Musique-se
Paulo Cunha
Músicos sem Classe
- Partilhar 31/05/2022
Sempre que
escrevo algo sobre músicos,
invariavelmente, alguém ligado à música
comenta: “Há músicos e músicos!” ou “O
que é afinal um músico?”. Na minha
modesta opinião, tal como noutras
profissões, um músico é alguém que tem
características intrínsecas e aptidões
naturais para a função (compor, criar,
interpretar e executar música), alguém
que continua a estudar, a aprender e a
praticar os vastos mecanismos que tornam
a música (como um todo) como uma das
mais atraentes vertentes artísticas e,
finalmente, alguém que exerce a
profissão.
É comum alguém, a quem
disseram que tem jeito para a música,
convencer-se que basta comprar um
instrumento ou usar a sua voz, a solo ou
em conjunto, para se transformar num
músico. Só será um verdadeiro aspirante
a músico todo aquele que, para além de
trabalhar para que tal aconteça, tenha a
humildade e o pudor suficientes para não
usurpar as tábuas dos palcos destinados
a quem, por direito próprio, fez por
merecer o reconhecimento dos seus pares
e do público.
Sendo a música
uma área onde a oferta é grande,
consequentemente, a concorrência entre
pares será também grande, daí o
provérbio popular “Só quem tem unhas é
que toca guitarra”. O mercado, esse
exigente e feroz júri, será o primeiro a
escolher quem conseguirá singrar como
músico e viver somente da profissão.
Sendo assim, seria natural que os
músicos se unissem e, manifestando
espírito de classe, se apoiassem mais,
sem olhar a proveniências nem a géneros
musicais. Mas quem observa com a devida
atenção o fenómeno musical em Portugal
já terá reparado que os músicos só se
unem para pedir e não para criar
infraestruturas sólidas e duradouras que
lhes permitam salvaguardar, com classe,
a sua Classe.
Custa-me admiti-lo
publicamente, mas os piores inimigos dos
músicos são eles próprios. Erguendo
muros em torno dos géneros musicais que
dominam, impedem a livre e desejável
troca e debate de ideias entre pares e,
consequentemente, a união enquanto
Classe. Porque uma Classe só existe
quando se assume como tal na defesa dos
seus direitos!
Usando os mesmos
doze sons empregados na música
ocidental, muitos músicos e respetivos
ouvintes radicalizam os seus gostos
musicais em função da alegada
superioridade da sua música em
detrimento das outras. Como se o saber
ler uma pauta musical, interpretar
cifras ou tocar de memória fossem
condições únicas, suficientes e
necessárias para classificar e
hierarquizar um músico. Será o número de
notas musicais, ritmos, texturas,
timbres e acordes usados num género
musical a condição necessária para o
tornar mais importante do que outro?
Infelizmente, há quem o ache.
Felizmente, há apreciadores de música,
onde me incluo, que acham que não. A
música basta-se!
- n.37 • junho 2022