Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

Jenny Saville: O encanto do grotesco 

Ao longo da história, pintores como Rubens, Ticiano, De Kooning, Ingres, Matisse ou Picasso objetivaram o corpo feminino, criando imagens que lhes agradavam a eles e aos seus espectadores masculinos (e femininos). Como mulher, Jenny Saville tem uma perspetiva diferente sobre o assunto. Apesar de ter sido inicialmente inspirada para pintar o nu feminino depois de observar mulheres obesas nos centros comerciais americanos, quando esteve a estudar na Universidade de Cincinnati em 1991, Saville diz que sempre se interessou por mulheres rechonchudas. Recorda-se do corpo da sua professora de piano: “Fascinava-me a forma como os seus dois seios se tornavam num só, a forma como a sua gordura se movia, a forma como os seus braços pendiam”.

Com esta curiosidade precoce pela manipulação da carne, da pele e da tinta, Saville pinta nus femininos desde o início da sua carreira. Ultrapassando o realismo de, por exemplo, Gustave Courbet ou Édouard Manet, os seus corpos estão sempre danificados, com covinhas ou alterados de outra forma, e têm mais carne do que a sociedade contemporânea admira. Este nu (figura acima) com coxa encurtada, seios cobertos e ventre arredondado domina o espectador. Representada de um ponto de vista baixo, a figura domina o espaço e desafia ideias preconcebidas sobre a representação da mulher. No entanto, apesar de contrariar as convenções, Saville reinterpreta elementos de artistas consagrados, como a paleta cromática de Rubens e as pinceladas gestuais de De Kooning. No seu conjunto, a artista desafia as representações tradicionais da beleza feminina e apresenta figuras que estão longe de ser ideais e que muitas vezes parecem vulneráveis.

Saville, que foi membro dos chamados YBA (Young British Artists), e que participou numa exposição muito controversa em 1997, ultrapassou os limites estabelecidos pelas expectativas da sociedade em relação à arte. A artista, que aplica a tinta em camadas espessas e arrasta o pigmento pelas telas, levanta questões sobre a perceção que a sociedade tem do corpo. "Há um problema com a beleza. Está sempre relacionada com a fantasia masculina ou com o corpo feminino. Não acho que haja nada de errado com a beleza. Só que o que as mulheres consideram belo pode ser diferente. E pode haver beleza no individualismo. Uma verruga ou uma cicatriz podem ser bonitas, de certa forma, quando são pintadas", explica
.

Saville preocupa-se com a apresentação da feminilidade e com a pressão exercida sobre as mulheres para se conformarem com os cânones de beleza da sociedade: “Interessa-me o poder dos corpos femininos grandes, corpos que ocupam muito espaço físico e que são de pessoas que estão muito conscientes de que a nossa cultura contemporânea as encoraja a disfarçar o seu volume e a parecerem tão pequenas quanto possível”. Para além de questionar a ideia de beleza, Saville, transmite nesta obra, uma sensação de vulnerabilidade e fragilidade.

(Adaptado a partir de um texto de Susie Hodge).

Jenny Saville (1970 - ),
Prop, 1993
Óleo sobre tela: 213,5 × 183 cm