Musique-se
Paulo Cunha
Professor: “espécie” em extinção
- Partilhar 10/03/2023
Como de costume,
ao iniciar o segundo período, perguntei
às minhas turmas se o "Pai Natal" lhes
tinha oferecido alguma prenda com
características musicais e que pudesse
ajudar a enriquecer a sua aprendizagem
da Educação Musical. Não tendo sido
muitos os alunos que me referiram ter
recebido como oferta um instrumento
musical, os que tiveram esse privilégio
referiram estar muitos felizes, pois
assim já poderiam "fazer música".
Quando lhes perguntei se já tinham
escolhido um professor ou se já estavam
a frequentar aulas instrumentais,
invariavelmente, todos me deram a mesma
resposta: não precisavam, pois iriam ou
já estavam a aprender com os vídeos que
estão no youtube. Quando lhes questionei
quais eram então os professores que
tinham escolhido nessa plataforma
digital, responderam-me que não sabiam,
pois havia muita escolha e pouco lhes
interessava quem ensinava, desde que
fosse em português, mesmo do Brasil,
escolhiam o primeiro a aparecer.
Não tendo sido fácil “digerir“ tais
respostas, pois colocavam em causa a
identidade, a formação e a qualidade
pedagógica de quem tinha partilhado as
suas aulas com o mundo virtual,
mostrou-me também que não é um professor
no sentido literal do termo que os
atuais alunos procuram, mas sim um
qualquer utilitário “à borla” com o qual
aprendam ou tirem as suas dúvidas, tal
como uma qualquer bula para a toma de um
medicamento. Nada a comentar, muito
menos a fazer: o tempo tornou-nos nos
«Professores Kleenex»!
Por
experiência própria e por testemunhos
transmitidos por vários colegas
professores, tenho vindo a constatar que
grande parte dos nossos alunos acabam o
ano letivo sem saber os nossos nomes,
deixando de nos cumprimentar ou falar
logo que atingem os seus objetivos. Já
não necessitando dos seus antigos
mestres, descartam-nos como fazem com os
professores youtube. Literalmente,
desligam-nos!
Como dizem muitos
jovens: “Está tudo na internet!” É
verdade, atualmente, há por aí muita
gente a dizer com gáudio e orgulho ao
mundo que não foi preciso ter tido um
professor de música para viver da
música. Como resultado duma Educação
Musical insuficiente e deficiente é cada
vez mais difícil formar ouvintes e
apreciadores habilitados a separar,
musicalmente, o trigo do joio. É assim
que a mediania se tem vindo a tornar
bitola.
Para muitos basta
sonhar, pois, segundo eles, todos
nascemos artistas. Para esses tenho uma
boa notícia: os professores, a curto
prazo, serão substituídos por aulas
online, previamente gravadas para
consumo fast e direcionado.
Professores - essa “espécie” em extinção
que na música já está a ser substituída
pelo incaracterístico e impessoal robot
“Prof. Youtube”. Será que ainda não
tinham reparado?...
- n.46 • março 2023