Paulo Cunha

Musique-se

Paulo Cunha

Música para entreter

A quem me pergunta se é aconselhável juntar vários prazeres num só momento, obviamente, respondo que sim, tal o desfrute proporcionado. Acompanhar uma boa refeição com uma boa música gravada não me repugna, antes pelo contrário. Tenho é dificuldade em assistir, reiteradamente, ao uso indevido e inapropriado do trabalho interpretativo e criativo de bons músicos em situações recreativas, onde o seu trabalho é travestido em “música de entretenimento”. Se querem proporcionar entretenimento, comprem um cd, reproduzam-no e paguem os devidos direitos de autor. O efeito será o mesmo para os ouvintes.

Todo sabemos que existem determinados contextos sociais, de animação e festivos, em que a música deve ter um papel impulsionador da dança, do karaoke, do canto e da boa disposição. Os músicos que a tocam sabem-no e quando vendem os seus serviços sabem ao que vão. Ninguém engana ninguém!

Não basta contratar um músico e pagar-lhe a remuneração após o “serviço” realizado para esperar que o mesmo se sinta devidamente compensado e reconhecido, ao perceber que equipararam o seu trabalho e a sua arte a um reprodutor de cd ou mp3. Isso acontece frequentemente quando, em determinados espaços de diversão e de lazer, os seus proprietários teimam em apresentar música ao vivo apenas como chamariz e adorno, não lhe dando o devido destaque, projeção e enquadramento.

Para além das notas que colocam a comida no prato, os músicos necessitam também que as notas que interpretam ao vivo sejam devidamente ouvidas, acompanhadas, participadas e apreciadas. Receber as merecidas palmas no final de cada interpretação dar-lhes-á, por certo, alento e ânimo para continuar a tocar.

Recordo-me duma receção de um Congresso de Biologia Marinha realizado em Florianópolis, em que a organização contratou um grupo de músicos para tocar enquanto a mesma decorria. Enquanto os participantes, de várias nacionalidades, bebiam, comiam e confraternizavam, eu apreciava a excelência e a qualidade da música que então se ouvia. Sendo dos poucos que lhes batiam palmas, começaram literalmente a tocar para mim. No final, ao lhes agradecer e dar-lhes os parabéns, perguntei-lhes qual era o nome do agrupamento, ao que me responderam serem músicos da Orquestra Sinfónica de Santa Catarina. Percebendo que era português, todos me abraçaram, agradecendo o interesse e a atenção que por eles manifestei. Ainda hoje guardo os seus contactos.

Sei que os músicos profissionais não se alimentam de notas musicais, mas também sei que a sua maior retribuição é a atenção que os ouvintes lhes prestam. Não consigo entender como se convidam e contratam músicos para eventos onde a música é menosprezada e secundarizada e os seus intervenientes apenas desempenham papéis decorativos e de mero adorno. Imaginem convidarem-vos para darem uma palestra sobre a vossa profissão para comensais que, falando, rindo, comendo e bebendo, não vos prestam a mínima atenção. Gostariam? Os músicos também não!