Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

A Deposição de Cristo

GIOTTO, 1305 FRESCO (185 × 200cm) CAPELLA DEGLI SCROVEGNI, PÁDUA, ITALIA

Pintado na parede da Cappella degli Scrovegni, na antiga cidade universitária de Pádua, Itália, o drama representado neste fresco é insuportavelmente pungente. Os rostos e as posturas de luto das figuras, a composição forte e a utilização do espaço transmitem uma sensação de tragédia na morte de Cristo. Esta cena faz parte de uma sequência de frescos que retratam episódios da vida de Cristo, da Virgem Maria e dos pais da Virgem, Ana e Joaquim, e é, em muitos aspetos, o ponto alto emocional da Capela.

Com estes frescos, Giotto conseguiu romper com as convenções artísticas da época, e o seu novo estilo naturalista de pintura marcou um ponto de viragem no desenvolvimento da arte ocidental. Antes de Giotto criar as suas imagens inovadoras de pessoas realistas e tridimensionais, a rigidez das figuras na tradição bizantina e o espaço plano e unidimensional que habitavam tornavam difícil ao observador sentir qualquer ligação real com o tema. Os mosaicos tinham sido muitas vezes utilizados anteriormente para imagens religiosas, mas a sua produção não só era dispendiosa e morosa, como também eram essencialmente decorativos e não se destinavam a envolver emocionalmente o crente. Este envolvimento é exatamente o que torna A Deposição de Cristo tão poderosa. Retrata o episódio mais emotivo da sequência de frescos e Giotto dota a cena de uma intensidade que é simultaneamente comovente e bela.

Para dar vida à narrativa no relato bíblico aqui representado, o corpo de Cristo foi retirado da cruz e está rodeado pela sua família e amigos em luto. A Virgem Maria, embalando o seu filho morto, é o ponto central da pintura. Tal como o corpo grande e alongado de Cristo, a dor de Maria parece insuportavelmente pesada. À direita de Maria, João Evangelista lança os braços para trás, num gesto que exprime choque e consternação, e Maria Madalena senta-se a chorar aos pés de Cristo. O uso de formas simples e blocos de cor por Giotto ajuda o observador a concentrar-se nas principais áreas de expressão emocional da pintura: os rostos e as mãos.

As massas sólidas das figuras em primeiro plano são cobertas com roupas que descrevem a forma dos corpos por baixo. Não precisamos de ver os rostos destas pessoas – a sua tristeza é expressa pelas suas cabeças inclinadas e ombros curvados. As proporções da composição são realistas e a sensação de espaço é convincente. Neste aspeto, Giotto antecipa as técnicas da perspetiva que viriam a ser formuladas e desenvolvidas em pormenor cem anos mais tarde.

GIOTTO DI BONDONE c.1270–1337
Um dos gigantes da história da arte, Giotto é geralmente considerado como o fundador da corrente principal da pintura moderna. Nascido em Colle di Vespignano, Vicchio, perto de Florença, Giotto terá sido discípulo do pintor florentino Cimabue, em Assis, tendo trabalhado nessa época em frescos da Igreja Superior de S. Francisco. Criou um estilo poderoso e naturalista que rompeu com as convenções planas e remotas da arte bizantina, dominante durante séculos. As suas figuras parecem sólidas, pesadas, situadas no espaço real e exprimem as emoções humanas com convicção e subtileza. Este enorme feito foi reconhecido durante a vida de Giotto. Trabalhou em vários centros artísticos importantes, de Florença a Nápoles, e foi o primeiro artista desde a antiguidade clássica a tornar-se conhecido em toda a Itália. Infelizmente, muitas das suas pinturas pereceram ao longo dos séculos e a sua carreira é difícil de reconstruir em pormenor. No entanto, a sua obra-prima – a decoração a fresco da Cappella degli Scrovegni, em Pádua – sobrevive em bom estado, e só esta obra é suficiente para garantir a sua reputação como um dos maiores artistas de todos os tempos.