Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

Francisco de Goya: desafiando o grande inquisidor 

"La maja desnuda" e "La maja vestida" são os títulos de duas obras do artista aragonês, Francisco de Goya, geralmente considerado como o derradeiro Mestre espanhol do antigo regime e simultaneament, o primeiro grande artista moderno. Goya observou e criticou grande parte do turbulento período espanhol em que viveu, trabalhando em pinturas e gravuras perspicazes e, muitas vezes, perturbadoramente verdadeiras. Trabalhou também como pintor da corte da família real espanhola e, embora não tenha feito qualquer esforço para lisonjear os nobres que retratou, foi galardoado com várias distinções.

Estes dois quadros estão, no entanto, envoltos em mistério. Em janeiro de 1808, foram incluídos no inventário de Manuel de Godoy, favorito real e duas vezes primeiro-ministro, e em 1814 foram entregues ao Grande Inquisidor, juntamente com três outros quadros “obscenos”, dois dos quais pertencentes a Godoy. No inventário de 1808, as figuras são referidas como “ciganas”, mas desde então são também designadas por “majas”, um termo utilizado para designar uma pessoa das classes mais baixas da sociedade espanhola, especialmente em Madrid, que usava trajes elaborados e era conhecida pelo seu carácter malicioso.

Uma mulher nua reclinada num divã de veludo verde coberto com um lençol branco e apoiado em duas almofadas de renda. Trata-se de "La maja desnuda". A maja vestida representa exatamente a mesma figura na mesma pose, mas com um delicado vestido branco translúcido, uma faixa cor-de-rosa e uma jaqueta amarela debruada a preto. É provável que o ministro Godoy tenha encomendado os quadros para a sua coleção privada, mas tal nunca foi provado. Devido principalmente ao catolicismo rigoroso do país e à Inquisição, as pinturas de nus eram raras na arte espanhola, mas Goya não só pintou o tema escandaloso, como o apresentou com uma ousadia excecional. Provocante e sensual, a mulher nua com os braços atrás da cabeça olha descaradamente para nós. Nem deusa nem prostituta, parece não se importar de ser olhada, em contraste com as expectativas sociais.

Nunca foi possível determinar quem foi a modelo. A maioria dos estudiosos acredita que seja a Duquesa de Alba, com quem Goya tinha uma relação próxima, ou Pepita Tudó, que se tornou amante de Godoy em 1797. Em março de 1815, o tribunal da Inquisição convocou Goya a comparecer para revelar a identidade do patrono da obra e explicar a sua finalidade, mas apesar das perguntas da Inquisição, o artista nada revelou.

(Adaptado a partir de um texto de Susie Hodge).

Francisco de Goya (1746 - 1828),
La maja desnuda, 1790-1800
La maja vestida, 1802-1805
Óleo sobre tela: 97 × 190 cm