Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

O Portal das Nuvens de Anish Kapoor

Anish Kapoor deu à sua escultura colossal o nome de Cloud Gate, mas toda a gente em Chicago lhe chama Bean (feijão). São cento e dez toneladas de aço inoxidável polido, que parece flutuar acima do seu pedestal de cimento. Desde que foi instalado no topo do Millennium Park, tornou-se um ícone de Chicago. Recebe mais visitantes do que qualquer outro destino desta grande cidade dos EUA. Uma sondagem do Chicago Reader classificaram-na como a melhor atração da cidade – à frente inclusive do Lago Michigan. Infinitamente fotografado, apresentado em filmes e anúncios publicitários, elogiado pela crítica e adotado pelo público, o Cloud Gate tornou-se o espelho escolhido pela cidade e o rosto que esta apresenta ao mundo. É capaz de ser a obra de arte contemporânea mais popular dos Estados Unidos da América, uma obra escultórica abstrata e minimalista.

O sucesso do Cloud Gate é surpreendente, tendo em conta o destino de outras grandes obras de arte pública nas últimas décadas, como a Casa de Rachel Whiteread ou o Arco Inclinado de Richard Serra, que tiveram de ser demolidos perante a oposição do público. Então, o que é que o “Feijão” tem que o torna tão diferente, tão apelativo?

Como na melhor tradição renascentista, Kapoor encontrou uma forma de agradar ao público e, ao mesmo tempo enaltece os interesses dos seus patronos. A eficácia da sua retórica visual deriva da elegância da sua solução. Como objeto, Cloud Gate é inegavelmente sedutor, ao mesmo tempo monumental e convidativo. É também deliberadamente opaco. À distância, parece uma gota de mercúrio, ampliada a um tamanho imenso. De perto, torna-se claro que a gota é arqueada, criando uma passagem num eixo este-oeste, ligando a cidade ao Millennium Park e ao lago mais à frente. O espaço acima desta passagem foi esvaziado, criando uma cavidade central, que Kapoor descreve como um umbigo. Do exterior, a Cloud Gate mantém algumas parecenças com um balão, um cogumelo, um bolo, ou um OVNI – sem nunca sucumbir a nenhuma delas. No interior da cavidade central, torna-se num ambiente total, envolvendo os visitantes numa cobertura prateada e, ao mesmo tempo, rompendo a fronteira entre escultura e arquitetura.

Curvo em todos os pontos da sua superfície, o Cloud Gate tem a aparência de um objeto impossível, demasiado liso para ser feito pelo homem e demasiado excêntrico para provir da natureza. Quase não toca no chão, criando uma ilusão de estranha leveza. O desfasamento entre o exterior e o interior – a superfície exterior curva aparentemente sustentada pela tensão superficial; o interior, aparentemente em colapso no vazio – também cria um efeito paradoxal, opondo a coesão interna ao vácuo. Mas o efeito mais espetacular do Cloud Gate tem mais a ver com a sua pele do que com a sua forma. Antes de ser revelada, todos os rebites e suturas da Cloud Gate foram cuidadosamente lixados de acordo com as instruções de Kapoor para "remover todos os vestígios da mão humana". Como resultado, toda a superfície, polida até ficar com um brilho prateado, funciona como um espelho ininterrupto, refletindo tanto os transeuntes como a linha do horizonte de Chicago em graus semelhantes de distorção, enquanto os coloca num plano visual comum. É uma ilusão surpreendentemente íntima, fazendo com que o céu, a cidade e os cidadãos se encontrem no mesmo espaço.

O artista visual, Anish Kapoor, reconhece que a sua formação artística e as experiências anteriores, desempenharam um papel fundamental na criação da escultura Cloud Gate. Kapoor nasceu em Bombaim, na Índia, em 1954, e mudou-se para Londres, no Reino Unido, na década de 1970, para estudar arte. Frequentou a Hornsey College of Art e, posteriormente, a Chelsea School of Art Design. A sua formação artística inicial foi fortemente influenciada pela escola de arte britânica, que estava imersa nas tendências artísticas contemporâneas da época.

Durante a sua formação, Kapoor foi influenciado por movimentos artísticos como o Minimalismo e a chamada Arte Povera (um movimento artístico que surgiu na Itália na década de 1960. O termo "Arte Povera" pode ser traduzido como "arte pobre" ou "arte modesta", e o movimento caracteriza-se pela utilização de materiais simples e não convencionais na criação de obras de arte). Esses movimentos enfatizavam a simplicidade e a geometria na criação de obras de arte.

A escolha do aço inoxidável como material principal foi crucial para o sucesso da obra. O aço inoxidável é altamente resistente à corrosão, durável e reflete a luz de forma excecional. Isso permite que a escultura mantenha a sua aparência brilhante e espelhada ao longo dos anos. Já a complexa forma curvilínea de Cloud Gate exigiu uma modelagem 3D para conceber e projetar a escultura. A modelagem digital permite a criação de um projeto detalhado antes da construção física.

Para testar e aperfeiçoar a forma e as proporções da escultura, vários protótipos em escala foram criados, o que ajudou a resolver desafios técnicos antes da construção em grande escala. A montagem final das diferentes peças em aço inoxidável exigiu soldagem de alta precisão para garantir que as junções fossem impercetíveis, já que qualquer imperfeição seria visível devido à superfície espelhada da escultura. Pelas características da sua superfície refletora, a escultura requer limpeza e manutenção regulares para remover manchas e impressões digitais. Isso é fundamental para preservar sua aparência espelhada.
A Cloud Gate tem uma altura de aproximadamente 10 metros, uma extensão de cerca de 20 metros, e uma largura de 13 metros.