Fernando Vieira

à Deriva

Fernando Vieira

O meu reino (dos algarves) por umas bátegas

Para a crónica deste agosto, preferia escrever sobre um tema de circunstância, algo ligeiro e descomprometido, talvez recorrendo ao manancial de que a chamada ‘silly season’ é tão fértil. Mas não dá!

Face à inexorável gravidade do tema, sem resolução à vista, eis-me de novo a teclar sobre a seca severa e extrema que continua a flagelar o sul do país, com forte incidência na região algarvia e sobre a qual tenho vindo a tecer comentários desde quase o início desta revista de arte & ciência.

Na realidade, o problema está a tomar proporções cada vez mais alarmantes, ao ponto de recentemente terem sido aprovadas diversas medidas conjuntas pelos municípios algarvios, tais como a diminuição da rega de espaços verdes, com elevadas necessidades hídricas (visando a posterior reconversão desses espaços com espécies que necessitem de regas menos frequentes), o reaproveitamento de águas residuais para usos não potáveis (como por exemplo, na lavagem de ruas e de contentores) e a promoção de campanhas de sensibilização para a necessidade do uso racional da água.

Foi inclusive elaborado um levantamento de soluções a adotar localmente, considerando as especificidades de cada um dos 16 municípios, cuja concretização verificar-se-á ao longo das próximas semanas.

O fenómeno da seca severa é abrangente, atinge todo o país, mas o certo é que o Algarve é a região que se encontra em situação mais crítica.

No caso concreto do setor agrícola algarvio, o Governo implementou o Plano de Eficiência Hídrica, destinando para o efeito mais de 17 milhões de euros, aos quais acresce uma importante parcela dos cerca de um milhão de euros do Programa de Desenvolvimento Rural e dos cinco milhões de euros do Fundo Ambiental para campanhas de sensibilização e soluções de contingência.

Dinheiro, portanto, é coisa que não faltará.

Mas não é com euros que se nivelam as cotas das nossas barragens (atualmente com uma média de retenção na ordem dos dez por cento…), sendo que este fenómeno geoclimático – relacionado com a aproximação do Algarve ao Norte de África – é claramente agravado pelas alterações atmosféricas verificadas nos últimos tempos.

Continuo a não perceber muito bem como a tendência poderá ser revertida, quer natural quer artificialmente, sendo que este mês de agosto está a caracterizar-se por uma exponencial procura de turistas/consumidores, que querem lá saber de poupar água na lavagem recorrente dos seus carros ou nos seus vários duches diários, por exemplo.

Digo e repito, esperando enganar-me redondamente: está a formar-se uma ‘tempestade perfeita’ que irá atingir diretamente a Agricultura, um dos poucos segmentos económicos que poderiam contrabalançar a imprevisibilidade tão ligada à indústria do Turismo, no sentido de diversificar as fontes de rendimento dos algarvios.

No rol das perguntas que me coloco, faz parte uma catrefada de pontos de interrogação, relacionados aos seguintes aspetos: quais as estratégias a desenvolvidas para mitigar os impactos nefastos que a falta de água tem entre nós?; a construção de centrais de dessalinização e a criação de bacias de retenção e redes de transvases, ou mesmo certas inovações tecnológicas, poderão ser a resposta?; de onde virão os avultados recursos financeiros para dar, quanto antes, passos nesse sentido?; as potências económicas da União Europeia estarão dispostas a abrir os cordões à bolsa, dando a mão aos países da bacia mediterrânica, que continuam a ser vistos como sociedades intelectualmente inferiores?

Se hoje em dia a esmagadora maioria do pessoal ainda assobia para o lado, pois radicais regras de racionamento ainda não fazem parte do seu dia-a-dia, esperem por setembro/outubro, rezando para que – entretanto – caiam umas precoces bátegas de água,… com os subsequentes prós e contras.