à Deriva
Fernando Vieira
Dona Ana sem bandeira
- Partilhar 04/05/2022
O que chama a atenção
na lista de atribuição da Bandeira Azul para a
próxima temporada balnear é a saída da Praia de Dona
Ana, uma das mais afamadas estâncias balneares da
região algarvia.
Região algarvia que, por
sinal, continua a dominar a listagem nacional, com
86 bandeiras destinadas às praias, a que se juntam
quatro marinas (Lagos, Portimão, Albufeira e
Vilamoura) e duas embarcações de ecoturismo, a
grande novidade deste ano, ambas sediadas em
Portimão.
Merece referência o concelho de
Albufeira, com 25 praias (o recordista nacional),
seguido por Vila do Bispo (11), Loulé (10), Portimão
e Lagoa (6), Aljezur, Faro, Olhão, Tavira e Vila
Real de Santo António (4), Lagos (3), Castro Marim
(3) e Silves (2).
Contas feitas, causa alguma
espécie o desaparecimento da Praia de Dona Ana, alvo
em 2015 de uma radical intervenção para suster o
avanço do mar e que gerou forte controvérsia,
sobretudo no seio da comunidade local, com muita
contestação à mistura e o posicionamento de diversas
entidades ligadas à preservação do ecossistema.
O Ministério do Ambiente foi mesmo acusado de
protagonizar um “grave e premeditado crime”, ao
proceder à dragagem e descarga de “toneladas de
areia de qualidade miserável”, que soterraram “o
mundo submarino e a paisagem marítima”, tendo sido
igualmente criticada a construção de um dique com 50
metros.
Segundo fontes oficiais da própria
edilidade lacobrigense, a não candidatura à Bandeira
Azul 2022 prende-se com a ETAR de Lagos, cujas
condutas estarão permeáveis à entrada de água
salgada nos pontos onde o nível do mar está acima do
saneamento, o que origina dificuldades no seu
tratamento e afetaria as análises previstas para o
período de avaliação referente ao galardão deste
ano.
Apesar da qualidade da água na Praia de
Dona Ana ser considerada pelas autoridades
municipais “boa ou mesmo muito boa”, certo é que
esses resultados analíticos impediram, muito
provavelmente, a atribuição da Bandeira Azul para a
época balnear que se avizinha.
Poderia achar
esta situação, supostamente pontual, como aceitável,
caso não viesse da própria autarquia a previsão de
que só daqui a um par de anos o problema deverá
estar definitivamente sanado, após o investimento
que a empresa Águas do Algarve está a fazer na ETAR
em causa.
Poderia até desvalorizar a
ausência da Bandeira Azul ondulando neste belo
recanto da costa barlaventina, se levar em linha de
conta a garantia de que a Praia de Dona Ana não
perdeu nenhum dos seus predicados em termos de
qualidade, segurança e controle da água.
Poderia mesmo ignorar este tema, sabendo que a
Câmara de Lagos tomou a iniciativa de nem sequer
candidatar a mais famosa estância balnear do
concelho ao prestigiado galardão, instituído há 35
anos pela União Europeia, e sabendo de antemão que
os indicadores são bastante exigentes.
Mas
não devo esquecer que semelhante impasse se
verificou em recentes anos nas praias da Batata e do
Camilo, também elas padecendo de maleitas do género,
mantendo-se incólumes a acidentes de percurso,
apenas, a Praia da Luz, Porto de Mós e a Meia Praia.
Portanto, o facto daquela que foi eleita em 2013
como “a melhor praia do mundo” (pela revista
espanhola Condé Nast Traveller) estar arredada da
Bandeira Azul, sabe-se lá por quanto tempo, é algo
que me custa a engolir, pois há ‘imprevisibilidades’
que são previsíveis, como parece ser o caso.
- n.36 • maio 2022