Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias de um menino que vivia num bordel


O melhor dia de minha vida | O melhor dia de minha vida (2.ª parte) |O pior de todos os dias | Um bordel é um lugar incrível | As muitas surras e a minha grande vingança | A estrela mais brilhante | Um príncipe tira minha mãe “daquele lugar” | Meus três tios heróis | O último Natal sem presentesUma vida de riquezasO desmaio | Escravizado aos 10 anos de idade | As fotos que não quero devolver | O beco dos aflitos


O desmaio

Morar com pessoas pagas pela minha mãe para cuidar de mim e minha irmã frequentemente resultava em agressões físicas e psicológicas contra nós dois. Mas, às vezes, morar com minha mãe significava mais maltratos ainda. As pressões que ela sofria do mundo em que tentava sobreviver eram enormes e, frequentemente, a deixavam irritada e mal humorada. Quem sofria as consequências, é claro, éramos minha irmã e eu, principalmente eu. Os tapas, empurrões, chineladas, beliscões ou agressões com os primeiros objetos que minha mãe via à sua frente eram mais dirigidos a mim do que para minha irmã. Isso porque eu, além de ser três anos mais velho, eu era mais saudável. Minha irmã sofria de uns desmaios nos quais ela ficava tremendo e com o olho arregalado. Periodicamente, lá estava minha irmã tendo suas crises. Eu não sabia que doença era, mas percebia que ela garantia à minha irmã o direito de não ser agredida com muita violência.

Um dia, depois de levar uma forte surra eu fui colocado de castigo sentado numa cadeira, da qual não podia sair de forma alguma, sob a ameaça de levar uma surra mais forte ainda. “Você só apanhou de tapas e pescoções (fortes empurrões), se sair da cadeira eu piso no seu pescoço”, avisara minha mãe. Só me restava ficar sentado. Então, depois um longo período imóvel naquela cadeira, talvez horas, eu não suportava mais! Foi quando me veio à cabeça a ideia de fingir um desmaio semelhante aos que minha irmã sofria. Eu me joguei no chão e fiquei tremendo e com os olhos arregalados.

A minha mãe viu aquilo e entrou em pânico! Me socorreu, me levou para a cama e chamou um taxi para me levar para o hospital. “Fábio, acorda, meu filho! O que aconteceu?” Eu fiquei caladinho. Se ela sonhasse que era um teatro para fugir do castigo, eu sabia que ela pisaria no meu pescoço! Só no hospital, quando o médico passou um remédio federento no meu nariz, eu fingi acordar! Então, fomos para o casa e castigo foi encerrado.

Este desmaio valeu a pena! Ele fez com que minha mãe se tornasse um pouco mais afetuosa e menos violenta comigo. Sofro muito quando lembro deste acontecimento. Uma forte dor emocional toma conta de mim. Fico imaginado o quanto as crianças são vulneráveis diante da ira daqueles que deveriam protegê-las. Ser espancado e sofrer castigos violentos era a sina de uma boa parte das crianças pobres que viveram naquela época. Não havia uma legislação que as protegessem. As pessoas de fora da família raramente interferiam. Naquela época, era natural que os pais espancassem os filhos. As agressões de minha mãe não significavam que ela não gostasse de mim! Para ela, educar era bater! Ela também foi criada sendo espancada violentamente pelos seus próprios pais. E depois, sendo espancada com toda severidade pela vida. Eu ainda não entendo bem, mas acho que as agressões contra mim e minha irmã eram uma forma de ela aliviar um pouco a dor da sua própria existência.

 De qualquer forma, as surras de minha mãe prepararam o meu couro para as agressões e castigos bem mais cruéis que veriam logo depois, quando eu fosse morar no internato! Lá, sim, as surras dadas pelos homens que tomavam conta das crianças me fizeram ver que as agressões da minha mãe não eram tão implacáveis assim! De qualquer, a todos que me agrediram física e psicologicamente, inclusive minha mãe, eu apenas tenho a dizer que eu os perdoo! A vida me deu muito mais amor do que surras e me deu muito mais carinho do que agressões! O ódio e a revolta que plantaram em mim não floresceram! E é isso o que importa!


Memórias de um menino que vivia num bordel

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