Musique-se
Paulo Cunha
Música para entreter
- Partilhar 01/04/2022
A quem me
pergunta se é aconselhável juntar vários
prazeres num só momento, obviamente,
respondo que sim, tal o desfrute
proporcionado. Acompanhar uma boa
refeição com uma boa música gravada não
me repugna, antes pelo contrário. Tenho
é dificuldade em assistir,
reiteradamente, ao uso indevido e
inapropriado do trabalho interpretativo
e criativo de bons músicos em situações
recreativas, onde o seu trabalho é
travestido em “música de
entretenimento”. Se querem proporcionar
entretenimento, comprem um cd,
reproduzam-no e paguem os devidos
direitos de autor. O efeito será o mesmo
para os ouvintes.
Todo sabemos
que existem determinados contextos
sociais, de animação e festivos, em que
a música deve ter um papel impulsionador
da dança, do karaoke, do canto e da boa
disposição. Os músicos que a tocam
sabem-no e quando vendem os seus
serviços sabem ao que vão. Ninguém
engana ninguém!
Não basta
contratar um músico e pagar-lhe a
remuneração após o “serviço” realizado
para esperar que o mesmo se sinta
devidamente compensado e reconhecido, ao
perceber que equipararam o seu trabalho
e a sua arte a um reprodutor de cd ou
mp3. Isso acontece frequentemente
quando, em determinados espaços de
diversão e de lazer, os seus
proprietários teimam em apresentar
música ao vivo apenas como chamariz e
adorno, não lhe dando o devido destaque,
projeção e enquadramento.
Para
além das notas que colocam a comida no
prato, os músicos necessitam também que
as notas que interpretam ao vivo sejam
devidamente ouvidas, acompanhadas,
participadas e apreciadas. Receber as
merecidas palmas no final de cada
interpretação dar-lhes-á, por certo,
alento e ânimo para continuar a tocar.
Recordo-me duma receção de um
Congresso de Biologia Marinha realizado
em Florianópolis, em que a organização
contratou um grupo de músicos para tocar
enquanto a mesma decorria. Enquanto os
participantes, de várias nacionalidades,
bebiam, comiam e confraternizavam, eu
apreciava a excelência e a qualidade da
música que então se ouvia. Sendo dos
poucos que lhes batiam palmas, começaram
literalmente a tocar para mim. No final,
ao lhes agradecer e dar-lhes os
parabéns, perguntei-lhes qual era o nome
do agrupamento, ao que me responderam
serem músicos da Orquestra Sinfónica de
Santa Catarina. Percebendo que era
português, todos me abraçaram,
agradecendo o interesse e a atenção que
por eles manifestei. Ainda hoje guardo
os seus contactos.
Sei que os
músicos profissionais não se alimentam
de notas musicais, mas também sei que a
sua maior retribuição é a atenção que os
ouvintes lhes prestam. Não consigo
entender como se convidam e contratam
músicos para eventos onde a música é
menosprezada e secundarizada e os seus
intervenientes apenas desempenham papéis
decorativos e de mero adorno. Imaginem
convidarem-vos para darem uma palestra
sobre a vossa profissão para comensais
que, falando, rindo, comendo e bebendo,
não vos prestam a mínima atenção.
Gostariam? Os músicos também não!
- n.35 • abril 2022