Memórias do Futuro
Fábio d'Abadia de Sousa
Memórias de um menino que vivia num bordel
O melhor dia de minha vida | O melhor dia de minha vida (2.ª parte) |O pior de todos os dias | Um bordel é um lugar incrível | As muitas surras e a minha grande vingança | A estrela mais brilhante | Um príncipe tira minha mãe “daquele lugar” | Meus três tios heróis | O último Natal sem presentes | Uma vida de riquezas | O desmaio | Escravizado aos 10 anos de idade | As fotos que não quero devolver | O beco dos aflitos
O desmaio
- Partilhar 11/05/2021
Morar
com pessoas pagas pela minha mãe para cuidar
de mim e minha irmã frequentemente resultava
em agressões físicas e psicológicas contra
nós dois. Mas, às vezes, morar com minha mãe
significava mais maltratos ainda. As
pressões que ela sofria do mundo em que
tentava sobreviver eram enormes e,
frequentemente, a deixavam irritada e mal
humorada. Quem sofria as consequências, é
claro, éramos minha irmã e eu,
principalmente eu. Os tapas, empurrões,
chineladas, beliscões ou agressões com os
primeiros objetos que minha mãe via à sua
frente eram mais dirigidos a mim do que para
minha irmã. Isso porque eu, além de ser três
anos mais velho, eu era mais saudável. Minha
irmã sofria de uns desmaios nos quais ela
ficava tremendo e com o olho arregalado.
Periodicamente, lá estava minha irmã tendo
suas crises. Eu não sabia que doença era,
mas percebia que ela garantia à minha irmã o
direito de não ser agredida com muita
violência.
Um
dia, depois de levar uma forte surra eu fui
colocado de castigo sentado numa cadeira, da
qual não podia sair de forma alguma, sob a
ameaça de levar uma surra mais forte ainda.
“Você só apanhou de tapas e pescoções
(fortes empurrões), se sair da cadeira eu
piso no seu pescoço”, avisara minha mãe. Só
me restava ficar sentado. Então, depois um
longo período imóvel naquela cadeira, talvez
horas, eu não suportava mais! Foi quando me
veio à cabeça a ideia de fingir um desmaio
semelhante aos que minha irmã sofria. Eu me
joguei no chão e fiquei tremendo e com os
olhos arregalados.
A
minha mãe viu aquilo e entrou em pânico! Me
socorreu, me levou para a cama e chamou um
taxi para me levar para o hospital. “Fábio,
acorda, meu filho! O que aconteceu?” Eu
fiquei caladinho. Se ela sonhasse que era um
teatro para fugir do castigo, eu sabia que
ela pisaria no meu pescoço! Só no hospital,
quando o médico passou um remédio federento
no meu nariz, eu fingi acordar! Então, fomos
para o casa e castigo foi encerrado.
Este
desmaio valeu a pena! Ele fez com que minha
mãe se tornasse um pouco mais afetuosa e
menos violenta comigo. Sofro muito quando
lembro deste acontecimento. Uma forte dor
emocional toma conta de mim. Fico imaginado
o quanto as crianças são vulneráveis diante
da ira daqueles que deveriam protegê-las.
Ser espancado e sofrer castigos violentos
era a sina de uma boa parte das crianças
pobres que viveram naquela época. Não havia
uma legislação que as protegessem. As
pessoas de fora da família raramente
interferiam. Naquela época, era natural que
os pais espancassem os filhos. As agressões
de minha mãe não significavam que ela não
gostasse de mim! Para ela, educar era bater!
Ela também foi criada sendo espancada
violentamente pelos seus próprios pais. E
depois, sendo espancada com toda severidade
pela vida. Eu ainda não entendo bem, mas
acho que as agressões contra mim e minha
irmã eram uma forma de ela aliviar um pouco
a dor da sua própria existência.
De qualquer forma, as surras de minha mãe prepararam o meu couro para as agressões e castigos bem mais cruéis que veriam logo depois, quando eu fosse morar no internato! Lá, sim, as surras dadas pelos homens que tomavam conta das crianças me fizeram ver que as agressões da minha mãe não eram tão implacáveis assim! De qualquer, a todos que me agrediram física e psicologicamente, inclusive minha mãe, eu apenas tenho a dizer que eu os perdoo! A vida me deu muito mais amor do que surras e me deu muito mais carinho do que agressões! O ódio e a revolta que plantaram em mim não floresceram! E é isso o que importa!
Memórias de um menino que vivia num bordel
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