
Contemplações
Francisco Gil
Jenny Saville: O encanto do grotesco
- Partilhar 23/05/2025
Ao longo
da história, pintores como Rubens,
Ticiano, De Kooning, Ingres, Matisse ou
Picasso objetivaram o corpo feminino,
criando imagens que lhes agradavam a
eles e aos seus espectadores masculinos
(e femininos). Como mulher, Jenny
Saville tem uma perspetiva diferente
sobre o assunto. Apesar de ter sido
inicialmente inspirada para pintar o nu
feminino depois de observar mulheres
obesas nos centros comerciais
americanos, quando esteve a estudar na
Universidade de Cincinnati em 1991,
Saville diz que sempre se interessou
por mulheres rechonchudas. Recorda-se
do corpo da sua professora de piano:
“Fascinava-me a forma como os seus dois
seios se tornavam num só, a forma como
a sua gordura se movia, a forma como os
seus braços pendiam”.
Com esta
curiosidade precoce pela manipulação da
carne, da pele e da tinta, Saville
pinta nus femininos desde o início da
sua carreira. Ultrapassando o realismo
de, por exemplo, Gustave Courbet ou
Édouard Manet, os seus corpos estão
sempre danificados, com covinhas ou
alterados de outra forma, e têm mais
carne do que a sociedade contemporânea
admira. Este nu (figura acima) com coxa
encurtada, seios cobertos e ventre
arredondado domina o espectador.
Representada de um ponto de vista
baixo, a figura domina o espaço e
desafia ideias preconcebidas sobre a
representação da mulher. No entanto,
apesar de contrariar as convenções,
Saville reinterpreta elementos de
artistas consagrados, como a paleta
cromática de Rubens e as pinceladas
gestuais de De Kooning. No seu
conjunto, a artista desafia as
representações tradicionais da beleza
feminina e apresenta figuras que estão
longe de ser ideais e que muitas vezes
parecem vulneráveis.
Saville,
que foi membro dos chamados YBA (Young
British Artists), e que participou numa
exposição muito controversa em 1997,
ultrapassou os limites estabelecidos
pelas expectativas da sociedade em
relação à arte. A artista, que aplica a
tinta em camadas espessas e arrasta o
pigmento pelas telas, levanta questões
sobre a perceção que a sociedade tem do
corpo. "Há um problema com a beleza.
Está sempre relacionada com a fantasia
masculina ou com o corpo feminino. Não
acho que haja nada de errado com a
beleza. Só que o que as mulheres
consideram belo pode ser diferente. E
pode haver beleza no individualismo.
Uma verruga ou uma cicatriz podem ser
bonitas, de certa forma, quando são
pintadas", explica.
Saville preocupa-se com a
apresentação da feminilidade e com a
pressão exercida sobre as mulheres para
se conformarem com os cânones de beleza
da sociedade: “Interessa-me o poder dos
corpos femininos grandes, corpos que
ocupam muito espaço físico e que são de
pessoas que estão muito conscientes de
que a nossa cultura contemporânea as
encoraja a disfarçar o seu volume e a
parecerem tão pequenas quanto
possível”. Para além de questionar a
ideia de beleza, Saville, transmite
nesta obra, uma sensação de
vulnerabilidade e fragilidade.
(Adaptado a partir de um texto de Susie Hodge).
Jenny Saville
(1970 - ),
Prop, 1993
Óleo sobre
tela: 213,5 × 183 cm
- Ano VI • 71 • 2025