
Contemplações
Francisco Gil
Francisco de Goya: desafiando o grande inquisidor
- Partilhar 23/06/2025
"La maja
desnuda" e "La maja vestida" são os
títulos de duas obras do artista
aragonês, Francisco de Goya, geralmente
considerado como o derradeiro Mestre
espanhol do antigo regime e
simultaneament, o primeiro grande
artista moderno. Goya observou e
criticou grande parte do turbulento
período espanhol em que viveu,
trabalhando em pinturas e gravuras
perspicazes e, muitas vezes,
perturbadoramente verdadeiras.
Trabalhou também como pintor da corte
da família real espanhola e, embora não
tenha feito qualquer esforço para
lisonjear os nobres que retratou, foi
galardoado com várias distinções.
Estes dois quadros estão, no
entanto, envoltos em mistério. Em
janeiro de 1808, foram incluídos no
inventário de Manuel de Godoy, favorito
real e duas vezes primeiro-ministro, e
em 1814 foram entregues ao Grande
Inquisidor, juntamente com três outros
quadros “obscenos”, dois dos quais
pertencentes a Godoy. No inventário de
1808, as figuras são referidas como
“ciganas”, mas desde então são também
designadas por “majas”, um termo
utilizado para designar uma pessoa das
classes mais baixas da sociedade
espanhola, especialmente em Madrid, que
usava trajes elaborados e era conhecida
pelo seu carácter malicioso.
Uma
mulher nua reclinada num divã de veludo
verde coberto com um lençol branco e
apoiado em duas almofadas de renda.
Trata-se de "La maja desnuda". A maja
vestida representa exatamente a mesma
figura na mesma pose, mas com um
delicado vestido branco translúcido,
uma faixa cor-de-rosa e uma jaqueta
amarela debruada a preto. É provável
que o ministro Godoy tenha encomendado
os quadros para a sua coleção privada,
mas tal nunca foi provado. Devido
principalmente ao catolicismo rigoroso
do país e à Inquisição, as pinturas de
nus eram raras na arte espanhola, mas
Goya não só pintou o tema escandaloso,
como o apresentou com uma ousadia
excecional. Provocante e sensual, a
mulher nua com os braços atrás da
cabeça olha descaradamente para nós.
Nem deusa nem prostituta, parece não se
importar de ser olhada, em contraste
com as expectativas sociais.
Nunca foi possível determinar quem foi
a modelo. A maioria dos estudiosos
acredita que seja a Duquesa de Alba,
com quem Goya tinha uma relação
próxima, ou Pepita Tudó, que se tornou
amante de Godoy em 1797. Em março de
1815, o tribunal da Inquisição convocou
Goya a comparecer para revelar a
identidade do patrono da obra e
explicar a sua finalidade, mas apesar
das perguntas da Inquisição, o artista
nada revelou.
(Adaptado a partir de um texto de Susie Hodge).
Francisco de Goya
(1746 - 1828),
La maja desnuda, 1790-1800
La maja
vestida, 1802-1805
Óleo sobre
tela: 97 × 190 cm
- Ano VI • 72 • 2025