Os novos medievais
Margarida Vale
As sufragistas
- Partilhar 30/04/2023
Em 1876 a jornalista francesa Hubertine
Auclerct funda a associação Sufrágio das
Mulheres e, para mediatizar a sua acção,
decide não voltar a pagar impostos. Escreve
uma carta à perfeitura do Sena que será
reproduzida por muitos jornais:
"Senhor Prefeito,
Não admito esta
exclusão em massa de mulheres que foram
privadas dos seus direitos cívicos por
qualquer julgamento. Por conseguinte, deixo
aos homens que se arrogam o privilégio de
governar, ordenar e se atribuírem
orçamentos, o privilégio de pagar os
impostos que eles votam e repartem a seu
bel-prazer.
Como não tenho o direito
de controlar o emprego do meu dinheiro, não
quero voltar a dá-lo. Não quero ser, por
complacência, cúmplice da vasta exploração
que a autocracia masculina se acha no
direito de exercer em relação às mulheres.
Não tenho direitos, portanto não tenho
deveres. Não voto, não pago."
Hubertine Auclert é condenada pelo Conselho
de Estado. Foi uma pioneira. As mulheres
francesas tiveram que esperar até 1945 para
obter o direito de voto.
Em 1903,
Emmeline Pankhurst, militante feminista,
decide recorrer a todos os meios, fossem
eles legais ou não, para reivindicar o pleno
exercício dos direitos políticos das
mulheres. Funda uma associação cujas
simpatizantes são logo baptizadas de
"suffragettes", não hesitando em usar a
violência para fazer triunfar as suas
ideias. Esta acção será decisiva para forçar
os governos do n.º 10 de Downing Street, a
ter em conta tais reivindicações.
Sendo esposa de um famoso advogado,
Emmelinne tem quarenta e cinco anos quando
funda, em 1903, em Manchester, a Women's
Social and Political Union (WSPU).
Decepcionada com os partidos liberal e
trabalhista, convence-se da necessidade de
criar uma estrutura que permita às mulheres
terem voz activa na sociedade. Conseguiram o
direito de voto nos conselhos municipais em
1869 e nos condados em 1888, mas tais
avanços eram ainda insuficientes. para ela
era necessária a igualdade política entre os
dois sexos. Afirma que se a simples
reivindicação falhar, o movimento recorreria
à violência.
As primeiras inscritas
no movimento são as duas filhas de Emmeline,
Silvia e Christabel. Foi o mote e o
incentivo e rapidamente várias mulheres, de
todas as classes sociais, juntaram-se à luta
para desfilar nas ruas sob as bandeiras "Votes for Women". Esta é uma associação
atípica pois não tem estatutos por escrito
nem regulamentos e contudo funciona, apesar
de reinar uma certa anarquia. Não tem
cotizações fixas e os fundos são usados
livremente pela sua fundadora.
A
imprensa baptiza-as de "suffragettes" por
oposição às "sufragistas" da NUWSS, a
National Union of Women's Suffrage
Societies, que tem o mesmo objectivo da WSPU
mas difere nos métodos de trabalho e de
atenção. Dirigida por Milicent Fawcette, tem
origem numa organização fundada por Stuart
Mill, em 1867. A NUWSS emprega todos os
meios legais para fazer pressão sobre o
Parlamento mas sem grande resultado. A WSPU
é mais vigorosa e vai tentar impor as suas
ideias.
Em 13 de Outubro de 1905, a
campanha eleitoral está no auge. Sir Edward
Orey preside em Manchester a uma importante
reunião do partido liberal. Várias mulheres
surgem agitando as suas famosas bandeiras "Vote for the Women". Interrompem o orador,
por diversas vezes, antes de serem postas na
rua e lavadas à esquadra da polícia.
Condenadas a uma multa, recusam-se a pagar e
passam alguns dias na prisão. A causa,
finalmente, tem as suas mártires. Christabel
Pankhurst é uma delas e o caso faz as
manchetes nos jornais. A Inglaterra não está
habituada a ver as suas dignas ladies a
terem atitudes de desordeiras.
As
militantes persistem na agitação ao longo de
toda a campanha. Reclamam um governo
decidido a tomar medidas concretas. Por
quatro vezes, entre 1873 e 1905, a Câmara
dos Comuns emitira um voto favorável ao
sufrágio feminino. Mas este acordo de
princípios é legalmente insuficiente e
nenhum governo, liberal ou conservador,
correu o risco de modificar a lei eleitoral.
Em 19 de Maio de 1906, após a vitória
dos liberais, as representantes da NUWSS e
da WSPU reúnem-se com o novo primeiro
ministro, Sir Henry Campell. Este declara-se
conquistado pela causa das senhoras mas
evoca a instabilidade do governo e pede-lhe
paciência, o que não se coaduna com o feitio
de Emmeline Pankhurst.
Quando, em
1908, Campbell é substituído por Herbert
Asquith,contrário ao voto feminino, a cólera
das sufragistas aumenta. Organizam numerosos
desfiles em Londres, reunindo dezenas de
milhares de mulheres. Fazem vários cercos,
ao parlamento, aos ministérios, às
residências dos ministros e ainda perturbam
as reuniões públicas. Tudo servia para
chamar a atenção para a causa.
A
táctica é certeira, para que a imprensa fale
da sua causa. A polícia recebe ordens para
prender as agitadoras e as soltar de
imediato. As sufragistas agridem os agentes
para que fossem presas por mais tempo. Uma
vez na prisão, a luta será outra, greve da
fome. Doentes por não comerem são soltas e
regressam à luta. Esta postura acarreta
riscos. Lady Constance Lytton sofre danos de
saúde irreversíveis.
A questão do
voto feminino é levantada regularmente mas
os projectos de lei abortam uns atrás dos
outros. Em Março de 1912, um projecto bem
auspicioso fracassa. A exasperação das
sufragistas atinge o máximo. O movimento de
Emmeline endurece a acção com a interpelação
ao rei e ainda com insultos. Algumas
militantes colocam ácido nas caixas de
correio, deterioram quadros no Brirish
Museum e ainda colocam bombas e provocam
incêndios nas casas dos seus inimigos. Nem
as igrejas escapam.
Em 1913, uma das
activistas, Emily Davidson, no grande Derby
de Epsom, atira-se para debaixo dos
cascos do cavalo com as cores do rei.
Espezinhada acaba por morrer dos ferimentos.
O seu gesto suscita grande emoção mas os
excessos fazem perder muita influência na
causa. São apelidadas de doidas. Emmeline
Pankhurst é condenada a nove anos de prisão
pelo incêndio de uma igreja e a sua filha
abandona o movimento.
Quando rebenta
a guerra, no Verão de 1914, as sufragistas
juntam-se à União Sagrada. Liberta, Emmeline
proclama tréguas e consagra-se à propaganda
pelo esforço de guerra. A suspensão das
chantagens e das violência, acaba por ter o
seu efeito positivo e convence Asquith a
fazer passar a tal lei, promulgada em 1918
mas com uma restrição: só as mulheres com
mais de 30 anos têm o direito ao voto. Só 10
anos mais tarde, em 1928, será votada,
graças ao primeiro ministro Stanley Baldwin,
a lei que estabelece a igualdade total dos
direitos políticos.
Os países
anglo-saxões são os primeiros a conceder o
direito de voto às mulheres. Em 1893 na Nova
Zelândia, em 1894 na Austrália Meridional,
e, 1899 na Austrália Ocidental e em 1903 na
Tasmânia. O Canadá espera até 1918 e na
África do Sul até 1930. Nos Estados Unidos
foi gradual a partir de 1869.
Os
países nórdicos avançam. A Finlândia em
1906, a Noruega em 1907, a Dinamarca em 1915
e a Islândia em 1919. Polónia em 1918,
Países Baixos e Alemanha em 1919, Áustria em
1920, Checoslováquia em 1921 e Roménia em
1935. Portugal e Espanha, apesar das
limitações, em 1931.
A França e a
Itália apenas em 1945, tardiamente como se
percebe. A Bélgica em 1949 e a Grécia, berço
da democracia, somente em 1952. Pior será na
Suíça onde o voto feminino apenas é
conseguido em 1990.
- n.48 • maio 2023