Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

Paul Delvaux: Amanhecer sobre a cidade

Entre as influências mais importantes no desenvolvimento artístico de Paul Delvaux contam-se as pinturas de Giorgio de Chirico e as obras de René Magritte. Delvaux teve o primeiro contacto com os dois artistas no final dos anos 20 do século passado, quando visitou uma exposição que incluía obras de Chirico e, pouco depois, conheceu Magritte.

Tal como Magritte, Delvaux trabalhou em reclusão. O que liga Delvaux aos surrealistas não é o sentimento – tão importante para muitos artistas – de pertença a um grupo, mas o facto de o pintor também procurar criar na sua arte uma atmosfera que evoca o sonho e a irrealidade. Surrealismo! O que é o surrealismo? Na sua opinião, é acima de tudo um despertar da ideia poética na arte, a reintrodução do tema, mas num sentido muito particular, o do estranho e ilógico. Foi esta a definição que Delvaux deu durante uma conferência em 1966.

A estranheza das suas pintura as datam de meados dos anos 30, com a introdução de figuras nuas num mundo em que a intimidade da nudez é retratada num ambiente muito público. Em L'aube sur la ville (O amanhecer sobre a cidade), uma figura central masculina – um autorretrato do artista – é rodeada por mulheres nuas que se aproximam lentamente como se fossem sonâmbulas.

Estas parecem representar um tipo de existência impossível de conciliar com a normalidade da vida quotidiana. Tal como nos quadros de Chirico, a arquitetura “clássica”, com as suas linhas de fuga muito convergentes, não passa de uma decoração sem vida. Faz parte de um espaço completamente irreal e serve de pano de fundo a encontros sem sentido nem coerência.

“Aqui ninguém pensa em comer, alimenta-se do tempo, que passa e volta a passar; bebe as horas. Agora estou na presença de Claude Lorrain, mas o calor, quebrado pela brisa do mar, não é demasiado forte para esta luz?” Estas linhas do autor francês Michel Butor sobre Amanhecer sobre a Cidade descrevem outra caraterística importante da pintura de Delvaux – a inspiração dos velhos mestres. Seguindo os princípios de colagem concebidos pelos surrealistas, Delvaux combina sonho e pintura. Assim, cria uma realidade imaginada em que os protagonistas, tal como o próprio pintor em “O amanhecer sobre a cidade”, parecem intrusos que pretendem causar problemas no mundo dos sonhos.

No entanto, os quadros de Paul Delvaux não refletem apenas sonhos, que ele retrata com um vocabulário aparentemente ingénuo. A sua arte pode também ser considerada mitológica, uma vez que os seus quadros possuem uma mensagem codificada apenas acessível àqueles que conhecem o significado do lugar e dos seus habitantes, ou seja, àqueles que compreendem a linguagem do subconsciente.

Adaptado de um texto de
Klingsohr-Leroy