Uma Pequena História da Música [6]

Polifonia

  • PDF        13/08/2023

Nos séculos XII e XIII, a par do apogeu da poesia lírica trovadoresca, da canção e da dança populares, o terceiro fenómeno importante na história da música medieval, a polifonia, assume particular importância. Embora não se tenha tornado o género dominante, constituiu um grande avanço musical.

A polifonia é a arte de combinar, simultaneamente, os sons e as melodias de várias vozes e instrumentos para formar um todo harmonioso. Foi uma grande revolução em relação à música monódica.
Não se sabe ao certo quando nasceu a polifonia. Embora os primeiros testemunhos escritos remontem ao século X, acredita-se que já existia nas sociedades primitivas. Com base nestas e no seu desenvolvimento posterior, distinguem-se geralmente três grandes períodos na polifonia medieval: a polifonia primitiva (séc. IX-XI), a Ars Antiqua (séc. XII-XIII) e a Ars Nova (séc. XIV).

POLIFONIA PRIMITIVA
As formas musicais mais interessantes deste período são o organum paralelo (séc. I-X), o organum melismático e o discantum (séc. X). O organum paralelo era uma reunião harmoniosa de vozes. Consistia em acrescentar a uma melodia gregoriana, chamada cantus firmus ou voz principal (superior), uma segunda voz, chamada organal ou ornamental (inferior), a uma distância de quarta ou quinta. Na realidade, não se tratava de composições no estilo do que hoje se entende como tal, mas de uma forma diferente de cantar o repertório litúrgico tradicional.
No organum melismático a melodia gregoriana era a mais baixa, com notas muito longas, e para cada uma dessas notas a segunda voz, neste caso a mais alta, cantava muitas notas (melisma). O discantum era constituído por duas vozes que seguiam movimentos opostos, sendo a voz principal ou gregoriana sempre a mais baixa.

ARS ANTIQUA
A polifonia dos séculos XII e XIII foi dominada pela escola parisiense ou de Notre-Dame. Este foi um período de grande apogeu cultural, o estilo gótico estava em todo o seu esplendor e a construção de grandes catedrais estava a começar. Paris era, sem dúvida, a capital cultural do continente e nela viviam os músicos mais importantes da época: Léonin (organista de Notre-Dame) e o seu sucessor Perotin. Foi também nesta cidade que se desenvolveram as novas formas de polifonia, que rapidamente se espalharam por toda a Europa.
Quanto a estas formas musicais, o organum continuou a desenvolver-se e foi alargado a três e quatro vozes, gozando de maior liberdade e deixando de estar subordinado ao paralelismo do período anterior.
Outra forma musical foi o conductus, em que a melodia principal já não era gregoriana, mas composta por um autor, e a polifonia era construída sobre esta nova melodia. As duas vozes eram mais dependentes uma da outra do que no organum.

ARS NOVA
No século XIV, com a Ars Nova, a música polifónica medieval atingiu a sua maior perfeição. O nome deste período é retirado do título abreviado de vários tratados musicais da época, como o do compositor francês Philippe de Vitry (1291-1361), no qual o compositor estabeleceu novas diretrizes para a escrita de música que representaram uma revolução contra a tradição. Vitry foi um religioso, compositor e teórico musical francês. Tornou-se bispo de Meaux em 1351, e a sua obra teve uma influência poderosa na música ocidental, especialmente o seu tratado sobre notação musical Ars Nova, que deu o nome a todo o movimento musical do seu tempo. São-lhe atribuídas belas composições vocais polifónicas (motetes) que foram elogiadas por Dante.
Ao longo deste período, a polifonia sofreu importantes transformações, perdendo o seu simbolismo teológico e procurando o efeito sonoro através do enriquecimento e variedade de ritmos arrojados, temas e melodias cada vez mais complexos. Representou também a fase em que, pela primeira vez, os músicos passaram a ser conhecidos como tal, deixando clara a sua própria originalidade. As formas afastaram-se da música sacra e secular e a canção popular ganhou influência. A forma musical de eleição nesta época é o motete, apresentado em polifonia a três vozes, com ritmo e texto individualizados, ou num estilo harmónico semelhante ao conductus. Os motetes deixaram de ser escritos em forma de partitura (ou seja, uma voz sobre a outra) e passaram a ser escritos em formato de livro coral, geralmente em páginas duplas (duplum de um lado, motetes do outro, tenor sob ambos). É possível que esta mudança tenha ocorrido em parte porque o pergaminho era escasso e caro (para além do facto de o tenor ocupar menos espaço do que as vozes superiores).

Adaptado por Francisco Gil,
A partir de um texto de J. L. Iriarte

Philippe de Vitry: Motete "Quoniam secta latronum".


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