Musique-se
Paulo Cunha
Não consegui bilhete!
- Partilhar 01/09/2022
Face às
contingências e consequências da guerra
que ora decorre na Ucrânia e tendo em
conta a crise financeira que se promete
instalar nos lares de muitas famílias
portuguesas, muitos questionam-se como é
que duzentos mil portugueses, cinquenta
mil por dia (números veiculados pela
promotora Everything is New),
marcarão presença nos espetáculos em
Portugal da digressão Music of the
Spheres da banda britânica
Coldplay em maio do ano que vem.
Num ápice esgotaram-se os quatro
concertos (17, 18, 20 e 21 de maio de
2023) que foram, sábia e
estrategicamente, anunciados hora após
hora para o Estádio “Cidade de Coimbra”.
Segundo declarações da presidente
executiva da plataforma de venda de
bilhetes Ticketline, nunca houve
tanta gente a querer marcar presença num
espetáculo em solo português. Apesar da
venda de bilhetes ter estado limitada a
seis unidades por pessoa com o propósito
de evitar “açambarcamentos”, o mercado
paralelo continua a ter ingressos à
venda por preços astronómicos (seis
vezes mais caros).
Convém
recordar que os preços dos bilhetes não
eram propriamente acessíveis (entre os
85€ e os 500€). O que terá então levado
tanta gente a pernoitar à porta das
bilheteiras físicas, a permanecer horas
a fio em filas intermináveis e fazer com
que os sites virtuais de venda
autorizada (portugueses, espanhóis e
ingleses) deixassem de funcionar, devido
ao anómalo registo para aquisição de
bilhetes? Obviamente, são múltiplos
fatores. Somados, resultaram nesta
histeria coletiva que se tornou um marco
para a indústria musical portuguesa.
Se já antes os promotores/produtores
tinham como dado adquirido o ganho no
investimento em espetáculos integrados
em megadigressões mundiais das estrelas
da indústria discográfica e
videográfica, imaginem o que será o
futuro. Bilhetes vendidos a quase um
ano de distância dos concertos renderão
muito em juros, e eles sabem-no. Os
músicos, esses receberão apenas o
acordado entre as partes. Afinal de
contas, tudo se resume à compra e venda
de um produto. Neste caso, um espetáculo
onde a música também faz parte do
“pacote” (três palcos, êxitos
estrondosos, versões inesperadas, écrans
com efeitos especiais, pirotecnia e,
obviamente, o público transformado num
coro eufórico).
Sendo conhecedor
e apreciador da banda, coloco,
naturalmente, a sua qualidade musical
como o principal fator para a procura
desenfreada de bilhetes em todos os
continentes onde a sua digressão
passará. São também fatores a ter em
conta o facto de ser uma banda com um
grande e consistente percurso temporal,
assente numa quantidade assinalável de
êxitos; usufruírem duma excelente,
funcional e bem orquestrada campanha de
marketing da sua editora discográfica;
em virtude da pandemia, pelo facto de
termos estado impedidos de vivenciar a
música tocada e interpretada ao vivo,
terem meio mundo a querer “ouvê-los”; o
desejo de usarmos os seus concertos como
forma de descompressão, catarse e
revivalismo; podermos apreciar, ao vivo
e em família, a encenação e
espetacularidade dos seus concertos;
podermos ter os seus concertos no
currículo enquanto consumidores e fãs da
sua música.
Gostaria que, a
reboque e como consequência desta
situação inusitada no nosso país, os
portugueses tenham, doravante, o mesmo
ensejo de encher todos os tipos de
salas, auditórios, pavilhões e estádios
para desfrutar do que tantos e bons
músicos lhes têm para oferecer.
Experimentem partilhar e comungar o
vosso gosto pela boa música com aqueles
que através da música tornam os nossos
dias melhores e, por certo, sentirão o
bem-estar que a música proporciona. Eu
tento fazer a minha parte!
- n.40 • setembro 2022