Carlos Afonso

Não há Pachorra

Carlos Afonso

Jogos de Guerra

No dia em que os presidentes Americano e Chinês debatem a guerra na Ucrânia, confrontam-se simultaneamente duas visões estratégicas do mundo. Uma, saída da guerra fria, dum mundo unipolar e outra emergente, de "esferas de influência". É aquilo que os chineses dizem ser o conflito do secXXI e em cuja vitória acreditam. Para os chineses, a acção de Putin não será mais que uma "escaramuça" no quadro do conflito global entre as duas superpotências actuais. Porém, esta "escaramuça" já arrasou cidades ucranianas e provocou milhares de mortes e milhões de refugiados, sem ainda sabermos quem sairá vencedor. Para uns China e Rússia criarão um eixo de autocracias, para outros o isolamento internacional da Rússia travará os objectivos da China.
Estou mais de acordo com os que (num debate promovido pelo Economist), que não pensam uma coisa nem outra.
Sintetizando as suas opiniões, a China explora a situação actual nos seus próprios interesses, no sentido de acelerar do que ela entende ser o declínio americano. O seu foco sempre foi o de estabelecer uma alternativa à "ordem liberal" do Ocidente. Um mundo desenhado em "esferas de influência", onde a China "governaria" a Ásia Oriental e o seu aliado russo teria uma espécie de veto sobre a segurança europeia. Aos Estados Unidos caberia o seu regresso a casa e ao continente americano. Esta "ordem alternativa" não leva em conta a democracia ocidental nem os direitos humanos, que são vistos, quer por Xi Jinping quer por Putin, como um estratagema do Ocidente para subverter os seus países. Por este motivo o líder chinês gostaria que a invasão russa revelasse a fraqueza ocidental. E se as sanções sobre o sistema financeiro da Rússia e a sua indústria tecnológica falharem, a China passará a recear menos estas "armas económicas".
Se Putin sair derrotado, não deixará de constituir um desaire para a imagem de Xi, que prepara o seu terceiro mandato à frente do PC Chinês (aliás, contrário a normas recentes). Por tudo isto, o apoio chinês aos russos tem os seus próprios limites: desde logo o facto do mercado russo ser pequeno face aos dos países ocidentais e os bancos e as grandes empresas chinesas não querem arriscar perder alguns deles, se ignorarem possíveis sanções. Para a China, também uma Rússia fraca será mais flexível a dar acesso aos seus portos do Norte e a fornecer gás e petróleo baratos, bem como facilitará o controle da Ásia Central. Parece assim que o Presidente chinês acredita que Putin não precisa de uma vitória esmagadora: desde que sobreviva politicamente, a China sai em vantagem deste conflito.
Um conflito cujo arrastamento favorece os objectivos chineses, pois pode provocar desunião a ocidente, dado o seu custo para os eleitores da Europa ser elevado: energia muito cara, aumento das despesas militares e acolhimento de milhões refugiados.
Ao Ocidente resta-lhe manter a união, reforçando os seus mecanismos democráticos.
Importante será, segundo estes analistas, que os Estados Unidos e a Europa entendam ( e explorem) as diferenças entre a China e a Rússia. São dois países que há 30 anos tinham economias semelhantes e hoje a da China é dez vezes superior. Além disso, a China prosperou durante estas últimas décadas de domínio ocidental enquanto a Rússia esteve na base de muita da sua instabilidade. Sem falar que Xi Jinping é diferente de Putin, cuja influência tem sido sempre exercida pelas ameaças e força militar.
Nunca Biden e a Europa devem ignorar que a China, pelos seus laços económicos, é um pilar da estabilidade do mundo.