Contemplações
Francisco Gil
Venus de Milo: dois mil anos depois!
A Vénus de Milo é um dos mais
famosos exemplos da escultura da Grécia
Antiga. É uma estátua de mármore sem
braços de Afrodite – a deusa grega do
amor e da beleza – que foi esculpida
durante o período helenístico, entre
cerca de 130 e 100 a.C. Um pouco maior
do que o tamanho natural, acredita-se
que seja obra do escultor Alexandre de
Antioquia, segundo uma inscrição no seu
plinto (agora perdida). Esta graciosa
figura de uma deusa tem fascinado os
amantes da arte, desde a sua descoberta
em 1820, na pequena ilha grega de
Milos, no mar Egeu. É, sem dúvida, uma
das estátuas mais conhecidas da
história da escultura e encontra-se
exposta no Museu do Louvre, em Paris.
A Vénus de Milo foi encontrada num campo por
um jovem agricultor chamado Yorgos
Kentrotas, enterrada num nicho de
parede dentro das ruínas da antiga
cidade de Milos. A escultura de pedra
apresentava-se em duas partes
principais: o tronco e as pernas,
cobertas por um panejamento. Vários
outros fragmentos escultóricos foram
descobertos nas proximidades, incluindo
um braço (e mão) esquerdo separado
segurando uma maçã, e um plinto
inscrito com uma clara referência a um
escultor chamado "...Sandros de
Anchiochia no Meandro".
O
agricultor foi ajudado na recuperação
da estátua por Olivier Voutier, um
oficial da marinha francesa, cuja
embarcação se encontrava ancorada nas
proximidades. Quando a notícia do
achado se espalhou, um segundo oficial
francês, Jules Dumont d'Urville,
notificou o cônsul francês junto do
Império Otomano em Constantinopla,
Charles-Francois de Riffardeau, Marquês
de Riviere. Este, por sua vez,
providenciou o envio da estátua para
França, onde foi oferecida como prenda
a Luís XVIII, que a doou ao Louvre.
A estátua é feita de
mármore de Parian e mede cerca de 1,80
m de altura, sem o plinto. Pensa-se que
retrata Afrodite, a antiga deusa grega
do amor e da beleza. De acordo com os
especialistas em restauro, a escultura
foi esculpida essencialmente a partir
de dois blocos de mármore de Parian e é
composta por várias partes que foram
esculpidas separadamente antes de serem
fixadas com cavilhas verticais.
Tragicamente, os braços da estátua e a
base original, ou plinto, perderam-se
praticamente desde a chegada da obra a
Paris, em 1820. Isto deveu-se em parte
a erros de identificação, porque quando
a estátua foi originalmente remontada,
não se acreditou que os fragmentos da
mão e do braço esquerdos que a
acompanhavam lhe pertencessem, devido
ao seu aspeto mais "rude". Hoje, no
entanto, os especialistas acreditam de
que estas peças adicionais faziam parte
da estátua original, apesar da variação
no acabamento, uma vez que era prática
comum na altura dedicar menos esforço
às partes menos visíveis de uma
escultura. (O braço envolvido, estando
acima do nível dos olhos, seria
tipicamente invisível para o espetador
casual).
Há a convicção
No seu estado original, a escultura
teria sido pintada com pigmentos
coloridos, para criar uma aparência
mais realista, e depois decorada com
bracelete, brincos e bandolete, antes
de ser colocada num nicho dentro de um
templo. Hoje, no entanto, não resta
qualquer vestígio de tinta, enquanto os
únicos sinais de joias de metal são os
orifícios de fixação.
Embora
influenciada por elementos da escultura
grega alto-clássica (c.450-400 a.C.) e
da escultura grega clássico-tardia
(c.400-323 a.C.) – o distanciamento e a
impassibilidade da cabeça, por exemplo,
provêm do século V a.C. – a Vénus de
Milo utiliza inovações criativas do
século III-IV a.C., período conhecido como
helenismo. Em primeiro lugar, é
evidente o contraste entre a carne nua
e lisa do tronco e a textura franzida
do panejamento que cobre as pernas. Em
segundo lugar, a composição em espiral
– ou seja, a ligeira viragem do corpo -
das ancas para o ombro – combinada com
o impulso para fora da anca direita,
resultando numa fascinante pose em
forma de S. Em terceiro lugar, o
tamanho relativamente pequeno do
tronco. Por último, há um indício
inevitável de tensão erótica provocada
pelo panejamento que ameaça
desprender-se completamente. Estas
quatro características estilísticas
foram todas desenvolvidas durante o
período helenístico tardio. Por isso,
no seu conjunto, a obra é vista como
uma combinação subtil de estilos
anteriores e posteriores.
Segundo a mitologia, a escultura
representa a deusa grega Afrodite e a
história do Julgamento de Páris. Nessa
história, o jovem príncipe troiano,
Páris, recebe uma maçã de ouro da deusa
da Discórdia e foi-lhe dito que a
entregasse à mais bela das três
candidatas: Afrodite, Atena e Hera.
Afrodite venceu o concurso de beleza,
subornando Páris com o amor da mais
bela mulher mortal – Helena de Esparta
– e recebeu a maçã.
Durante o
século XIX, a Vénus de Milo foi muitas
vezes elogiada por vários críticos de
arte como um dos grandes tesouros da
arte grega: uma representação da beleza
e da estética femininas – sobretudo
devido à sua notável fusão de grandeza
e graça. Como os valores estéticos
estão em permanente mudança, as
estátuas gregas sem membros já deixaram
de ser veneradas com tanto entusiasmo
como nos séculos XIX e XX. No entanto,
a deusa mantém muito do seu mistério e,
mesmo acreditando-se que representa
Afrodite, poderia também
representar a deusa do mar, Anfitrite,
que era venerada na ilha de Milo na
altura. De facto, dada a sua semelhança com a Afrodite de
Cápua (Museu Arqueológico Nacional de
Nápoles), há quem especule tratar-se de uma
réplica romana de uma escultura grega
original de finais do século IV.
Leituras adicionais:
Aicard, J. (2010). La Vénus de Milo:
recherches sur l'histoire de la
découverte, d'après desdocuments
inédits. Nabu Press.
Kousser, R.
(2005). Creating the past: The Venus de
Milo and the Hellenistic reception of
classical Greece. American Journal of
Archaeology, 109(2), 227-250.
Ravaisson, F. (2010). La Venus De Milo.
Thackeray Press.
- Ano V • setembro 2023