Contemplações
Francisco Gil
A Deposição de Cristo
- Partilhar 30/03/2024
GIOTTO, 1305 FRESCO (185 × 200cm)
CAPELLA DEGLI SCROVEGNI, PÁDUA, ITALIA
Pintado na parede da
Cappella degli Scrovegni,
na antiga cidade universitária de
Pádua, Itália, o drama representado
neste fresco é insuportavelmente
pungente. Os rostos e as posturas de
luto das figuras, a composição forte e
a utilização do espaço transmitem uma
sensação de tragédia na morte de
Cristo. Esta cena faz parte de uma
sequência de frescos que retratam
episódios da vida de Cristo, da Virgem
Maria e dos pais da Virgem, Ana e
Joaquim, e é, em muitos aspetos, o
ponto alto emocional da Capela.
Com
estes frescos, Giotto conseguiu romper
com as convenções artísticas da época,
e o seu novo estilo naturalista de
pintura marcou um ponto de viragem no
desenvolvimento da arte ocidental.
Antes de Giotto criar as suas imagens
inovadoras de pessoas realistas e
tridimensionais, a rigidez das figuras
na tradição bizantina e o espaço plano
e unidimensional que habitavam tornavam
difícil ao observador sentir qualquer
ligação real com o tema. Os mosaicos
tinham sido muitas vezes utilizados
anteriormente para imagens religiosas,
mas a sua produção não só era
dispendiosa e morosa, como também eram
essencialmente decorativos e não se
destinavam a envolver emocionalmente o
crente. Este envolvimento é exatamente
o que torna A Deposição de Cristo
tão poderosa. Retrata o episódio mais
emotivo da sequência de frescos e
Giotto dota a cena de uma intensidade
que é simultaneamente comovente e bela.
Para dar vida à narrativa no relato
bíblico aqui representado, o corpo de
Cristo foi retirado da cruz e está
rodeado pela sua família e amigos em
luto. A Virgem Maria, embalando o seu
filho morto, é o ponto central da
pintura. Tal como o corpo grande e
alongado de Cristo, a dor de Maria
parece insuportavelmente pesada. À
direita de Maria, João Evangelista
lança os braços para trás, num gesto
que exprime choque e consternação, e
Maria Madalena senta-se a chorar aos
pés de Cristo. O uso de formas simples
e blocos de cor por Giotto ajuda o
observador a concentrar-se nas
principais áreas de expressão emocional
da pintura: os rostos e as mãos.
As
massas sólidas das figuras em primeiro
plano são cobertas com roupas que
descrevem a forma dos corpos por baixo.
Não precisamos de ver os rostos destas
pessoas – a sua tristeza é expressa
pelas suas cabeças inclinadas e ombros
curvados. As proporções da composição
são realistas e a sensação de espaço é
convincente. Neste aspeto, Giotto
antecipa as técnicas da perspetiva que
viriam a ser formuladas e desenvolvidas
em pormenor cem anos mais tarde.
GIOTTO DI BONDONE
c.1270–1337
Um dos gigantes da
história da arte, Giotto é geralmente
considerado como o fundador da corrente
principal da pintura moderna. Nascido
em Colle di Vespignano, Vicchio, perto
de Florença, Giotto terá sido discípulo
do pintor florentino Cimabue, em Assis,
tendo trabalhado nessa época em frescos
da Igreja Superior de S. Francisco.
Criou um estilo poderoso e naturalista
que rompeu com as convenções planas e
remotas da arte bizantina, dominante
durante séculos. As suas figuras
parecem sólidas, pesadas, situadas no
espaço real e exprimem as emoções
humanas com convicção e subtileza. Este
enorme feito foi reconhecido durante a
vida de Giotto. Trabalhou em vários
centros artísticos importantes, de
Florença a Nápoles, e foi o primeiro
artista desde a antiguidade clássica a
tornar-se conhecido em toda a Itália.
Infelizmente, muitas das suas pinturas
pereceram ao longo dos séculos e a sua
carreira é difícil de reconstruir em
pormenor. No entanto, a sua obra-prima
– a decoração a fresco da Cappella
degli Scrovegni, em Pádua –
sobrevive em bom estado, e só esta obra
é suficiente para garantir a sua
reputação como um dos maiores artistas
de todos os tempos.
- Ano V • março 2024