Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

Até Jesus Cristo agora é negro nas novelas da Rede Globo

Uma revolução acontece no Brasil neste momento. A Rede Globo, a televisão com maior audiência no País, passou a escalar para suas novelas elencos com uma maioria de atores negros! Pessoas que até há pouco tempo conseguiam figurar apenas como personagens sem grande importância nas tramas ficcionais da emissora, como empregados domésticos, camelôs, assaltantes de bancos e bandidos inexpressivos de toda espécie, agora são catapultados aos papéis de protagonistas de novelas. E os seus nomes agora aparecem em primeiro lugar nos créditos! E o mais inacreditável ainda tem sido assistir a um elenco cuja maioria dos personagens são pessoas de ascendência africana e que vivem suas personagens sem situações de violência. É o que acontece, por exemplo, na novela Amor Perfeito, exibida no horário das 18 horas. Famílias inteiras de pessoas pretas sentam-se à mesa para partilhar refeições e conversas sobre assuntos comuns do dia a dia. Tudo na maior civilidade! A emissora parece até exagerar, por exemplo, ao colocar atores negros como médicos e promotores de Justiça numa trama que se passa nos anos 1930, algo que não é impossível, mas improvável há 90 anos, quando a maioria da população era analfabeta e pouquíssimos negros tinham acesso ao ensino fundamental e que nem podiam sonhar com um curso superior, principalmente com os cursos preferidos da elite branca.

Pouco tempo antes, por exemplo, nos anos 1910, o escritor Lima Barreto (1881-1922), um dos primeiros negros a denunciar a falsa democracia racial brasileira, era tratado como não merecedor de frequentar um curso de engenharia civil na renomada Escola Politécnica do Rio de Janeiro, para a qual foi selecionado sem nenhum privilégio. O racismo destruiu o sonho de ascensão social de Lima Barreto, cuja pele negra e escritos “petulantes” atraíram a ira da elite carioca branca da época. Mas voltemos aos possíveis exageros da penitência da Rede Globo em relação à população brasileira de descendência africana.  Na novela Amor Perfeito até a figura máxima do cristianismo - Jesus Cristo - é vivido por um ator negro. Uma afronta impensável até cinco anos atrás, quando a Globo, finalmente, percebeu que o Brasil não é era e nunca seria a Alemanha e nem a Suécia.

Nós, pessoas pretas, sempre nos ressentimos dessa campanha deliberada de invisibilidade de toda a mídia brasileira em relação aos descendentes dos escravos sequestrados no continente africano. E, é claro, agora nos perguntamos o que estaria por trás desta avalanche de personagens negros nas novelas da TV Globo. Todos sabemos que a audiência da televisão aberta está em franca decadência, principalmente por causa da concorrência da internet, principalmente o streaming, as redes sociais e sites pornográficos. Alguns estudiosos da comunicação falam até que estaríamos vivendo os últimos anos das telenovelas e das redes de TV abertas. Deste enorme terremoto que sacode a televisão tradicional só sobrariam em pé os canais especializados em programações religiosas, principalmente evangélicas.

As pesquisas mostram que as novelas com protagonistas e personagens negros têm audiência até 20% maior do que as novelas tradicionais. Talvez seja este o motivo do investimento maciço da Globo em telenovelas com personagens negros. Não existe nada de bondade e de altruísmo nessa situação. De qualquer forma, esperamos que este fenômeno se multiplique para as outros redes de televisão e para a publicidade. E que a mídia brasileira mostre em suas programações e peças publicitárias pessoas que tenham a cara não só da elite branca e de olhos claros, mas também do enorme contingente de pessoas com pele negra, cabelo volumoso, bumbum avantajado, nariz protuberante e que representa mais de 53% dos brasileiros.