Os novos medievais
Margarida Vale
Epifania - Dia de Reis
- Partilhar 30/12/2022
Integrado na quadra natalícia, pois até aos
Reis é Natal, o dia de Reis traduz um dos
mais relevantes episódios tradicionais que
estão associados ao nascimento de Jesus
Cristo. Comemorado no dia 6 de Janeiro,
excepto nos lugares de santo de guarda, que
se pode festejar no domingo entre os dias 2
e 8 de Janeiro.
A Epifania, cujo nome
ancestral entre os cristãos era Teofonia,
englobava na sua origem a maior parte das
celebrações a Cristo, o seu baptismo, a sua
vida e o seu sofrimento na Terra bem como os
seus milagres. A partir do ano 54 separou-se
da Natividade, o nascimento, da Epifania,
que passou a ser uma festa exclusivamente
dedicada aos Reis Magos.
A data
fixada no ano de 1164, 6 de Janeiro,
pretendia assinalar a viagem dos três Reis
Magos vindos, segundo o evangelho, dos seus
longínquos países do Oriente até Belém,
guiados por uma estrela, para render
homenagem e oferecer os seus presentes a
Cristo recém nascido.
De seus nomes
Gaspar, com olhos amendoados e barba fina
,Baltazar, negro e imponente e Melchior ou
Belchior, o mais velho e de longa braba
branca, os Reis Magos pagãos simbolizam a
riqueza, o pder, a ciência e a homenagem de
todod os povos da Terra a Cristo Redentor.
Paramentados com as suas vestes
preciosas, tiaras sobre a cabeça e os
tesouros nas mãos, assim se apresentam
perante o menino, que apenas tinha pastores
à sua beira, a quem oferecem os seus
presentes. um deles três libras de ouro,
para o Rei, o outro três libras de incenso,
para o Deus e o outro, três libras de mirra,
para os restos mortais do homem.
Apenas S. Mateus narra o episódio dos reis
Magos no Evangelho e ainda afirma que estes
tiveram uma conversa com Herodes, que não se
repetiu, pois em sonhos foram aviados para o
não voltar a fazer.
São estes reis
que baptizam o manjar doceiro desta época, o
bolo-rei, uma espécie de pão doce recheado e
enfeitado com frutos secos e cristalizados,
com pinhões, amêndoas, nozes, figos, passas,
cerejas e abóbora, cuja tradição se espalhou
por toda a Europa e alguns países da América
Latina, mais concretamente o Brasil.
Esta era uma ideia retirada do bolo januar,
dos romanos, ou Saturnália, que trocavam
entre si no primeiro dia do ano. Era
acompanhado de um ramo de verdura, colhido
no bosque, dedicado à deusa Strena. Deste
nome deriva " as estreias ", expressão que,
em certas localidades do nosso país, serve
para definir o acto de oferecer presentes de
boas festas.
Recuando bastante no
tempo, "as estreias" relacionavam-se com
mascaradas, banquetes, jogos e outras
celebrações realizadas pelos povos pagãos,
de tal forma que no Concílio de Tours, em
567, foi sugerido que estas festas pagãs
dessem lugar às esmolas de carácter cristão
e litúrgico, de maneira a atenuar os traços
de politeísmo.
Ao bolo janual e ao
ramo de verdura, o hábito que os Romanos
perpetuaram, eram acrescidas pequenas
lembranças, como tâmaras, figos ou mel, com
os votos de bom ano, paz e felicidade. Mais
tarde esta singeleza não satisfazia e a sua
modernidade levou a algo mais valioso, o
ouro e a prata. Em diversos países tornou-se
costume introduzir no bolo uma pequena cruz
de porcelana, que se juntava à fava e depois
foi substituída por minúsculas figuras
humanas.
Ainda hoje esse hábito, do
brinde, se mantém e tornou-se uma tradição
bem curiosa, pois a expectativa é de ver
quem será o achador da fava, pois terá a
tarefa de oferecer o bolo seguinte. Alguns
disfarçam a sorte que lhes saiu mas, o
grosso, continua a tradição de o ofertar.
Associado à quadra natalícia
encontram-se as janeiras e os Reis, ou seja,
são peditórios cantados na noite de Natal,
de Ano Novo e de Reis. Talvez sejam uma
herança das próprias strenas romanas, uma
vez que tinham como missão o receber
dádivas.
Toda esta forma de se
iniciar o ano, remete para outras
celebrações, e tempos bem remotos, quando se
celebravam deuses e várias divindades pagãs
ou eram pedidas ou oferecidas dádivas do ano
comum, símbolo de bom augúrio, quer para
quem as pedia, quer para quem as doava.
O costume não se perdeu e grupos de
homens e mulheres, os janeireiros ou
reiseiros, acompanhados ou não por músicos,
percorrem os lugares, de porta a porta, a
pedir oferendas em troca da entoação das
"loas" ao Menino e das "janeiras" ao Reis.
Na região de Trás-os-Montes era costume,
nos quatro dias que antecediam os Reis,
juntarem-se rapazes e raparigas que
percorriam os lugares a pedir, de casa em
casa, as "janeirinhas". À frente do grupo
seguia um rapaz com uma candeia de azeite,
que voltava a ser cheia quando acabava,
pelos donos da casa seguinte. Em troca
recebiam chouriços, maçãs, passas,
castanhas, vinho e outros géneros, com os
quais organizavam uma festa, à volta da
fogueira, onde assavam e comiam os chouriços
e a restante comida.
Em Felgar,
realizava-se no dia 1 de Janeiro, a Festa
dos Rapazes, conhecida também pela Festa da
Senhora dos Moços, em que os rapazes, em
grupo, palmilhavam a freguesia fazendo um
peditório. As ofertas, chouriços, orelheira,
bolos, frutos secos, vinho e outros bens,
eram presos nos galhos de um ramo, o
"galheteiro", que cada um segurava na mão,
sendo as ofertas leiloadas no final da
ronda.
No Algarve perguntava-se
primeiro: reza ou cantiga? e, conforme a
resposta, assim os janeireiros rezavam ou
cantavam em troca das oferendas. Esta
tradição pode apresentar algumas variantes
mas a finalidades é sempre a mesma, uma
troca justa por algo que é feito, o recuar
aos tempos ancestrais da trocas por troca.
Em Niza, rapazes e raparigas
organizavam-se em grupos de quatro elementos
para cantar o "Menino Jesus", as "loas" de
Natal e os Reis, as "loas", antes e depois
do Natal. Escolhiam as casas que pudessem
ser mais rentáveis e, quando lhes abriam a
porta diziam: " Menino Jesus da Nazaré, quer
que cá cante?". Perante a resposta
afirmativa, entravam na casa, onde estava
reunida a família, quase sempre na cozinha e
começava a "loa".
Na zona de Beja, a
tradição constituía oferecer aos grupos que
cantavam as "loas" nas vésperas de Ano Bom
ou dos Reis, as populares "costas", uns
bolos feitos de massa semelhante à do pão, a
que se junta açúcar ou mel, sumo de laranja,
ovos leite e canela, moldados à mão e com
formas diferentes.
Durante anos, este
dia era especial, uma simbologia de grande
valor uma vez que a religiosidade lembrava a
pureza inicial de se cuidar de um ser
pequeno que, mais tarde, seria de grande
importância para uma comunidade. Com o
passar dos tempos, o dia perdeu-se em
Portugal mas em Espanha ainda é o de maior
entusiasmo, o dia da troca de prendas.
- n.44 • janeiro 2023