Paulo Cunha

Musique-se

Paulo Cunha

Concertos ou espetáculos musicais?

Um destes dias, tive a oportunidade de “ouver” num cinema de Faro, transmitido com um pequeno lapso de tempo de desfasamento, um concerto da banda Coldplay num estádio de Buenos Aires. Confortavelmente sentado, numa sala climatizada, sem gente aos gritos nem aos saltos, tive a oportunidade de apreciar um dos melhores espetáculos visuais e sonoros que me foram dados, até hoje, a assistir. Talvez porque tivesse todas as condições para o fazer, consegui observar ao pormenor como se fideliza o público para este tipo de espetáculos, onde a música poderia até ser completamente gravada e os músicos, assim, fazer playback total. Os condimentos estavam lá todos, bastava apenas desfrutá-los. Foi o caso!

Somando toda a parafernália tecnológica de última geração à maestria e profissionalismo como a banda geria uma encenação cuidada ao mais ínfimo pormenor, o tempo parecia não passar pela quantidade de hits que colocaram o estádio, profusa e criativamente iluminado, a cantar e a dançar. Não poderia haver melhor adjetivação: espetacular! Aliás, de outra coisa não se poderia esperar, sendo aquele evento um grande espetáculo musical e não apenas um concerto.

Logo que começaram a tocar, vieram-me à mente os concertos do Beatles em estádios com as bancadas cheias, com fãs histéricos ao - simplesmente - vê-los ao longe, num pequeno palco montado num qualquer canto das quatro linhas do campo relvado, com amplificadores diminutos e iluminação quase monocromática. Não havendo écrans, os binóculos saciavam o reduzido som que ecoava entre as bancadas. Imaginei o que seriam, agora, os concertos que deram nos anos sessenta. Será que, hoje, seriam apenas concertos? Muito provavelmente, não. A sua sublime música seria, como com quase todas as megabandas internacionais, embrulhada em efeitos especiais que nos encantariam os sentidos, mas, provavelmente, nos afastariam da originalidade, criatividade e interpretação que só eles, enquanto coletivo musical, conseguiam transmitir.

Parecendo ter ouvido os meus pensamentos, já quase a chegar ao fim do espetáculo musical, querendo homenagear um tempo em que ensaiavam num pequeno quarto e se apresentavam em espaços reduzidos, o grupo saiu do conceito “espetacular espetáculo” e deslocou-se para um pequeno e singelo palco, entre o público, onde os quatro, virados uns para os outros, relembraram um outro tempo. Foi delicioso para os ouvidos, pois a pureza e a essência da música estavam lá. Quiseram mostrar ao mundo que ainda não a perderam... e conseguiram!

Integrando dois agrupamentos musicais em que a amplificação e a luminotecnia são diminutas, o desempenho, a execução e o rigor instrumental e vocal continuam a ser os motivos que me levam ainda a tocar em grupo. Por isso, aconselho os meus alunos que façam silêncio enquanto escutam música ao vivo, a não ser que os músicos solicitem a participação do público. Obviamente, compreendo que não entendam a minha sugestão, pois, segundo eles, a (sua) música é para ser “curtida alta e em bom som”, acompanhada por berros cantados, palmas e saltos. Não tenho nada contra, pois sei que é este o conceito de espetáculo musical, um cocktail de estímulos onde a música acaba para ser o principal chamariz para provocar no consumidor as reações desejadas.

Ambas as manifestações musicais são válidas e desejáveis. O importante é saber distingui-las, enquadrá-las e não exigir de quem vive da e para a música que cada concerto seu se transforme num espetáculo. Até porque a boa música é já por si um espetáculo!