
à Deriva
Fernando Vieira
O meu reino (dos algarves) por umas bátegas
- Partilhar 08/08/2022

Para a crónica deste
agosto, preferia escrever sobre um tema de
circunstância, algo ligeiro e descomprometido,
talvez recorrendo ao manancial de que a chamada
‘silly season’ é tão fértil. Mas não dá!
Face
à inexorável gravidade do tema, sem resolução à
vista, eis-me de novo a teclar sobre a seca severa e
extrema que continua a flagelar o sul do país, com
forte incidência na região algarvia e sobre a qual
tenho vindo a tecer comentários desde quase o início
desta revista de arte & ciência.
Na
realidade, o problema está a tomar proporções cada
vez mais alarmantes, ao ponto de recentemente terem
sido aprovadas diversas medidas conjuntas pelos
municípios algarvios, tais como a diminuição da rega
de espaços verdes, com elevadas necessidades
hídricas (visando a posterior reconversão desses
espaços com espécies que necessitem de regas menos
frequentes), o reaproveitamento de águas residuais
para usos não potáveis (como por exemplo, na lavagem
de ruas e de contentores) e a promoção de campanhas
de sensibilização para a necessidade do uso racional
da água.
Foi inclusive elaborado um
levantamento de soluções a adotar localmente,
considerando as especificidades de cada um dos 16
municípios, cuja concretização verificar-se-á ao
longo das próximas semanas.
O fenómeno da
seca severa é abrangente, atinge todo o país, mas o
certo é que o Algarve é a região que se encontra em
situação mais crítica.
No caso concreto do
setor agrícola algarvio, o Governo implementou o
Plano de Eficiência Hídrica, destinando para o
efeito mais de 17 milhões de euros, aos quais
acresce uma importante parcela dos cerca de um
milhão de euros do Programa de Desenvolvimento Rural
e dos cinco milhões de euros do Fundo Ambiental para
campanhas de sensibilização e soluções de
contingência.
Dinheiro, portanto, é coisa que
não faltará.
Mas não é com euros que se
nivelam as cotas das nossas barragens (atualmente
com uma média de retenção na ordem dos dez por
cento…), sendo que este fenómeno geoclimático –
relacionado com a aproximação do Algarve ao Norte de
África – é claramente agravado pelas alterações
atmosféricas verificadas nos últimos tempos.
Continuo a não perceber muito bem como a tendência
poderá ser revertida, quer natural quer
artificialmente, sendo que este mês de agosto está a
caracterizar-se por uma exponencial procura de
turistas/consumidores, que querem lá saber de poupar
água na lavagem recorrente dos seus carros ou nos
seus vários duches diários, por exemplo.
Digo
e repito, esperando enganar-me redondamente: está a
formar-se uma ‘tempestade perfeita’ que irá atingir
diretamente a Agricultura, um dos poucos segmentos
económicos que poderiam contrabalançar a
imprevisibilidade tão ligada à indústria do Turismo,
no sentido de diversificar as fontes de rendimento
dos algarvios.
No rol das perguntas que me
coloco, faz parte uma catrefada de pontos de
interrogação, relacionados aos seguintes aspetos:
quais as estratégias a desenvolvidas para mitigar os
impactos nefastos que a falta de água tem entre
nós?; a construção de centrais de dessalinização e a
criação de bacias de retenção e redes de transvases,
ou mesmo certas inovações tecnológicas, poderão ser
a resposta?; de onde virão os avultados recursos
financeiros para dar, quanto antes, passos nesse
sentido?; as potências económicas da União Europeia
estarão dispostas a abrir os cordões à bolsa, dando
a mão aos países da bacia mediterrânica, que
continuam a ser vistos como sociedades
intelectualmente inferiores?
Se hoje em dia a
esmagadora maioria do pessoal ainda assobia para o
lado, pois radicais regras de racionamento ainda não
fazem parte do seu dia-a-dia, esperem por
setembro/outubro, rezando para que – entretanto –
caiam umas precoces bátegas de água,… com os
subsequentes prós e contras.
- n.39 • agosto 2022