Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale

As sufragistas

Em 1876 a jornalista francesa Hubertine Auclerct funda a associação Sufrágio das Mulheres e, para mediatizar a sua acção, decide não voltar a pagar impostos. Escreve uma carta à perfeitura do Sena que será reproduzida por muitos jornais:

"Senhor Prefeito,
Não admito esta exclusão em massa de mulheres que foram privadas dos seus direitos cívicos por qualquer julgamento. Por conseguinte, deixo aos homens que se arrogam o privilégio de governar, ordenar e se atribuírem orçamentos, o privilégio de pagar os impostos que eles votam e repartem a seu bel-prazer.

Como não tenho o direito de controlar o emprego do meu dinheiro, não quero voltar a dá-lo. Não quero ser, por complacência, cúmplice da vasta exploração que a autocracia masculina se acha no direito de exercer em relação às mulheres.

Não tenho direitos, portanto não tenho deveres. Não voto, não pago."

Hubertine Auclert é condenada pelo Conselho de Estado. Foi uma pioneira. As mulheres francesas tiveram que esperar até 1945 para obter o direito de voto.

Em 1903, Emmeline Pankhurst, militante feminista, decide recorrer a todos os meios, fossem eles legais ou não, para reivindicar o pleno exercício dos direitos políticos das mulheres. Funda uma associação cujas simpatizantes são logo baptizadas de "suffragettes", não hesitando em usar a violência para fazer triunfar as suas ideias. Esta acção será decisiva para forçar os governos do n.º 10 de Downing Street, a ter em conta tais reivindicações.

Sendo esposa de um famoso advogado, Emmelinne tem quarenta e cinco anos quando funda, em 1903, em Manchester, a Women's Social and Political Union (WSPU). Decepcionada com os partidos liberal e trabalhista, convence-se da necessidade de criar uma estrutura que permita às mulheres terem voz activa na sociedade. Conseguiram o direito de voto nos conselhos municipais em 1869 e nos condados em 1888, mas tais avanços eram ainda insuficientes. para ela era necessária a igualdade política entre os dois sexos. Afirma que se a simples reivindicação falhar, o movimento recorreria à violência.

As primeiras inscritas no movimento são as duas filhas de Emmeline, Silvia e Christabel. Foi o mote e o incentivo e rapidamente várias mulheres, de todas as classes sociais, juntaram-se à luta para desfilar nas ruas sob as bandeiras "Votes for Women". Esta é uma associação atípica pois não tem estatutos por escrito nem regulamentos e contudo funciona, apesar de reinar uma certa anarquia. Não tem cotizações fixas e os fundos são usados livremente pela sua fundadora.

A imprensa baptiza-as de "suffragettes" por oposição às "sufragistas" da NUWSS, a National Union of Women's Suffrage Societies, que tem o mesmo objectivo da WSPU mas difere nos métodos de trabalho e de atenção. Dirigida por Milicent Fawcette, tem origem numa organização fundada por Stuart Mill, em 1867. A NUWSS emprega todos os meios legais para fazer pressão sobre o Parlamento mas sem grande resultado. A WSPU é mais vigorosa e vai tentar impor as suas ideias.

Em 13 de Outubro de 1905, a campanha eleitoral está no auge. Sir Edward Orey preside em Manchester a uma importante reunião do partido liberal. Várias mulheres surgem agitando as suas famosas bandeiras "Vote for the Women". Interrompem o orador, por diversas vezes, antes de serem postas na rua e lavadas à esquadra da polícia. Condenadas a uma multa, recusam-se a pagar e passam alguns dias na prisão. A causa, finalmente, tem as suas mártires. Christabel Pankhurst é uma delas e o caso faz as manchetes nos jornais. A Inglaterra não está habituada a ver as suas dignas ladies a terem atitudes de desordeiras.

As militantes persistem na agitação ao longo de toda a campanha. Reclamam um governo decidido a tomar medidas concretas. Por quatro vezes, entre 1873 e 1905, a Câmara dos Comuns emitira um voto favorável ao sufrágio feminino. Mas este acordo de princípios é legalmente insuficiente e nenhum governo, liberal ou conservador, correu o risco de modificar a lei eleitoral.

Em 19 de Maio de 1906, após a vitória dos liberais, as representantes da NUWSS e da WSPU reúnem-se com o novo primeiro ministro, Sir Henry Campell. Este declara-se conquistado pela causa das senhoras mas evoca a instabilidade do governo e pede-lhe paciência, o que não se coaduna com o feitio de Emmeline Pankhurst.

Quando, em 1908, Campbell é substituído por Herbert Asquith,contrário ao voto feminino, a cólera das sufragistas aumenta. Organizam numerosos desfiles em Londres, reunindo dezenas de milhares de mulheres. Fazem vários cercos, ao parlamento, aos ministérios, às residências dos ministros e ainda perturbam as reuniões públicas. Tudo servia para chamar a atenção para a causa.

A táctica é certeira, para que a imprensa fale da sua causa. A polícia recebe ordens para prender as agitadoras e as soltar de imediato. As sufragistas agridem os agentes para que fossem presas por mais tempo. Uma vez na prisão, a luta será outra, greve da fome. Doentes por não comerem são soltas e regressam à luta. Esta postura acarreta riscos. Lady Constance Lytton sofre danos de saúde irreversíveis.

A questão do voto feminino é levantada regularmente mas os projectos de lei abortam uns atrás dos outros. Em Março de 1912, um projecto bem auspicioso fracassa. A exasperação das sufragistas atinge o máximo. O movimento de Emmeline endurece a acção com a interpelação ao rei e ainda com insultos. Algumas militantes colocam ácido nas caixas de correio, deterioram quadros no Brirish Museum e ainda colocam bombas e provocam incêndios nas casas dos seus inimigos. Nem as igrejas escapam.

Em 1913, uma das activistas, Emily Davidson, no grande Derby de Epsom, atira-se para debaixo dos cascos do cavalo com as cores do rei. Espezinhada acaba por morrer dos ferimentos. O seu gesto suscita grande emoção mas os excessos fazem perder muita influência na causa. São apelidadas de doidas. Emmeline Pankhurst é condenada a nove anos de prisão pelo incêndio de uma igreja e a sua filha abandona o movimento.

Quando rebenta a guerra, no Verão de 1914, as sufragistas juntam-se à União Sagrada. Liberta, Emmeline proclama tréguas e consagra-se à propaganda pelo esforço de guerra. A suspensão das chantagens e das violência, acaba por ter o seu efeito positivo e convence Asquith a fazer passar a tal lei, promulgada em 1918 mas com uma restrição: só as mulheres com mais de 30 anos têm o direito ao voto. Só 10 anos mais tarde, em 1928, será votada, graças ao primeiro ministro Stanley Baldwin, a lei que estabelece a igualdade total dos direitos políticos.

Os países anglo-saxões são os primeiros a conceder o direito de voto às mulheres. Em 1893 na Nova Zelândia, em 1894 na Austrália Meridional, e, 1899 na Austrália Ocidental e em 1903 na Tasmânia. O Canadá espera até 1918 e na África do Sul até 1930. Nos Estados Unidos foi gradual a partir de 1869.

Os países nórdicos avançam. A Finlândia em 1906, a Noruega em 1907, a Dinamarca em 1915 e a Islândia em 1919. Polónia em 1918, Países Baixos e Alemanha em 1919, Áustria em 1920, Checoslováquia em 1921 e Roménia em 1935. Portugal e Espanha, apesar das limitações, em 1931.

A França e a Itália apenas em 1945, tardiamente como se percebe. A Bélgica em 1949 e a Grécia, berço da democracia, somente em 1952. Pior será na Suíça onde o voto feminino apenas é conseguido em 1990.