Os novos medievais
Margarida Vale
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Feliz Aniversário
- Partilhar 24/03/2021
Passa um ano sobre a data em que o nosso
país parou. As escolas encerraram, as
pessoas foram enviadas para casa, o trabalho
passou a ser feito de forma diferente e
aquilo que se pensava, na santa ingenuidade
de alguns, ser uns dias, passou a 365 deles,
um ano redondo que veio alterar tudo. E
continua.
Os alunos, como se
esperava, passaram todos de ano e alguns com
notas maravilhosas e milagrosas, os exames
nacionais, esse tão extraordinário êxito,
vai ser repetido este ano letivo, o saber
deixou de fazer sentido e dá-se a primazia
ao que não importa. Os alunos que estudam
ficam equiparados aos preguiçosos, uma
maravilha como se entende. O mesmo se aplica
do outro lado, com o outro grupo, o dos
professores: uns esforçam-se e outros nem
por isso.
Muitas pessoas
perderam os seus postos de trabalho e a
miséria bate à porta de muitos, só que ainda
é envergonhada. Proíbem-se as pessoas de
trabalhar, as que ainda podem, esquecem-se
os mais novos que precisam de crescer e
brincar, os adolescentes passam a ser
bonecos neste xadrez e as consultas nos
hospitais deram uma volta tão grande que
desapareceram ou então são feitas através de
um aparelho, o telefone.
Nunca mais se morreu
de velhice, de gripes, de pneumonias nem de
outras doenças fatais, pois uma nova doença
tomou a dianteira e usurpou os lugares
cimeiros. Espalhou-se o medo e o pânico e as
trevas desceram sobre a terra fazendo
acordar os fantasmas tão adormecidos da
denúncia e da delação. A nova Idade Média,
com os seus novos medievais, chegou para
ficar.
Colocam-se máscaras
nas pessoas para não se lerem as expressões,
encerram-se as pessoas em casa, tratam-nas
como se fossem uns atrasados que precisam da
mão para atravessar a rua e começam a
fazer-se as divisões: uns de cara tapada e
os outros com ela à vista para que provem
que nada têm a esconder.
Acenam-se com as
cenouras de apoios sociais que não existem
ou que tardam em chegar ou são ridiculamente
humilhantes mas, quando não há pão, todos
ralham e ninguém tem razão. A melhor arma é
a ignorância e quando menos o povo souber
mais fácil é de ser manobrado. Mesmo que se
tente explicar, a falta de bom senso fala
com voz grossa e convence quem não sabe.
Criou-se o mito de
“Vamos ficar todos bem” mas a verdade é que
estamos bem mal, com gentes que mostram o
seu pior, que afinal não sabem amar mas sim
odiar e o egoísmo e a raiva, são os motes
que arrastam milhares mas sua onda.
Cortam-se os laços sociais e soltam-se as
incertezas e desconfianças, matéria prima
para as tormentas que se enfrentam em grande
escala.
Sobreviver passa a
ser a palavra de ordem e não importa o
custo. Por mais elevado que seja o preço,
não se olham a meios para atingir os fins.
Engana-se, empurra-se, rouba-se e afinal
está tudo bem, que o povo é sereno e afinal
é tudo fumaça. Enquanto houver dinheiro para
pagar a quem não tem preocupações, a vida
irá fluir. Os outros, enfim... os outros que
façam pela vida que os bem instalados não
querem saber.
Chega a guerra das
vacinas, dos laboratórios a faturarem que
nem uns doidos, com preços que ninguém sabe
e com informações que não batem certo. As
vacinas precisam de tempo para serem
testadas, para obter os resultados certos
sem margem de erro e onde a eficácia seja a
palavra que reine. A luta entre os ditos é
aguerrida e o que se sabe não é do agrado
geral. As notícias não batem certo e
suspendem-se as tais vacinas, mas afinal não
era nada e continua tudo na mesma.
Criam-se grupos para
receber as tão desejadas vacinas, as poções
milagrosas que vão ser o talismã que irá
acompanhar quem as quiser ou puder receber.
Criam-nos novas e inúteis divisões. Uns são
mais importantes do que os outros e ainda
existe um outro grupo, o dos que estão
sempre primeiro do que os primeiros, assim
uma espécie de escolhidos que terá a bênção
perfeita. Esses têm o futuro assegurado. É a
glória que é atingida.
Os mais velhos
continuam assustados, com medo até de
respirar e a palavra morte, aquela que
esconderam de tantos durante anos, passa a
ser a mais dita e divulgada, tal como a
doença que quer ser mediática e trazer à
ribalta os que são infetados com o tal
vírus. Os testes são feitos às três pancadas
e nada está dentro dos parâmetros a não ser
a má vontade e a falta de educação. Essa
conjugação está perfeita e funciona
autonomamente.
Outros estão tão
encolhidos que não sabem como será o dia de
hoje e muito menos o de amanhã. A luta é
diária. Perderam o que tinham e ainda podem
ter a esperança de que um dia recuperem o
que foi seu. Contudo há os que sabem que
nada voltará a ser como era e que a
escuridão ainda vai persistir durante muito
tempo. Esses estão bem conscientes da
realidade mas outros há que continuam a
tapar o sol com a peneira.
Esquecem-se de que
tudo pode mudar e quando houver lutas por
batatas e pão, o povo sabe mostrar que não
tem qualquer tipo de educação educação, que
não quer saber, que é capaz de qualquer
coisa para se manter. Ficar à tona com
elegância deixa de ser possível e a guerra,
que já começou, há muito, em modo de
suavidade, passa a violência da grossa e com
consequências bem graves.
Os constantes Estados
de Emergência são assassinatos de muitos. Os
pequenos negócios não têm capacidade para
sobreviver a este abre e fecha e a tantas e
tão díspares restrições. As pessoas querem
trabalhar, serem cidadãos úteis à sociedade
e não querem ser tratados como se fossem
pedintes ou crianças que precisam de quem
lhes dê a mão. A economia tem que funcionar
e não se pode matar um país em nome de
sabe-se lá o quê. Há que saber enfrentar as
dificuldades.
O futuro é hoje e
agora. Quem é que ainda não percebeu? Se não
se tomarem as devidas medidas e
providências, a escuridão irá manter-se e
tudo o que se conhecia antes, passará a
histórico e entra no mundo estranho das
quimeras e das utopias. Uns percebem e
outros insistem, uns querem e outros não e a
vida escoa-se como se fosse água que não
mata a sede mas sim a humanidade.
Felizmente que a
Primavera chega com os seus sons e tons, com
as tonalidades de pastel que a todos
encanta. Ver é delicioso, sentir é
maravilhoso e viver é único!
- n.23 • abril 2021