Contemplações
Francisco Gil
A Vitória de Samotrácia: Niké
A Vitória de Samotrácia (Niké), que se
encontra no Museu do Louvre desde 1863,
é uma das mais famosas estátuas da antiguidade, mas é também um monumento
histórico associado a uma importante
vitória naval. A localização original
da estátua é conhecida graças às
escavações arqueológicas efectuadas. Na
Samotrácia (uma ilha grega situada no
norte do mar Egeu) existia na
antiguidade um santuário onde duas
importantes divindades masculinas, eram
adoradas com um culto místico especial,
que na própria ilha eram designadas por
Grandes Deuses. Estas divindades eram
consideradas protectoras dos
marinheiros e, já no século IV a.C.,
eram bem consideradas pelos reis
macedónios. No período helenístico
(323 a.C - 146 a.C, período compreendido entre a morte de
Alexandre, o Grande e a anexação da
península e ilhas gregas por Roma), o
santuário ganhou grande fama e pessoas
de vários lugares vinham iniciar-se nos
mistérios dos Grandes Deuses,
acreditando que isso lhes garantiria
proteção nas viagens marítimas. Os reis
e as cidades também decoraram o
santuário com edifícios e oferendas
votivas.
Uma dessas oferendas
votivas, colocada numa posição
proeminente por cima do teatro, era a
estátua da Vitória (Niké). Ainda hoje não se
sabe ao certo a que acontecimento
bélico está ligada esta impressionante
oferenda votiva; segundo a opinião mais
provável e mais difundida, foi erigida
pelos governantes de Rodes após as suas decisivas
vitórias navais em 190 a.C., tendo os
romanos como aliados, contra Antíoco
III Magno, rei Selêucida, na costa
sul da Ásia Menor, e em Mionissos,
na Jónia. As
características estilísticas da estátua
são compatíveis com uma data pouco
posterior a 190 a.C. e a ligação da
obra com Rodes é ainda reforçada pelo
facto de a sua base, que tem a forma da
proa de um navio de guerra, ser feita
de calcário escuro, provavelmente, proveniente de Rodes.
Finalmente, uma inscrição fragmentária
encontrada perto do local original de
Niké menciona um escultor de Rodes.
A ideia de uma estátua da
Vitória na proa de um navio não era
nova. Mas no caso da Vitória de
Samotrácia há uma particularidade: a
estrutura a que pertencia a estátua foi
provavelmente colocada num tanque de
água, dando assim a impressão de um
navio a entrar num porto. A figura está
vestida com uma túnica fina que se
agarra ao corpo à medida que avança,
formando pregas finas e mais grossas,
enquanto uma veste grossa envolve as
pernas, deixando a esquerda
parcialmente descoberta. As asas
estendidas (das quais só sobrevive a
esquerda) sublinham também o movimento
intenso. Infelizmente, não conhecemos a
posição das mãos, pelo que a
representação da estátua continua a ser
problemática. Mas este facto não
diminui a admiração pelo trabalho
artesanal com que a estátua foi
trabalhada.
- Ano V • outubro 2023