Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

Emily (2022)

Emily é a biopic mais recente a passar pelas salas de cinemas nacionais. O filme sobre a poetisa e escritora Emily Jane Brontë estreou em setembro do ano passado no Festival Internacional de Toronto, mas apenas chegou às salas de cinema portuguesas a 30 de março de 2023. O filme marca a estreia da atriz Frances O’Connor (Mansfield Park, Bedazzled, A.I. Artificial Intelligence) enquanto realizadora e guionista. Emily é protagonizado por Emma Mackey e o elenco inclui ainda Fionn Whitehead, Oliver Jackson-Cohen, Alexandra Dowling e Gemma Jones.

Emily não é um filme biográfico tradicional, mas sim uma exploração fílmica com várias liberdades artísticas que procura entender o mundo de Emily Brontë e como escreveu Wuthering Heights (título português: O Monte dos Vendavais) - o primeiro e único livro que publicou. Emily nasceu a 30 de julho de 1818 em Thornton, Inglaterra e viria a morrer precocemente aos 30 anos vítima de tuberculose. Em 1847, apenas um ano antes da sua morte, publicou Wuthering Heights, um romance não-convencional para a época vitoriana da altura, repleto de personagens egoístas completamente rendidas às suas paixões, ódios e vícios.

Os Brontes eram uma família intelectual e a História viria a imortalizar as irmãs Brontë (Anne, Charlotte e Emily) no cânone literário ocidental pela qualidade das suas obras. Inicialmente, as irmãs Brontë assinavam as publicações com pseudónimos masculinos, mas Charlotte Brontë revelou as identidades após a morte das duas irmãs mais novas. Agora, Frances O’Connor propôs-se a colocar Emily no centro da narrativa e explorar como esta jovem mulher tímida - caracterizada como “a estranha” das irmãs - encontrou a sua voz e escreveu um dos clássicos mais irreverentes de sempre.

O filme inicia-se com o fim, com Emily às portas da morte e Charlotte a questioná-la sobre como conseguiu escrever algo como Wuthering Heights. Este questionamento essencial de como, porquê e donde surge a inspiração para escrever paira e infiltra todo o filme. É necessário viver para saber escrever algo com substância. Mas, Emily é uma pessoa difícil, solitária e desajustada que não consegue lidar com a normalidade da vida. Frances O’Connor entrelaça a verdade com o imaginário para desvendar Emily Brontë, dando a conhecer a relação com a Anne e Charlotte, as irmãs e únicas amigas que teve; com o pai, o pároco sério e rígido da aldeia; com Branwell, o irmão artístico alcoólico; e, por fim, a relação imaginada com William Weightman, um assistente paroquial que efetivamente viveu com os Brontë durante alguns anos.

O filme é, no fundo, a vida de Emily Brontë re-imaginada pelo olhar de Frances O’Connor que preenche os vazios e dá forma ao espírito da autora. Emily é um filme sobre a luta contra a máscara social imposta pelos outros e sobre sair do casulo para começar realmente a viver. Mas, acima de tudo, Emily é um grande romance, é a rendição total à paixão, tal como em Wuthering Heights. É um filme sensual, tempestuoso e bucólico em que paixão e ódio deixam os nervos à flor da pele das personagens.

Emily foge à rigidez tanto do filme biográfico como do filme de época ao permitir-se ser livre em imaginação e expressão, que opta por um estilo cinematográfico mais simples e livre, sempre em movimento, filmado com steadycams em Yorkshire, o condado nativo dos Brontës. Emma Mackey venceu o aclamado prémio BAFTA Rising Star no início de 2023 pelo seu desempenho formidável no papel principal. Destaca-se também o ator Oliver Jackson-Cohen no papel de William Weightman, o amante de Emily Brontë.

Emily é um filme biográfico não-convencional sobre uma mulher não-convencional. É um filme sobre amor e arte que pode ter passado despercebido por entre os grandes êxitos de bilheteria, mas quem o viu reconhece o seu valor.

Classificação: ★★★★