à Deriva
Fernando Vieira
Como pescar em águas turvas
- Partilhar 08/03/2022
Ao procurar distrair a
mente dos preocupantes acontecimentos que dominam a
atualidade e influenciam o nosso quotidiano, por
mais distantes que pareçam ser, dei comigo lendo uma
notícia sobre o concurso que a Fundação Oceano Azul
está a organizar para o desenvolvimento de
mecanismos que promovam a valorização económica do
pescado em áreas marinhas, sob o tema "Take less,
Earn more" e com um prémio de 150 mil euros.
A iniciativa desafia economistas a juntarem-se com
juristas, cientistas, marketeers e outros que tais
para, em conjunto, desenvolverem instrumentos que
contribuam para a valorização económica do capital
natural marinho português, que é imenso, embora não
tenhamos muita noção disso.
Por esta via, os
organizadores acreditam que irão aumentar o valor
comercial do pescado através da valorização da sua
origem, o que representará uma garantia de qualidade
num contexto de normalidade, ou seja, caso a vida
decorra normalmente, sem atropelos de maior, como
epidemias naturais ou guerras artificiais.
Em
Portugal no geral (e no Algarve em particular), a
pesca e a aquacultura são os subsectores da fileira
do pescado menos lucrativos da economia do mar. Isto
porque a parte mais lucrativa encontra-se nas etapas
finais da cadeia de valor, sobretudo na venda ao
consumidor final. Assim, a rentabilidade das
empresas de pesca é diminuta e a produção média por
pescador situa-se significativamente abaixo de
outros países europeus.
A baixa
produtividade do setor é ainda agravada pela
ausência do conhecimento de muitos
dos stocks pesqueiros e de tecnologias aplicadas à
valorização do pescado que permitam melhorar a sua
conservação e transformação, e logo, diversificar o
negócio.
No setor das pescas em concreto, que
já teve grande peso económico e social na região
antes do massivo abate da frota causado pelas
políticas do algarvio Aníbal Cavaco Silva, à época
Primeiro-ministro, o volume de negócios está ainda
limitado pela escassez do recurso e consequentes
épocas de defeso.
Como tal, o crescimento
económico deve estar assente na criação de mais
valor por unidade de captura, sendo que a
sustentabilidade financeira da atividade requer
ainda que o lucro seja mais equitativamente
distribuído por todos os envolvidos.
Creio
que medidas como esta ainda virão a tempo, já que
dispomos de uma das mais diversificadas frotas da
União Europeia, tanto em variedade como de espécies
capturadas (cerca de 200), entre peixes, bivalves,
moluscos e crustáceos, embora muitas delas pouco
abundantes ou com reduzida expressão económica. Esse
fator de diferenciação é, todavia, subvalorizado,
estando o rendimento dos pescadores limitado à
quantidade de pescado capturado.
A qualidade
posiciona-se, assim, como fator de diferenciação
fundamental e, logo, de valorização das pescas. Para
que seja possível implementar uma estratégia deste
tipo, importará dirigir esforços dos setores privado
e público que possibilitem mudanças estruturais e
organizacionais capazes de transformar o atual
paradigma.
No meu ponto de vista, algumas
das soluções poderão passar por sistemas de
certificação de processos e práticas de captura,
selos de qualidade e certificação de denominação de
origem, mecanismos de valorização alicerçados na
criação de áreas marinhas protegidas, campanhas
junto dos consumidores e, mesmo, incentivos à
diversificação dos produtos finais de venda.
Por tudo isto, parece-me oportuno o desafio colocado
pela Fundação Oceano Azul e só espero que os
concorrentes – que devem submeter as suas propostas
até 20 de maio próximo – proponham soluções
tendentes a aumentar o valor do pescado nas áreas
marinhas protegidas e diminuam o número de capturas.
Vamos lá ver é se as águas, já de si bastante
turvas face aos últimos desenvolvimentos à escala
global, não ficam demasiado alterosas e inavegáveis.
- n.34 • março 2022