Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Renfield (2023)

Desde os primórdios do cinema que Drácula - o clássico romance gótico de Bram Stoker - tem sido adaptado para o grande ecrã. De Nosferatu (1922) de F.W. Murnau a Drácula de Bram Stoker (1992) de Francis Ford Coppola; de Drácula (1931) de Tod Browning a Nosferatu, O Vampiro (1975) de Werner Herzog; enfim, o que não falta são adaptações fílmicas para todos os gostos. Agora, chegou a vez de Robert M. Renfield, o servo de Drácula, ser o protagonista da história. Renfield estrou nos cinemas portugueses a 27 de abril.

Renfield é uma comédia sangrenta realizada por Chris McKay, escrita por Ryan Didley, e protagonizado por Nicholas Hoult. É uma subversão interessante do clássico literário de Bram Stoker em que Robert Renfield revolta-se contra Drácula (Nicolas Cage). A história passa-se em New Orleans do tempo presente e Renfield encontra-se a cuidar de Drácula, enfraquecido e convalescente, depois de este quase ter sido morto por um caçador de vampiros. Enquanto lacaio leal, Reinfeld têm várias tarefas a cumprir, mas a mais importante (e a que ele mais odeia) é, sem dúvida, encontrar, matar e trazer vítimas até ao covil para que o seu mestre se alimente e recupere os poderes. Porém, Renfield começa a participar num grupo de apoio para pessoas em relações abusivas, e é aqui que tudo muda, e o lacaio decide que não vai tolerar mais maus-tratos do seu mestre. Renfield quer a sua vida antiga, humanidade, e liberdade de volta. Este desejo é irrevogavelmente consolidado quando Renfield conhece a polícia Rebecca Quincy (Awkwafina) – a única polícia incorrupta da esquadra – que não desiste até pôr o gangue criminoso Los Lobos atrás de grades fechados a sete chaves.

À primeira vista, Renfield tem uma premissa divertida e modernizada. A ideia de pôr um lacaio com centenas de anos de idade num grupo moderno de pessoas normais a desabafarem sobre os seus problemas é excelente. As melhores piadas do filme acontecem sempre no contexto deste grupo. Mas quem se apodera do spotlight é Nicolas Cage no papel de Conde Drácula de Valáquia, o “Príncipe das Trevas”, o “Imortal”. A excentricidade da performance de Nicolas Cage – mais as próprias características físicas de Cage que lembram Bela Lugosi, o ator húngaro que personificou a versão mais icónica de Drácula em 1931 -, é facilmente a melhor parte do filme. Drácula é um papel perfeito para Cage e nota-se que o ator adora cada segundo que está na pele do vampiro. O Drácula de Cage é teatral, exagerado, e absurdo, e adequa-se perfeitamente ao tom que o filme quer alcançar.

Porém, o filme perde muito ao utilizar pouco Cage e, em vez disso, prioritizar o enredo secundário do mundo do crime que, eventualmente, acaba por tornar-se o foco principal. Renfield decide ajudar Quinn a derrubar a família mafiosa Los Lobos que subornou todos os polícias e, em retaliação, Drácula decide ajudar os criminosos para magoar Renfield. Este enredo de mafiosos versus bons da fita ocupa grande parte do filme e torna-se uma distração aborrecida, arrastada e desnecessária que só enaltece a ausência de Drácula. O filme ainda comete o erro de tentar forçar um momento catártico a Quinn – uma personagem rasa cujo único traço de personalidade é ser moralmente correta – quando ela vinga o pai (que não conhecemos) e salva a irmã (que também não conhecemos verdadeiramente porque diz apenas duas linhas de diálogo durante o filme).

A maior falha de Renfield é, sem dúvida, a escrita. É um filme que a princípio parece interessante, mas que rapidamente colapsa sobre si mesmo. É uma espécie de monstro Frankstein fílmico que retalha comédia, horror e thriller criminal, para criar apenas uma tela que suporte sequências de violência extremamente violentas e sangrentas. E apesar destas sequências serem algo cativantes a nível técnico pelo uso de efeitos especiais físicos e visuais, não invalidam a escrita fraca e insonsa do filme. É um filme que, por vezes, é abrupto na continuidade emocional e transição entre cenas, de tão mal que foi organizado e desenvolvido. Pelo final do filme, os aspetos negativos acabam a ofuscar os aspetos positivos. Mas, pelo menos, o Nicolas Cage finalmente realizou o sonho de ser um Drácula fantástico.

Classificação: ★★ (2/5)