Uma Pequena História da Música [8]

A redescoberta da antiguidade clássica

Uma série de fatores políticos, sociais, económicos e intelectuais tornaram possível a grande revolução musical do século XVI. A imprensa contribuiu para a difusão da nova música e os mecenas e as grandes cerimónias da aristocracia para o intercâmbio musical em toda a Europa.

O ponto de partida da mudança musical pode ser fixado no início do século XV, quando, após as experiências da Ars Nova, surgiu um estilo mais claro e expressivo, com características bastante homogéneas em toda a Europa. Nem todos os países iniciaram este renascimento musical ao mesmo tempo, a França fê-lo no início do século XV, mas a escola italiana, por exemplo, foi um pouco mais tardia. Em todo o caso, entre 1460 e 1470, toda a música europeia se tinha libertado do seu espírito medieval e estava a caminho de descobrir novas fórmulas para unir texto e música.

IMITAÇÃO DA ANTIGUIDADE
O aparecimento do gosto e da admiração por todas as formas da antiguidade clássica começou em Florença por volta de 1400, mas com manifestações artísticas que apenas marcaram uma mudança de tendência nas artes visuais (arquitetura, pintura e escultura).
No que diz respeito à música, esta revalorização da antiguidade foi mais tardia. Os músicos assimilaram lentamente as teorias antigas sobre a expressão das paixões e a importância do texto literário, e só em meados do século XVI é que esta aprendizagem se traduziu em composições musicais que imitavam o novo modo de expressão.
Ao mesmo tempo que a redescoberta da Antiguidade, era o espírito humanista que favorecia a mudança. Surge o gosto pela experimentação e a revalorização da arte como elemento de fruição pessoal.

REFORMA E CONTRARREFORMA
Os fenómenos religiosos e sociais tiveram uma grande influência no desenvolvimento da música renascentista. A Reforma Protestante respondeu a um desejo de renovação dos costumes e da vida social, e a sua congénere, a Contrarreforma Católica, procurou reconstruir uma Igreja que tinha perdido parte dos seus princípios originais. Em ambos os casos, isso traduziu-se musicalmente num aumento da criatividade, na invenção de uma nova linguagem, mais clara, capaz de preservar e garantir a compreensão das palavras, da mensagem religiosa.

A IMPRENSA
Mas todos estes processos de renovação artística não teriam tido o mesmo alcance nem a mesma difusão sem o desenvolvimento da imprensa. A primeira compilação musical impressa, o Odhecaton (Harmonice Musices Odhecaton), viu a luz do dia em Veneza, em 1501, na tipografia de Ottaviano Petrucci, um fabricante de papel, impressor e editor italiano que inventou um sistema de impressão de música por meio de tipos móveis. Este sistema era muito complexo e exigia três impressões sucessivas e um alinhamento perfeito dos caracteres da xilogravura para tornar a partitura legível. Ao longo dos anos, Petrucci aperfeiçoou a sua técnica e conseguiu imprimir partituras com apenas duas impressões, mas só em 1520 é que se conseguiram impressões de qualidade em Londres com um único passo de impressão, um método que foi amplamente divulgado pelo francês Pierre Attaignant.
A imprensa não só contribuiu para a divulgação das obras, como também para a simplificação da notação musical e a uniformização de estilos e géneros.
Embora a utilização da imprensa para a cópia de partituras só se tenha generalizado no século XVII (por ser mais dispendiosa do que a cópia à mão), o contributo de Petrucci para a divulgação da música é fundamental, pois foi graças a ele que chegou até nós a música de importantes compositores da época, como Josquin des Prés, Bartolomeo Tromboncino e Antoine Busnois, que, se não fosse ele, teriam provavelmente desaparecido.

MECENAS E ACADEMIAS
Outro dos fenómenos característicos do século XVI foi o aparecimento da figura do mecenas, uma pessoa esclarecida e amante da arte que contribuía para o apoio financeiro do artista para que este pudesse desenvolver as suas criações.
Este apoio financeiro só estava disponível para os poderosos (reis, príncipes e a Igreja) e embora fosse apresentado como desinteressado, a realidade era que o artista, neste caso o músico, tinha de contribuir com as suas criações para enaltecer o poder e a fama do seu protetor. Um dos maiores mecenas do Renascimento foi Lorenzo de Médici (soberano da República de Florença entre 1469 e 1492). Ao mesmo tempo, desenvolveram-se as academias, que eram locais onde os amantes da arte se reuniam, em qualquer das suas manifestações, para discutir e acolher novas teorias e tendências, introduzindo uma subjetividade nas interpretações que nunca tinha sido aceite antes.

Adaptado por Francisco Gil,
A partir de um texto de J. L. Iriarte

Harmonice Musices Odhecaton A (Ottaviano Petrucci, Venedig 1501).
De tous biens à 3 · Les Flamboyants:
Michael Form · Viva Biancaluna Biffi · Norihisa Sugawar · Agileu Motta · Irene Klein · Rogério Gonçalves · Annemieke Cantor · Petrus Bourdon


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