Afonso Dias

reflexões in verso

Afonso Dias

do louvor e da mentira

do louvor e da mentira

é manca a mentira
ainda mais a bênção
fendida é a parábola
que desde a escritura
eleva a palavra
ao pico do céu

purifica-se o canalha
no gesto da benzedura
e se envolve no fedor
a assinar a redenção
do pecado da vileza
o pus em que se lambuza

na alameda dos desvios
a verdade é a cabra-cega
e a mentira caga-tacos
que é baixinha e sorrateira
lá do bojo bolça podre
faz batota pela medalha
e no colo generoso
de deus padre espírito santo
nas boas graças se aninha

(parece deus distraído
em parte incerta tomado
ai jesus que estou lixado
)

e
eu persigno-me
eu genuflicto-me
eu arrasto-me
eu arrojo-me
eu penitencio-me
eu cilicio-me
eu humilho-me
eu vexo-me
eu atormento-me

(e o divinal conforto não me acolhe
nem me sossega o da autoridadezinha
)

socorre-me o camões
amigo velho
“os bons vi sempre passar no mundo graves tormentos...”

e então
arrenego-me
arrepelo-me
excomungo-me
anatemizo-me
amaldiçoo-me
abrenuncio-me
vade-retrío-me
satanizío-me

mas
fatigo-me
enfado-me
enjoo-me
ai…

até que por fim
apaziguo-me
tranquilizo-me
sereno-me
conformo-me
resigno-me

e concluo
uma vez mais

estupraram-me

de novo