Contemplações
Francisco Gil
Moore, mais do que obras monumentais
Em 1950, Henry Moore (1898-1986) produziu
vários desenhos para o livro A Land
(1951) de Jacquetta Hawkes. Neste
estudo altamente poético, quase
inclassificável, Hawkes utilizou "as
duas ciências da geologia e da
arqueologia para fins totalmente não
científicos", tecendo-as numa visão
romantizada e mitológica da paisagem
britânica, na qual o Paleolítico se
sobrepunha ao presente e o sujeito
humano se fundia com o ambiente que o
rodeava. A visão de Hawkes teve uma
forte ressonância no trabalho de
artistas como Moore e Hepworth, que
encontraram inspiração para a sua fusão
escultórica de paisagem e figura nas
pedras de pé de sítios como Avebury e
Stonehenge, enquanto o pintor Paul Nash
procurou "equivalentes para os
megálitos" na sua pintura de 1935 com o
mesmo nome.
Dois dos desenhos de
Moore para o livro A Land constituiram o
núcleo conceptual de uma exposição em
2015 no
Yorkshire Sculpture Park no Reino
Unido. Num deles, Illustration for
A Land: His Lines Follow Life Back into
Stone, Moore apresenta três níveis
de representação, passando de formas
biomórficas abstractas no topo da
página para uma figura feminina
reconhecível e reclinada na parte
inferior, traduzindo uma ideia em forma
concreta ao mesmo tempo que alude à
"vida" orgânica que pulsa sob os
materiais escultóricos. O relevo de
cera utilizado nas figuras brilha
através da lavagem e aguarela
sobrepostas como osso, coral, fósseis e
conchas. Estas formas, eram pontos de
referência constantes para Moore e
dão-nos essa perspetiva sobre o
seu entendimento da terra como
fragmentada, sedimentada, composta por
minúsculas partículas conglomeradas e
organismos, em vez de uma única
totalidade navegável.
O fascínio
de Moore pelo osso e pela concha como
materiais simultaneamente
arquitectónicos e maleáveis,
simultaneamente frágeis e macios, é
sublinhado nas suas obras. Ossos,
fósseis e conchas fascinavam Moore
devido à sua ligação com a
estratificação e a existência
subterrânea. A conceptualização de
Moore da paisagem era fundamentalmente
vertical e não horizontal, ligando os
seus famosos desenhos de abrigos-tubo
produzidos durante o Blitz de Londres
aos seus estudos de mineiros galeses
que se arrastavam pela escuridão
mineral.
A adoção destas abordagens temáticas, traça a
experimentação por parte de Moore através de
múltiplos suportes e não apenas através
da produção escultórica. Como
resultado, podemos entender o trabalho de
Moore, como tendo
(re)conceptualizado a própria escultura
como uma prática inerentemente
diversificada. O trabalho de Moore, vai
muito além das conhecidas
figuras reclinadas em bronze
verde.
Por exemplo, Moore realizou várias maquetas
de gesso em grande escala, que ao lado de
bronzes fundidos, se percebe a
ligação implícita entre o fascínio de
Moore pelas qualidades metamórficas dos
materiais orgânicos e os seus próprios
processos de trabalho.
A ideia
geral que temos das suas obras são as figuras e bronzes de grande escala, que
se tornaram um pouco
omnipresentes quando pensamos em Moore
como escultor, particularmente depois
deste ter aumentado o volume –
físico e numérico – das suas esculturas
nos anos 50 e 60 em resposta a
múltiplas encomendas públicas. Mas, em vez
disso, Moore, como artista plástico
desenvolveu ao longo do seu percurso,
uma prática
escultórica muito mais alargada, que as
exposições, hoje patrocinadas pela sua
fundação (The Henry Moore Foundation) nos
permitem perceber.
F.B. Gil a partir de um texto de C. Spencer
- Ano V • 2023