Aníbal de Sousa

 

Aníbal de Sousa

Fazeria alguma defrença?

I

Atão o gajo deu aí um discurso marafade. O Ramalho Eanege. Aquilo tá bicudo. Tá áspero. Na sei. E o home está desmorecido. Os gajos apertam para as eleçonge, e ele, ham, não dá prontidão nehuma para isse.

Tem sete mil contege – mai será verdade? – que tem de despesa tôdege diage sete mil contos. Cá a nossa nação. Eu sei cá! Ele disse aí uma vez ou duas, que a nação tem de despesa sete mil contos todos os dias. Despesa em reformas e Casas de Povo e essas balhanas todas. Nas Casas do Povo, os serviços também não chegam a atingir o dinheiro para velhice. Tá bem que a gente paga, mas não atinge esse dinheiro. Eu pago todos os meses noventa e sete escudege. E eles agora levam de saláiros – a famila – um conto e cem. Já arreceberam aí alguns. Melheres e homes, é tudo igual. Agora mudaram para tudo igual. Agora o que é, é que mai deles ainda não vêm o dinheiro. Aquilo é tudo agora em meio de cheques. E quem não tiver livro de cheques não pode ir receber à recebedoria do Estado. E outros recebem no correio e outros nas Finanças. Não percebo nada.

II

Outro dia – aquilo teve piada – eu, doía-me aqui um braço, e bastante. A gente não vai fazendo caso. À uma, caí além de cima daquela casa, de forma que…E eu às vezes faço-me assim de parvo e começo a fazer força enzagerada, e depôge começou-me o braço a doer, a doer… Ora o que é que eu faço? Fui à Casa do Povo e enzegi uma chapa. E os gajos disseram, não sei quê…Se vocês não me passam uma chapa, vou já daqui caminho de Faro e depois alguém me há de pagar a chapa. E quem é que paga? Quem paga?! Paga o dinheiro. Antão eu estou descontando todos os meses aí noventa e sete escudos, não dá para uma chapa? Bandii-os logo. Agora é que você amolou a gente. Bom. Passaram-me uma caradencial para ir ao Hospital de Faro. Lá disseram-me assim: -Vocêa não pertence aqui. Atão onde é que eu pertenço? Vá a Loulé que também lá tiram chapas. Eh, hum! O doutor, aquilo é um carneiro. E eu digo, bom, vou-me largar já este cabrão da mão. Depois vim a Loulé. Vim nesse mesmo dia. Tiraram-me a chapa eram duas horas da tarde. Eu tenho lá um moço amigo que é o Clareano. É filho do Antóino Estralo. Não sei se amecês conhecem. Bom, o moço, é claro, tirou-me a chapa. Até hoje, não sei o resultado da chapa. Tiri a chapa e nem me disseram, nem venha tal dia, nem o raio. O que me valeu foi uma pomada que eu compri para não ir máge à Casa do Povo. Digo: Ah desgraçados! Sabe o que é que eles queriam? Era que eu alevantasse a chapa e pagasse a chapa. Sabe? E eu entendi que não. Isto foi há para aí uns dois meses. Olhe, eu não fiz caso nenhum daquilo. Não pagui um tostão. E se eles me enzegissem um tostão, eu dizia-lhes: olhe, paguem vocês. Que eu não estou a pagar à Casa do Povo e vocês não me fazerem nada.

III

De forma que eu – o doutor que está ali é muito meu amigo – eu já fui para estar com ele. Um dia atrás tinha entrado de férias. Digo: olhe, fiqui sabendo tanto como sabia. O doutor ensenou-me umas mezinhas. Bah! Bagagens. Sabe o que é que eu apanhi? Foi aí. Andi aí no leilão que eu que fui tirar a reforma por vinlidez. Já sabe? Como eu não pedia trabalhar, começaram aí a dar à língua: Ah, ele anda aí trabalhando todos os dias para os outros e foi dezer à Casa do Povo que não pedia trabalhar. Mage onde é que eu disse isso? Se eu não fui lá para esse intento. Ah! Ma cale-se aí! Mai custou-me tanto. Sabe quem foi a prenda aqui de Vale de Éguas? Foi ali a Marquinhas Carma. Começou aí a leiloar que eu cá ia ver se eles me davam a invalidez. Mas eu não disse nada. Mas pela primeira vez que eu tenha conversas com ela, eu digo-lhe assim: Olhe lá, fazeria algum mal que eu recebesse a reforma de invalidez e você já há uma data de anos andava aí ganhando dinheiro com a inglesa? E você, sabia-lhe bem. E agora que eu fosse por esse intento, fazia-lhe alguma defrença? E ia-lhe roubar alguma coisa que era seu?

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