
Contemplações
Francisco Gil
Paul Delvaux: Amanhecer sobre a cidade
- Partilhar 27/01/2025
Entre as
influências mais importantes no
desenvolvimento artístico de Paul
Delvaux contam-se as pinturas de
Giorgio de Chirico e as obras de René
Magritte. Delvaux teve o primeiro
contacto com os dois artistas no final
dos anos 20 do século passado, quando visitou uma
exposição que incluía obras de Chirico
e, pouco depois, conheceu Magritte.
Tal como Magritte, Delvaux
trabalhou em reclusão. O que liga
Delvaux aos surrealistas não é o
sentimento – tão importante para muitos
artistas – de pertença a um grupo, mas
o facto de o pintor também procurar
criar na sua arte uma atmosfera que
evoca o sonho e a irrealidade.
Surrealismo! O que é o surrealismo? Na
sua opinião, é acima de tudo um
despertar da ideia poética na arte, a
reintrodução do tema, mas num sentido
muito particular, o do estranho e
ilógico. Foi esta a definição que
Delvaux deu durante uma conferência em
1966.
A estranheza das suas
pintura as datam de meados dos anos 30,
com a introdução de figuras nuas num
mundo em que a intimidade da nudez é
retratada num ambiente muito público.
Em L'aube sur la ville (O
amanhecer sobre a cidade), uma figura central masculina
–
um autorretrato do artista – é rodeada
por mulheres nuas que se aproximam
lentamente como se fossem sonâmbulas.
Estas parecem representar um tipo
de existência impossível de conciliar
com a normalidade da vida quotidiana.
Tal como nos quadros de Chirico, a
arquitetura “clássica”, com as suas
linhas de fuga muito convergentes, não
passa de uma decoração sem vida. Faz
parte de um espaço completamente irreal
e serve de pano de fundo a encontros
sem sentido nem coerência.
“Aqui
ninguém pensa em comer, alimenta-se do
tempo, que passa e volta a passar; bebe
as horas. Agora estou na presença de
Claude Lorrain, mas o calor, quebrado
pela brisa do mar, não é demasiado
forte para esta luz?” Estas linhas do
autor francês Michel Butor sobre
Amanhecer sobre a Cidade descrevem
outra caraterística importante da
pintura de Delvaux – a inspiração dos
velhos mestres. Seguindo os princípios
de colagem concebidos pelos
surrealistas, Delvaux combina sonho e
pintura. Assim, cria uma realidade
imaginada em que os protagonistas, tal
como o próprio pintor em “O amanhecer
sobre a cidade”, parecem intrusos que
pretendem causar problemas no mundo dos
sonhos.
No entanto, os quadros
de Paul Delvaux não refletem apenas
sonhos, que ele retrata com um
vocabulário aparentemente ingénuo. A
sua arte pode também ser considerada
mitológica, uma vez que os seus quadros
possuem uma mensagem codificada apenas
acessível àqueles que conhecem o
significado do lugar e dos seus
habitantes, ou seja, àqueles que
compreendem a linguagem do
subconsciente.
Adaptado de um texto de
Klingsohr-Leroy
- Ano VI • 2025