Paulo Cunha

Musique-se

Paulo Cunha

Músicos sem Classe

Sempre que escrevo algo sobre músicos, invariavelmente, alguém ligado à música comenta: “Há músicos e músicos!” ou “O que é afinal um músico?”. Na minha modesta opinião, tal como noutras profissões, um músico é alguém que tem características intrínsecas e aptidões naturais para a função (compor, criar, interpretar e executar música), alguém que continua a estudar, a aprender e a praticar os vastos mecanismos que tornam a música (como um todo) como uma das mais atraentes vertentes artísticas e, finalmente, alguém que exerce a profissão.

É comum alguém, a quem disseram que tem jeito para a música, convencer-se que basta comprar um instrumento ou usar a sua voz, a solo ou em conjunto, para se transformar num músico. Só será um verdadeiro aspirante a músico todo aquele que, para além de trabalhar para que tal aconteça, tenha a humildade e o pudor suficientes para não usurpar as tábuas dos palcos destinados a quem, por direito próprio, fez por merecer o reconhecimento dos seus pares e do público.  

Sendo a música uma área onde a oferta é grande, consequentemente, a concorrência entre pares será também grande, daí o provérbio popular “Só quem tem unhas é que toca guitarra”. O mercado, esse exigente e feroz júri, será o primeiro a escolher quem conseguirá singrar como músico e viver somente da profissão. Sendo assim, seria natural que os músicos se unissem e, manifestando espírito de classe, se apoiassem mais, sem olhar a proveniências nem a géneros musicais. Mas quem observa com a devida atenção o fenómeno musical em Portugal já terá reparado que os músicos só se unem para pedir e não para criar infraestruturas sólidas e duradouras que lhes permitam salvaguardar, com classe, a sua Classe.

Custa-me admiti-lo publicamente, mas os piores inimigos dos músicos são eles próprios. Erguendo muros em torno dos géneros musicais que dominam, impedem a livre e desejável troca e debate de ideias entre pares e, consequentemente, a união enquanto Classe. Porque uma Classe só existe quando se assume como tal na defesa dos seus direitos!

Usando os mesmos doze sons empregados na música ocidental, muitos músicos e respetivos ouvintes radicalizam os seus gostos musicais em função da alegada superioridade da sua música em detrimento das outras. Como se o saber ler uma pauta musical, interpretar cifras ou tocar de memória fossem condições únicas, suficientes e necessárias para classificar e hierarquizar um músico. Será o número de notas musicais, ritmos, texturas, timbres e acordes usados num género musical a condição necessária para o tornar mais importante do que outro? Infelizmente, há quem o ache. Felizmente, há apreciadores de música, onde me incluo, que acham que não. A música basta-se!