Não há Pachorra
Carlos Afonso
Jogos de Guerra
- Partilhar 18/03/2022
No dia em que os
presidentes Americano e Chinês debatem a
guerra na Ucrânia, confrontam-se
simultaneamente duas visões estratégicas do
mundo. Uma, saída da guerra fria, dum mundo
unipolar e outra emergente, de "esferas de
influência". É aquilo que os chineses dizem
ser o conflito do secXXI e em cuja vitória
acreditam. Para os chineses, a acção de
Putin não será mais que uma "escaramuça" no
quadro do conflito global entre as duas
superpotências actuais. Porém, esta
"escaramuça" já arrasou cidades ucranianas e
provocou milhares de mortes e milhões de
refugiados, sem ainda sabermos quem sairá
vencedor. Para uns China e Rússia criarão um
eixo de autocracias, para outros o
isolamento internacional da Rússia travará
os objectivos da China.
Estou mais de
acordo com os que (num debate promovido pelo
Economist), que não pensam uma coisa nem
outra.
Sintetizando as suas opiniões, a
China explora a situação actual nos seus
próprios interesses, no sentido de acelerar
do que ela entende ser o declínio americano.
O seu foco sempre foi o de estabelecer uma
alternativa à "ordem liberal" do Ocidente.
Um mundo desenhado em "esferas de
influência", onde a China "governaria" a
Ásia Oriental e o seu aliado russo teria uma
espécie de veto sobre a segurança europeia.
Aos Estados Unidos caberia o seu regresso a
casa e ao continente americano. Esta "ordem
alternativa" não leva em conta a democracia
ocidental nem os direitos humanos, que são
vistos, quer por Xi Jinping quer por Putin,
como um estratagema do Ocidente para
subverter os seus países. Por este motivo o
líder chinês gostaria que a invasão russa
revelasse a fraqueza ocidental. E se as
sanções sobre o sistema financeiro da Rússia
e a sua indústria tecnológica falharem, a
China passará a recear menos estas "armas
económicas".
Se Putin sair derrotado,
não deixará de constituir um desaire para a
imagem de Xi, que prepara o seu terceiro
mandato à frente do PC Chinês (aliás,
contrário a normas recentes). Por tudo isto,
o apoio chinês aos russos tem os seus
próprios limites: desde logo o facto do
mercado russo ser pequeno face aos dos
países ocidentais e os bancos e as grandes
empresas chinesas não querem arriscar perder
alguns deles, se ignorarem possíveis
sanções. Para a China, também uma Rússia
fraca será mais flexível a dar acesso aos
seus portos do Norte e a fornecer gás e
petróleo baratos, bem como facilitará o
controle da Ásia Central. Parece assim que o
Presidente chinês acredita que Putin não
precisa de uma vitória esmagadora: desde que
sobreviva politicamente, a China sai em
vantagem deste conflito.
Um conflito cujo
arrastamento favorece os objectivos
chineses, pois pode provocar desunião a
ocidente, dado o seu custo para os eleitores
da Europa ser elevado: energia muito cara,
aumento das despesas militares e acolhimento
de milhões refugiados.
Ao Ocidente
resta-lhe manter a união, reforçando os seus
mecanismos democráticos.
Importante
será, segundo estes analistas, que os
Estados Unidos e a Europa entendam ( e
explorem) as diferenças entre a China e a
Rússia. São dois países que há 30 anos
tinham economias semelhantes e hoje a da
China é dez vezes superior. Além disso, a
China prosperou durante estas últimas
décadas de domínio ocidental enquanto a
Rússia esteve na base de muita da sua
instabilidade. Sem falar que Xi Jinping é
diferente de Putin, cuja influência tem sido
sempre exercida pelas ameaças e força
militar.
Nunca Biden e a Europa devem
ignorar que a China, pelos seus laços
económicos, é um pilar da estabilidade do
mundo.
- n.35 • abril 2022