Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

Um show de desrespeito com a banda ABBA

A morte é talvez o maior dos flagelos humanos. O fato de que no próximo segundo a nossa respiração, por um motivo ou outro, pode ser cessada para sempre é algo tão angustiante que muitos de nós preferimos nem pensar a respeito. Talvez por isso tenhamos adotado, com enorme sucesso, a estratégia de vivermos quase como se fôssemos imortais. Mas, e se nossos frágeis corpos fossem eternos, eternamente jovens? Então, é possível que nossa angústia fosse maior ainda! Esta foi uma das reflexões que me provocou a estreia, em Londres, no último dia em 27 de maio deste ano, do espetáculo Abba Voyage, da banda sueca ABBA. Em uma arena especialmente construída para um show feito com altíssima tecnologia, inclusive com a participação da empresa de George Lucas (o criador da franquia Guerra nas Estrelas), os membros da banda, através da técnica do holograma, contam e dançam com os mesmos corpinhos jovens, bonitos, sensuais e cheios de energia que tinham nos anos 70 do século passado. O evento foi tão inovador quanto assustador! Cronos deve ter ficado bravíssimo! “Como se atrevem?”

O mais surrealista ainda foi o fato de que os membros originais da banda, todos na faixa etária dos 70 anos, quase já nos 80, estiveram presentes na abertura no espetáculo, como direito a desfile no tapete vermelho e entrevistas a alguns privilegiados jornalistas. Mas por que eles próprios não subiram ao palco e cantaram suas maravilhosas canções, como Dancing Queen e Chiquitita? Mesmo envelhecidos, eles pareciam capazes ainda de cantarem, pelo menos na estreia do espetáculo que está programado para durar anos.  E a única resposta possível que talvez explique a troca dos seres humanos por avatares é principalmente o fato de eles estarem envelhecidos. Então, a arena londrina passou a se assemelhar ao Coliseu romano de 1800 anos atrás, quando apenas pessoas jovens podiam se digladiarem contra animais ferozes e outros musculosos humanos. Velhos não podiam estar naquele espetáculo de horrores e êxtase. Como num ritual sexual coletivo gigantesco, o público formado por pagãos e cristãos recém-convertidos só admitia músculos jovens a serem devorados metafórica e literalmente. Então, será que quem vai a um musical na contemporaneidade prefere mais participar de uma masturbação coletiva do que ouvir música? O gozo tem que ser literal?

De qualquer forma, o espetáculo virtual em Londres, estreado em 27 de maio, entrou para a história como um linchamento moral dos velhinhos da maravilhosa banda ABBA e de todos os velhinhos do mundo ocidental. Somos uma sociedade de fruição de carne nova! Uma gigantesca festa rave proibida para velhos! E o pior, uma sociedade que prefere avatares sexualmente atraentes a pessoas reais dignas, mas com carne envelhecida e enrugada!

O show do ABBA me fez refletir que há algo pior do que a morte e todo o temor que a envolve! Sim, há! É sermos mortos ainda em vida só porque envelhecemos. Então, temos que refletir mais sobre o: “Dancing queen/ young and sweet/only seventeen/...