Contemplações
Francisco Gil
Teixeira Lopes: um retrato do infortúnio nacional
- Partilhar 15/09/2023
António Teixeira Lopes foi um dos
mais notáveis escultores portugueses.
Nasceu em Vila Nova de Gaia no mês de
outubro de 1866, numa modesta casa
próxima da Fábrica de Cerâmica das
Devesas, onde o pai, José Joaquim
Teixeira Lopes (1837-1918), ceramista e
escultor, trabalhava. O contexto
familiar onde cresceu, do desenho, da
escultura e da cerâmica, atividades que
o pai desenvolveu com algum sucesso,
tiveram grande importância no futuro de
Teixeira Lopes, filho. O pai, José
Joaquim fora o autor da estátua de D.
Pedro V da Praça da Batalha, no Porto
(1862), tendo lhe sido atribuída uma
bolsa de estudos que lhe permitiu
realizar uma temporada em Paris
(1864-1865) na Escola Imperial de
Belas-Artes.
Mas, o que o terá
impressionado mais foi provavelmente a
obra escultórica de Soares dos Reis,
“Flor Agreste” exposta em 1881 numa
exposição coletiva no Centro Artístico
Portuense. No ano seguinte, com 16 anos
de idade, ingressaria na Academia
Portuense de Belas Artes, onde foram
seus mestres, Marques de Oliveira e
o próprio Soares dos Reis cuja obra
tanto admirava. Terminou o curso em
1884 e no ano seguinte obteve uma bolsa
particular para estudar escultura em
Paris. Depois de uma experiência que o
desiludiu, na Escola de Artes
Decorativas da cidade luz, realizou as
provas de admissão às Belas-Artes,
tendo se classificado em primeiro
lugar. Participou nos anos seguintes no
então importante Salon de
Paris, que era na altura, o grande
evento de exposições das Belas Artes.
No Salon de 1889 obteve uma
medalha de ouro com “A Viúva”, obra que
o tornaria um dos grandes nomes da
escultura portuguesa do século XIX.
A escultura “A Viúva”, uma das mais
célebres esculturas portuguesas, é uma
representação dramática de uma jovem
mulher com o seu filho. Teixeira Lopes
transmite-nos o desespero da jovem mãe,
que se abeira da pequena criança que
procura desesperadamente a mama. É uma
imagem dramática, que se enquadra no
sentimentalismo da época, tão bem
caracterizado, por exemplo, com “O
Desterrado” do seu mestre Soares dos
Reis, ou em outras obras suas como a
“Caridade” ou “A Dor”. Interessante
também na visão deste dramatismo, a
recorrente tristeza revelada em algumas
obras naturalistas deste período, uma
imagem do infortúnio sentido por uma
geração de intelectuais sobre a
estagnação e decadência do país.
Como
refere José Teixeira (2005), “A Viúva”
tal como a personagem do conto de Eça
de Queirós, Suave Milagre, é
uma desalentada figura do imaginário
cristão que pela intercessão do filho
que ergue os olhos ao céu numa
indizível prece, supera o seu
desamparo. Indício dessa relação
dialógica é a presença de um terceiro
elemento ambivalente/ausente n’A Viúva:
o pai morto, metaforizado no olhar da
mãe direcionado ao chão e o pai vivo,
subjacente no olhar do filho voltado ao
cimo e que pela elementar graciosidade
da sua inocência alcança a graça
divina.
O naturalismo da obra
observa-se no delineado dos corpos e
vestes. Duas figuras no espaço de um
humilde quarto. A cena escultórica
revela um berço com roupa enrugada pela
agitação da fome da criança. São
notórios, nesta peça a influência de
esquemas escultóricos franceses, como a
“Maternité” de Paul Dubois.
Em
1893, António Teixeira Lopes, regressa
definitivamente a Portugal. O sucesso
alcançado pelas suas obras permitiu-lhe
que ao longo de toda a sua carreira
receber encomendas, tendo sido um dos
artistas plásticos portugueses mais bem-sucedidos
profissionalmente. Faleceu em São
Mamede de Ribatua, no dia 21 de junho
de 1942.
“A Viúva”, obra em
mármore está exposta no Museu de Arte
Contemporânea do Chiado em Lisboa.
Leituras adicionais:
Teixeira, J. (2005). Teixeira Lopes, a
viúva e outras figuras. Encontros de
Escultura. - Porto, 2005, p. 11-22.
http://hdl.handle.net/10451/30282
- Ano V • setembro 2023