Fernando Vieira

à Deriva

Fernando Vieira

Quando a “primeira hipótese” deixa de o ser

Há quase um ano, estava eu por aqui a dissertar sobre a eventualidade de uma ligação marítima regular entre o Algarve e Marrocos, que as notícias de então davam como provável entre Portimão e Tânger.

Na oportunidade, escrevia eu que “no cerne da questão residem profundas divergências político-económico-religiosas entre Marrocos e Espanha, que geraram uma crise diplomática tendo Ceuta como pano de fundo. Mas isso a nós, portugueses, pouco ou nada importará, pois se o que Rabat quer são alternativas, então que as proporcionemos, com os benefícios que daí advirão.”

Também considerava – e mantenho – que “temos em perspetiva todo um novo mercado, até turístico, uma vez que as famílias marroquinas de classe média alta, com um apreciável poder de compra, passariam a frequentar a excelente oferta algarvia, que desconhecem totalmente, apesar de comungarmos muitos laços culturais”, pelo que “esta é uma oportunidade de ouro, que poderá – e deverá – anteceder outras, caso sejamos legitimamente ambiciosos e tenhamos em perspetiva que o Porto de Cruzeiros de Portimão se assume como uma privilegiada porta de saída e entrada para o Mediterrâneo”.



Entretanto, essa eventualidade foi perdendo gás, muito por força do crescente desinteresse manifestado por diversas entidades (sobretudo algarvias), sob argumentos díspares e vagos, enquanto as autoridades marroquinas não escondiam a sua perplexidade.

A coisa foi de tal ordem que, durante os últimos tempos, não mais se falou sobre o assunto, que parecia enterrado sob as toneladas do alheamento local.

Eis senão quando o tema da ponte marítima com o norte de África volta à baila e surgem notícias de que a mesma será discutida na próxima cimeira entre Portugal e Marrocos, a realizar ainda este ano.

Segundo consta, o ministro luso dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, estará a trabalhar numa agenda bilateral com Marrocos e essa vai ser matéria prioritária, juntamente com o fornecimento energético, nomeadamente através de uma interligação elétrica entre Marrocos e o Algarve, já a pensar no hidrogénio verde e nas energias livres de carbono.

Portanto, tudo indica que fazer de Portugal e Marrocos uma ponte privilegiada entre África e Europa consta dos planos nacionais, tanto por questões económicas, como no âmbito geopolítico.

Contudo, no caso específico da tal ligação marítima a opção algarvia vem perdendo defensores e fundamentos, ao ponto de João Cravinho ter admitido que, apesar de Portimão ser “a primeira hipótese”, haverá “outras possibilidades”, até porque “os operadores privados serão chamados a dar a sua opinião.”

Para bom entendedor…!