Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

“Banana colada na parede”
de Maurizio Cattelan

Esta infame peça de arte, uma banana colada na parede, conhecida como Comedian, foi vista em todas as plataformas de redes sociais aquando do seu lançamento. A dita Banana Taped to Wall, inicialmente exposta na feira Art Basel de 2019, quando foi vendida por 120 mil dólares, causou uma grande indignação no mundo do mercado da arte.

Através de uma doação não identificada, o Museu Guggenheim em Nova Iorque recebeu Comedian de Maurizio Cattelan em setembro de 2019. A obra de arte – uma banana colada a uma parede – foi inicialmente exibida e colocada à venda no festival Miami Beach Art Basel, no outono de 2019, onde atraiu reparos, chacota e muitos memes.

Durante um breve período, as redes sociais foram inundadas com imagens de praticamente tudo colado às paredes, incluindo tomates, latas de refrigerante, legumes, sapatos e um gato de alguém. As empresas responderam rapidamente com anúncios na Internet que mostravam os seus produtos, como desodorizantes e batatas fritas, colados às paredes com uma etiqueta de preço baixo.

O homem por detrás da infame obra da banana colada na parede é Maurizio Cattelan nascido em 1960, em Pádua, Itália. Cattelan goza com as instituições, as instituições em geral e os sistemas de valores atuais, especificamente na sua atividade conceptual caprichosa e provocadora. As suas criações incluem o icónico Comedian (2019), que é apenas uma banana colada a uma parede, e um monumento de cera do Papa João Paulo II a ser atingido por um meteoro.

Todas as esculturas e instalações de Cattelan são satíricas e evocam frequentemente o conceptualismo humorístico de Marcel Duchamp. Envolvem o público, o artista, os colecionadores e os padrões sociais de gosto.

Autodidata, trabalhou em design antes de iniciar a sua carreira como artista visual. Realizou exposições em Paris, Nova Iorque, Londres, Berlim, Milão e Zurique, além de participar frequentemente na Bienal de Veneza. Foram pagos milhões de euros pelas suas obras no mercado secundário. Os temas fundamentais do trabalho de Cattelan são o humor e o sarcasmo; como resultado, é por vezes referido como um palhaço da cena artística, um bobo da corte ou um brincalhão.

Falando com Sarah Thornton, escritora, etnógrafa e socióloga da cultura, sobre o tema
da originalidade, Cattelan disse: “A originalidade não é uma entidade independente. É uma progressão das coisas que são feitas. A tua capacidade de acrescentar é o que te torna original”. A sua arte recorre frequentemente a trocadilhos diretos ou subverte cenários demasiado utilizados, como a troca de pessoas por animais em quadros escultóricos. O humor de Cattelan eleva a sua arte acima do prazer estético, sendo frequentemente morbidamente interessante. Com este acto, ressuscitou-se uma série de questões que parecem surgir periodicamente: o que distingue uma obra de arte cara de outra barata aparentemente idêntica?

Quando foi exposta, durante a feira de Arte, a banana original teve de ser substituída várias vezes, uma das quais depois de ter sido retirada por alguém e consumida no momento. Esse ato de comer a banana em plena exposição, foi concretizado por um convidado – um outro artista – que apresentou uma declaração, dizendo que a banana era deliciosa. A ação de comer a banana foi vista como uma peça de performance – talvez uma declaração sobre o facto de certas peças de arte serem consideradas mais valiosas do que outras, ou então sobre o facto de alguns artistas poderem exigir quantias elevadas de dinheiro pelas suas obras de arte, enquanto outros passam fome a tentar vender peças apenas para sobreviver. Por isso, é sem ironia que o artista intitulou a sua peça performativa The Hungry Artist! (O Artista Faminto!)

Outro facto interessante, é que quem adquiriu a obra não levou para casa nenhuma banana genuína, ou fita adesiva. Em vez disso, recebeu um documento – um certificado de autenticidade – que lhe dava autorização para duplicar o trabalho e instruções pormenorizadas sobre como o fazer. Entre outros requisitos, dizia que a banana tinha de ser suspensa 175 cm acima do chão e mudada a cada sete ou dez dias.

Uma banana é uma obra de arte?
Pelo menos desde meados do século XX, o mundo da arte tem aceitado a noção de que coisas banais feitas à mão podem ser consideradas obras de arte, mas o trabalho de Cattelan estimulou uma discussão sobre a metodologia utilizada para avaliar obras de arte. De que serve um documento que dá o direito legal de fazer o mesmo, se qualquer pessoa pode colar qualquer coisa na parede, como muitas pessoas fizeram? Podemos comparar Comedian com Strange Fruit (1992-1997), de Zoe Leonard, uma enorme instalação de cascas de fruta que a artista juntava meticulosamente. Serviu como um gesto ritualizado de luto e memorização e foi criada durante a crise da SIDA. Leonard determinou que era melhor, de acordo com a intenção da peça, deixar o material deteriorar-se lentamente até se transformar em pó, depois de colaborar cuidadosamente com um conservador que estabeleceu uma forma de parar o declínio do material num determinado momento.

Embora o tempo e a mudança afetem a manifestação tangível dos objetos orgânicos de Leonard, devem ser estas peças de fruta específicas que passam pela transição. A identidade da obra de arte, segundo os artistas conceptuais dos anos 60, não reside na sua expressão física, mas sim na ideia que a inspirou. Embora não seja obrigatório, essa noção pode materializar-se. De acordo com este raciocínio, é o conceito que é comprado e vendido no mercado da arte, e não a coisa física, que é apenas uma expressão da ideia. O certificado de autenticidade preserva o estatuto da obra de arte como obra de arte mesmo quando esta é replicável ou imaterial.

Não é necessária uma banana específica para “Comedian”; qualquer banana pode ser utilizada sem alterar a mensagem da peça. Sugerir que qualquer banana e fita adesiva são obras de arte de Maurizio Cattelan, por outro lado, é muito diferente.

Atirar no mercado da arte
Mesmo que o preço da banana colada na parede, de 120 mil dólares, fosse razoável para os padrões da arte moderna, é sem dúvida uma margem significativa para o processo de fusão de dois materiais realmente económicos e facilmente acessíveis. O título da peça sugere que esta tem consciência do absurdo cómico da sua própria avaliação do mercado da arte. A inclinação ascendente da banana na parede também se assemelha a um sorriso estilizado e, como todos sabemos, as cascas de banana são utilizadas até nos mais rudimentares esboços das palhaçadas.

Cattelan, não sendo o primeiro comediante a gozar com o mercado, com os negociantes de arte e com a forma como estes se inserem em todo o sistema, já em 1995 tinha apresentado uma performance invulgar, quando colocou o galerista Emmanuel Perrotin vestido como um coelho gigante, cor-de-rosa, em forma de pénis, durante toda a sua exposição de 1995 na própria galeria parisiense de Perrotin. Errotin, o verdadeiro coelho era o título da obra. A farsa do mercado da arte foi posta em evidência ao obrigar Perrotin a trabalhar como galerista comercial, enquanto vestia um ridículo e embaraçoso fato fálico.

Outra provocação de Cattelan, aconteceu numa das casas de banho do Museu Guggenheim, onde o artista ergueu a peça America em 2016. Uma sanita em ouro de 18 quilates, uma obra satírica de arte interativa que convida as pessoas a utilizá-la. É uma observação irónica sobre os excessos dos ricos americanos. Faz eco das obras de lavatório de Marcel Duchamp e de Sherrie Levine.

Tal como outras peças de arte conceptual, a de Cattelan deve ser vista no contexto dos sistemas em que funciona. Devemos levar “Comedian” a sério ou trata-se apenas de uma piada sofisticada? Se a piada da banana colada na parede, é sobre alguém ou alguma coisa, quem ou o quê está a ser gozado? Talvez se trate de uma boa crítica ao estatuto dos artistas e da indústria e mercado da arte. Em todo o caso, gerou controvérsia na comunidade artística e levantou a questão do que é realmente a arte enquanto ideia e mensagem.

Adaptado de um texto de Isabella Meyer