
reflexões in verso
Afonso Dias
do louvor e da mentira
- Partilhar 29/04/2022
do louvor e da mentira
é manca a mentira
ainda mais a bênção
fendida é a parábola
que desde a
escritura
eleva a palavra
ao pico
do céu
purifica-se o canalha
no gesto da benzedura
e se envolve no
fedor
a assinar a redenção
do
pecado da vileza
o pus em que se
lambuza
na alameda dos desvios
a verdade é a cabra-cega
e a mentira
caga-tacos
que é baixinha e
sorrateira
lá do bojo bolça podre
faz batota pela medalha
e no colo
generoso
de deus padre espírito santo
nas boas graças se aninha
(parece
deus distraído
em parte incerta
tomado
ai jesus que estou lixado)
e
eu persigno-me
eu
genuflicto-me
eu arrasto-me
eu
arrojo-me
eu penitencio-me
eu
cilicio-me
eu humilho-me
eu
vexo-me
eu atormento-me
(e o
divinal conforto não me acolhe
nem me
sossega o da autoridadezinha)
socorre-me o camões
amigo velho
“os bons vi sempre passar no mundo
graves tormentos...”
e então
arrenego-me
arrepelo-me
excomungo-me
anatemizo-me
amaldiçoo-me
abrenuncio-me
vade-retrío-me
satanizío-me
mas
fatigo-me
enfado-me
enjoo-me
ai…
até que por fim
apaziguo-me
tranquilizo-me
sereno-me
conformo-me
resigno-me
e concluo
uma vez mais
estupraram-me
de novo
- n.36 • maio 2022