Uma Pequena História da Música [30]

Lully e Charpentier

O barroco francês caracteriza-se pela sua majestade. Versailles é o eixo em torno do qual gira toda a música francesa da época e a corte de Luís XIV o paradigma da música como divertimento. Dois músicos se destacam dos demais, Lully e Charpentier.

De origem italiana, mas naturalizado francês, Jean Baptiste Lully (1632-1687) foi o compositor que estabeleceu a estrutura e os símbolos da ópera em França.
Por sua vez, igual em importância a ele e também dedicado a outro género vocal, mas neste caso de natureza sacra, a oratória, é Marc-Antoine Charpentier (1643-1704) .

CORTÊS E ASTUTO
Para compreendermos a importância de Lully na história da música barroca francesa, temos de olhar mais de perto para a sua personalidade. Oriundo de uma humilde família florentina, os seus talentos atraíram a atenção do cavalheiro Roger de Loraine, que o levou consigo para Paris para ajudar a sobrinha, Madame de Montpensier, a praticar italiano. Já introduzido nos círculos aristocráticos, aprendeu a tocar violino e revelou-se um notável bailarino. Em 1652, entrou ao serviço do rei Luís XIV e, no ano seguinte, dançou com ele no Ballet de la Nuit, tornando-se assim um dos músicos preferidos da corte.
Perfeito cortesão e muito hábil nos negócios, rapidamente prosperou na corte: maestro de uma nova orquestra, primeiro compositor da corte, compositor de câmara e superintendente de música do próprio rei.

O BALLET-COMÉDIA
A partir de 1664, Lully começou a colaborar regularmente com o grande dramaturgo cómico Molière e juntos criaram uma série de ballets-comédias, um novo género que combinava a ação teatral com o ballet cortês. Após a estreia de Le bourgeois gentilhomme, em 1670, a parceria entre músico e dramaturgo foi quebrada e Lully concentrou-se no género que lhe traria a sua maior fama como compositor: a ópera, categoria em que brilharia como um dos mais brilhantes compositores do período barroco.

LULLY E A ÓPERA FRANCESA
Enquanto no resto dos países europeus a ópera seguia a estética italiana, em França houve um compositor, Lully, que criou um estilo com uma estética diferente, que se poderia chamar tragédia lírica em vez de ópera. A principal diferença em relação às óperas clássicas é que as óperas de Lully eram entendidas como peças dramáticas completas e tinham uma encenação complexa. Nelas, a música e o libreto eram enriquecidos com bailados, coro e ajudantes de palco que, a meio de cada ato, executavam um divertimento mais ou menos relacionado com a ação. Em suma, eram obras solenes e majestosas que se centravam mais na clareza do texto do que na exibição dos cantores.
O novo entendimento de Lully sobre a ópera começou com a estreia do seu Cadmo et Hernione em 1673, que se tornou uma obra de referência para os grandes compositores até ao início do século XVII. Mas nenhum dos seus compatriotas conseguiu ofuscá-lo, uma vez que Lully obteve de Luís XIV o monopólio da produção de óperas ou tragédias líricas e, após a morte de Molière, a posse do seu antigo teatro, o Palais Royal, livre de encargos. Irá terminar os seus dias como secretário do rei.

La passacaille du cinquième acte de la tragédie musicale Armide
de Jean Baptiste Lully.
Ténor : Cyril Auvity
Direction : William Christie
Orchestre : Les Arts Florissants


CHARPENTIER E O ORATÓRIO FRANCÊS
A grande qualidade da sua música e a sua versatilidade no cultivo de diferentes estilos foram em parte ensombradas pela fama e influência do seu contemporâneo Lully, que o impediu de estrear as suas óperas e de prosperar na corte, fazendo-o perder o cargo de mestre de capela do Delfim. Para compreender esta hostilidade manifesta, é preciso ter em conta que, quando Lully e Molière romperam a sua colaboração na companhia de comédia-ballet, o dramaturgo contratou Charpentier como compositor... e Lully não lhe perdoou. Mas o que Lully nunca lhe pôde tirar foi o reconhecimento dado a Charpentier como o criador do oratório francês, seguindo o estilo de Giacomo Carissimi.
Parece que Charpentier estudou com ele em Roma e aí se familiarizou com os novos géneros barrocos que mais tarde levaria para França. Embora existam diferenças notáveis entre os oratórios do italiano e os 30 oratórios compostos por Charpentier, como a maior importância que deu à parte instrumental e certas características do texto que tornam as suas obras semelhantes à ópera, embora sem árias ou passagens de virtuosismo vocal e com uma marcada predominância da intervenção do coro. Charpentier realizou uma síntese das tradições italiana e francesa na sua obra, sobretudo no domínio da música vocal sacra, a que pertence o seu famoso Te Deum. Destacou-se também na ópera, faceta em que deixou títulos como Les arts forissants (1673), Actéon (1690) e Medée (1693).

Adaptado por Francisco Gil,
A partir de um texto de J. L. Iriarte

Marc Antoine Charpentier (1643-1704) :
Messe de minuit à 4 voix, flûtes et violons, pour Noël, H.9
Concert filmé à l' @AbbayeFontevraud le 11 décembre 2022

Direction musicale / Musical direction
William CHRISTIE

Choeur et orchestre / choir and orchestra
Les Arts Florissants

Lucía Martín Cartón, soprano
Nicholas Scott, haute-contre / high tenor
Padraic Rowan, basse / bass


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