Fernando Vieira

à Deriva

Fernando Vieira

Como pescar em águas turvas

Ao procurar distrair a mente dos preocupantes acontecimentos que dominam a atualidade e influenciam o nosso quotidiano, por mais distantes que pareçam ser, dei comigo lendo uma notícia sobre o concurso que a Fundação Oceano Azul está a organizar para o desenvolvimento de mecanismos que promovam a valorização económica do pescado em áreas marinhas, sob o tema "Take less, Earn more" e com um prémio de 150 mil euros.

A iniciativa desafia economistas a juntarem-se com juristas, cientistas, marketeers e outros que tais para, em conjunto, desenvolverem instrumentos que contribuam para a valorização económica do capital natural marinho português, que é imenso, embora não tenhamos muita noção disso.

Por esta via, os organizadores acreditam que irão aumentar o valor comercial do pescado através da valorização da sua origem, o que representará uma garantia de qualidade num contexto de normalidade, ou seja, caso a vida decorra normalmente, sem atropelos de maior, como epidemias naturais ou guerras artificiais.

Em Portugal no geral (e no Algarve em particular), a pesca e a aquacultura são os subsectores da fileira do pescado menos lucrativos da economia do mar. Isto porque a parte mais lucrativa encontra-se nas etapas finais da cadeia de valor, sobretudo na venda ao consumidor final. Assim, a rentabilidade das empresas de pesca é diminuta e a produção média por pescador situa-se significativamente abaixo de outros países europeus.

A baixa produtividade do setor é ainda agravada pela ausência do conhecimento de muitos dos stocks pesqueiros e de tecnologias aplicadas à valorização do pescado que permitam melhorar a sua conservação e transformação, e logo, diversificar o negócio.

No setor das pescas em concreto, que já teve grande peso económico e social na região antes do massivo abate da frota causado pelas políticas do algarvio Aníbal Cavaco Silva, à época Primeiro-ministro, o volume de negócios está ainda limitado pela escassez do recurso e consequentes épocas de defeso.

Como tal, o crescimento económico deve estar assente na criação de mais valor por unidade de captura, sendo que a sustentabilidade financeira da atividade requer ainda que o lucro seja mais equitativamente distribuído por todos os envolvidos. 

Creio que medidas como esta ainda virão a tempo, já que dispomos de uma das mais diversificadas frotas da União Europeia, tanto em variedade como de espécies capturadas (cerca de 200), entre peixes, bivalves, moluscos e crustáceos, embora muitas delas pouco abundantes ou com reduzida expressão económica. Esse fator de diferenciação é, todavia, subvalorizado, estando o rendimento dos pescadores limitado à quantidade de pescado capturado.

A qualidade posiciona-se, assim, como fator de diferenciação fundamental e, logo, de valorização das pescas. Para que seja possível implementar uma estratégia deste tipo, importará dirigir esforços dos setores privado e público que possibilitem mudanças estruturais e organizacionais capazes de transformar o atual paradigma.

No meu ponto de vista, algumas das soluções poderão passar por sistemas de certificação de processos e práticas de captura, selos de qualidade e certificação de denominação de origem, mecanismos de valorização alicerçados na criação de áreas marinhas protegidas, campanhas junto dos consumidores e, mesmo, incentivos à diversificação dos produtos finais de venda.

Por tudo isto, parece-me oportuno o desafio colocado pela Fundação Oceano Azul e só espero que os concorrentes – que devem submeter as suas propostas até 20 de maio próximo – proponham soluções tendentes a aumentar o valor do pescado nas áreas marinhas protegidas e diminuam o número de capturas.

Vamos lá ver é se as águas, já de si bastante turvas face aos últimos desenvolvimentos à escala global, não ficam demasiado alterosas e inavegáveis.