à Deriva
Fernando Vieira
Quando a “primeira hipótese” deixa de o ser
- Partilhar 06/06/2022
Há quase um ano, estava eu
por aqui a dissertar sobre a eventualidade de uma
ligação marítima regular entre o Algarve e Marrocos,
que as notícias de então davam como provável entre
Portimão e Tânger.
Na oportunidade, escrevia
eu que “no cerne da questão residem profundas
divergências político-económico-religiosas entre
Marrocos e Espanha, que geraram uma crise
diplomática tendo Ceuta como pano de fundo. Mas isso
a nós, portugueses, pouco ou nada importará, pois se
o que Rabat quer são alternativas, então que as
proporcionemos, com os benefícios que daí advirão.”
Também considerava – e mantenho – que “temos em
perspetiva todo um novo mercado, até turístico, uma
vez que as famílias marroquinas de classe média
alta, com um apreciável poder de compra, passariam a
frequentar a excelente oferta algarvia, que
desconhecem totalmente, apesar de comungarmos muitos
laços culturais”, pelo que “esta é uma oportunidade
de ouro, que poderá – e deverá – anteceder outras,
caso sejamos legitimamente ambiciosos e tenhamos em
perspetiva que o Porto de Cruzeiros de Portimão se
assume como uma privilegiada porta de saída e
entrada para o Mediterrâneo”.
…
Entretanto, essa eventualidade foi perdendo gás,
muito por força do crescente desinteresse
manifestado por diversas entidades (sobretudo
algarvias), sob argumentos díspares e vagos,
enquanto as autoridades marroquinas não escondiam a
sua perplexidade.
A coisa foi de tal ordem
que, durante os últimos tempos, não mais se falou
sobre o assunto, que parecia enterrado sob as
toneladas do alheamento local.
Eis senão
quando o tema da ponte marítima com o norte de
África volta à baila e surgem notícias de que a
mesma será discutida na próxima cimeira entre
Portugal e Marrocos, a realizar ainda este ano.
Segundo consta, o ministro luso dos Negócios
Estrangeiros, João Cravinho, estará a trabalhar numa
agenda bilateral com Marrocos e essa vai ser matéria
prioritária, juntamente com o fornecimento
energético, nomeadamente através de uma interligação
elétrica entre Marrocos e o Algarve, já a pensar no
hidrogénio verde e nas energias livres de carbono.
Portanto, tudo indica que fazer de Portugal
e Marrocos uma ponte privilegiada entre África e
Europa consta dos planos nacionais, tanto por
questões económicas, como no âmbito geopolítico.
Contudo, no caso específico da tal ligação
marítima a opção algarvia vem perdendo defensores e
fundamentos, ao ponto de João Cravinho ter admitido
que, apesar de Portimão ser “a primeira hipótese”,
haverá “outras possibilidades”, até porque “os
operadores privados serão chamados a dar a sua
opinião.”
Para bom entendedor…!
- n.37 • junho 2022