Aníbal de Sousa

Breves Notas

Aníbal de Sousa

No Pulo do Lobo
Em êxtase

…Atraía-nos um fragor sempre crescente, poderoso e ameaçador e de súbito abriu-se à nossa frente, no contorno de um penhasco, o luminoso espelho de uma insuspeitada lagoa.

Nem a mais impercetível ruga perturbava a pureza absoluta da superfície.

Porém, percebia-se que um farto caudal, por misteriosos poderes, ali tornado manso, fluía vindo sabe-se lá de que remotos e agrestes leitos e, por uma breve e intolerável garganta, como que sugada por potente feitiçaria, despenhava-se a água numa violência avassaladora e num rugido que emergia das profundezas e se assinalava medonho pelo espaço.

Por muito tempo nos pasmou a estupenda rebeldia das águas e o seu formidável bramir e deixámos que nos aspergisse a bênção refrescante da ressaca que, numa diáfana florescência, coroava aquela tremenda manifestação de poder.

As águas pareciam querer fulminar as entranhas da terra e pareciam animadas de uma insuperável e súbita amotinação, ou agitadas por alguma implacável e portentosa força subterrânea.

Contudo, por espantosa magia, as águas caíam num breve desnível e, sem transição aparente, serenavam num plácido reduto e, diligentes, acomodavam-se a um coleante percurso talhado nas pedras, no que teria sido um amplo e áspero leito de bem conflituosa e bárbara torrente.

Ao longe perdia-se agora um agressivo corredor de antigas lavas que teriam mordido e trucidado sem piedade as rochas, que nos surgiam

como gigantesca e apodrecida dentição de descomunal e jacente monstruosidade.

Suspensos pasmámos ante aquele prodígio e nos questionámos sobre como as águas mansas, sem aviso, se enraiveciam, para logo esquecerem esse passado recente e, em grande paz, se espelharem e gentilmente fluírem sem rancor e talvez também sem memória.

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