711, é reconquistada pelos reis cristãos em
duas fases distintas. Cerca de 900, Afonso
III das Astúrias toma-lhes dianteira e, em
1064, Fernando I de Castela, segue-lhe a
tarefa.
No século XII,
com Afonso Henriques, em 1143, o Condado de
Portugal, o espaço da região do Porto,
torna- se independente, com a subida deste
rei ao trono, uma luta que só ficará
esclarecida em 1179. O sul necessita de ser
reconquistado e a capital situa-se em
Coimbra. Os descendentes terminam a tarefa e
Afonso III, será o rei de Portugal e dos
Algarves.
Corria o ano de 1340 e Inês
é escolhida como dama de honor de Constança,
herdeira de uma importante família
espanhola. Deixa a família e segue com a sua
senhora para Portugal. Esta desposará Pedro,
herdeiro do trono. Inês possui pergaminhos
apesar de ser uma bastarda. A sua beleza
estonteante faz perder a cabeça ao príncipe
e tornam-se amantes, apesar das tentativas
de Constança para o evitar. O rei, sabedor
da situação, expulsa-a da corte.
A
vida prega partidas cruéis. Em 1345, com a
morte de Constança, Pedro fica livre para
fazer regressar a sua amante à corte. A
oposição é grande mas o amor é maior e muito
poderoso. Da união nascem três filhos que
fazem as delícias do avô Afonso IV. O tempo
de calma é interrompido pela voz estrondosa
dos obstáculos políticos. Os irmãos de Inês
tentam incitar a divisões políticas. Pedro
seria pretendente aos tronos de Aragão e de
Castela, como testa de ferro dos cunhados.
Afonso, que tentava evitar conflitos a todo
o custo, é forçado a intervir.
Os
conselheiros entendem que Inês é a génese da
contenda, mesmo que nada tenha a ver com o
assunto. Outro receio assola o rei, o medo
de que o filho de Pedro, Fernando, seja
morto e que um dos filhos do novo casal tome
lugar no acesso ao trono. Só há uma forma de
resolver tudo e será com a morte de Inês.
Aproveitando a ausência do filho, em combate
como se esperava de um jovem príncipe, dá
ordem para que seja cumprida a sua sentença.
A 7 de Janeiro de 1355, Inês é entregue
ao algoz que cumpre a ordem recebida. O seu
corpo é enterrado no Convento de Santa
Clara, onde estava instalada com os filhos.
É assim, sem qualquer tipo de romantismo,
sem dó nem piedade, que se acabava com os
que pudessem fazer frente ao reino, mesmo
que houvesse laços de sangue a ligar.
Pedro assim que toma conhecimento do
desaparecimento de sua amada, cego de dor
lança armas contra o seu pai. Felizmente que
termina muito rápido e por acordo. Contudo a
ira fica acumulada e os conselheiros
responsáveis pelo trágico destino
refugiam-se em Castela com receio de uma
vingança sangrenta. Aos 37 anos e com a sua
subida ao trono, a justiça começa a ser
aplicada.
Dois deles são entregues
pelo rei de Castela, perante grande pressão
de Pedro, que são torturados e queimados. O
terceiro conseguiu fugir. A cabeça quente e
o ódio são maus conselheiros mas a paz é
sempre serena. Mais tarde os descendentes
dos carrascos serão agraciados com bens
legados pelo próprio rei. Uma forma de
equilibrar a justiça.
De seguida
cuida da imagem da sua amada, fazendo com
que o povo saiba qual era a sua força e
intensidade de sentir. Reabilita-a fazendo
com que os seus restos mortais sejam
colocados na abadia de Alcobaça. Com pompa e
circunstância, à luz de archotes e tochas,
nobres, religiosos e o muito povo, assistem
à cerimónia que termina com a inumação de
Inês, no esplêndido túmulo que Pedro mandara
construir para o propósito.
O dia 7
de Janeiro fica marcado como o que, com um
machado, cortou o pescoço a Inês de Castro,
a bela mulher por quem D. Pedro se tinha
apaixonado. O seu crime foi ter amado alguém
que a amou com a mesma pureza e intensidade
e esse amor, que gerou filhos que tiveram
papéis importantes, posteriormente, criou
uma lenda que se perpetuou. Inês é a heroína
que a todos toca.
Luís de Camões
conta o seu fado com um episódio
dramaticamente intenso e belo na epopeia Os
Lusíadas. Este amor, grávido de sentimentos
e de emoções, gerou uma onda literária que
entusiasmou muitos. A sua fama corre
fronteiras e é imortalizada em pinturas,
música, literatura, em tudo o que for
necessário. Algo de tão enternecedor, apesar
de ter sido trágico, comoveu a Europa.
Inventam-se novas vidas, situações
impossíveis mas Inês não pode ser uma mulher
vulgar. A sua súplica, ao rei, enternece-o e
arrepende-se da ordem dada mas o certo é que
a heroína se transforma em mártir. A sua
morte foi o palco para a imaginação, para o
que se desejava, para o impossível de
acontecer. Um romance que não calou um rei
que a quis sempre rainha.
As lendas
são formas de passar as ideias e de as
tornar mais suaves e vistosas. Inês foi
coroada rainha já cadáver, uma noiva que
exalava o horror e a morte mas que, por um
hábil golpe do destino, a deixou sempre
jovem e perfeitamente bela. Filha do mordomo
mor do rei D. Afonso XI de Castela, havia
esperança para o seu futuro, tendo sido aia
de uma rainha.
A realidade conta-nos
algo de diferente, que D. Afonso IV mandou
exilar Inês de Castro no castelo de
Albuquerque de modo a afastá-la de Pedro, o
que não surtiu qualquer tipo de efeito,
mesmo que esse amor fosse epistolar. Depois
da morte de D. Constança, o viúvo, manda
regressar a sua amada.
Perante as
aparências, D. Afonso tenta casar D. Pedro
com uma conhecida e renomada nobre, mas tal
sugestão foi logo rejeitada. O amor que os
unia continuou e deu frutos, Afonso, que
morreu pouco depois de nascer, João, Dinis e
Beatriz, que foram o pomo da discórdia entre
pai, filho e o reino.
Instalados no
Paço de Santa Clara, casa mandada construir
pela sua avó, a Rainha Santa Isabel, a vida
continuava em plena felicidade. O casamento
que os uniu, secreto, foi por D. Pedro
confirmado, através da Declaração de
Cantanhede, o que provocou, de imediato, um
incidente político. Os filhos eram legítimos
e teriam tanto direito ao trono como o seu
irmão, D. Fernando.
A vida é madrasta
e cruel mas oferece lições de sabedoria. Os
filhos de Inês e Pedro, aqueles que pareciam
o perigo para o reino, foram pessoas de
grande relevo. D. Beatriz foi condessa de
Albuquerque, D. João, duque de Valência de
Campos e D. Dinis, senhor de Cifuentes. E se
tal não bastasse, D. João I era filho de D.
Pedo, um bastardo que vai dar origem a uma
nova dinastia.
Mas há sempre uma
justificação para certas atitudes. D. Afonso
IV tinha raiva a Inês não por ser quem era,
que a considerava uma excelente mãe, mas por
ter sido criada por Afonso Sanches, filho
bastardo de seu pai, D. Dinis, ou seja, seu
irmão e defendido por sua mãe. O sangue real
corria em ambos os corpos mas o receio de
ser ultrapassado era maior.
Os nomes
de Pedro Coelho e Álvaro Gonçalves podem ser
desconhecidos para muitos, mas o sangue de
Inês está nas suas mãos e D. Pedro, não se
coibiu de se vingar. Já Diogo Lopes Pacheco
conseguiu fugir para França, o que lhe
permitiu continuar vivo e fugir da cega
vingança do rei, mesmo que tenha sido
perdoado na literatura posterior.
A
arca tumular de Inês de Castro,
estrategicamente colocada no Mosteiro de
Alcobaça, de frente para a de Pedro, é uma
peça exemplar pela rara beleza que mostra.
Lamentavelmente desconhecem-se os nomes dos
mestres que deram o seu melhor nesta obra
mas o certo é que encanta quem a vislumbra.
Durante as invasões francesas, Massena,
um dos generais de Napoleão, deu ordens para
retirar tudo o que fosse possível e levar
para França. O túmulo de Inês permanece
adormecido mas danificado. O nariz, que está
partido, não sofreu qualquer tipo de
acidente mas foi danificado
propositadamente. Apesar de tudo não lhe
retira a beleza e aumenta a lenda.
Inês, mulher bela e apaixonada, morta jovem,
mártir do amor é lenda que se vai fecundando
na literatura e no imaginário popular.
Coroada rainha depois de morta, continua a
ser amada por gerações que sentem o sangue
quente e leve que o amor pode proporcionar.
Não foram as borboletas que a mataram mas
sim as mãos humanas cheias de ódio, de raiva
e de ciúme que jamais poderão ser
esquecidas.
- n.26 • julho 2021