Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale

Epifania - Dia de Reis

Integrado na quadra natalícia, pois até aos Reis é Natal, o dia de Reis traduz um dos mais relevantes episódios tradicionais que estão associados ao nascimento de Jesus Cristo. Comemorado no dia 6 de Janeiro, excepto nos lugares de santo de guarda, que se pode festejar no domingo entre os dias 2 e 8 de Janeiro.

A Epifania, cujo nome ancestral entre os cristãos era Teofonia, englobava na sua origem a maior parte das celebrações a Cristo, o seu baptismo, a sua vida e o seu sofrimento na Terra bem como os seus milagres. A partir do ano 54 separou-se da Natividade, o nascimento, da Epifania, que passou a ser uma festa exclusivamente dedicada aos Reis Magos.

A data fixada no ano de 1164, 6 de Janeiro, pretendia assinalar a viagem dos três Reis Magos vindos, segundo o evangelho, dos seus longínquos países do Oriente até Belém, guiados por uma estrela, para render homenagem e oferecer os seus presentes a Cristo recém nascido.

De seus nomes Gaspar, com olhos amendoados e barba fina ,Baltazar, negro e imponente e Melchior ou Belchior, o mais velho e de longa braba branca, os Reis Magos pagãos simbolizam a riqueza, o pder, a ciência e a homenagem de todod os povos da Terra a Cristo Redentor.

Paramentados com as suas vestes preciosas, tiaras sobre a cabeça e os tesouros nas mãos, assim se apresentam perante o menino, que apenas tinha pastores à sua beira, a quem oferecem os seus presentes. um deles três libras de ouro, para o Rei, o outro três libras de incenso, para o Deus e o outro, três libras de mirra, para os restos mortais do homem.

Apenas S. Mateus narra o episódio dos reis Magos no Evangelho e ainda afirma que estes tiveram uma conversa com Herodes, que não se repetiu, pois em sonhos foram aviados para o não voltar a fazer.

São estes reis que baptizam o manjar doceiro desta época, o bolo-rei, uma espécie de pão doce recheado e enfeitado com frutos secos e cristalizados, com pinhões, amêndoas, nozes, figos, passas, cerejas e abóbora, cuja tradição se espalhou por toda a Europa e alguns países da América Latina, mais concretamente o Brasil.

Esta era uma ideia retirada do bolo januar, dos romanos, ou Saturnália, que trocavam entre si no primeiro dia do ano. Era acompanhado de um ramo de verdura, colhido no bosque, dedicado à deusa Strena. Deste nome deriva " as estreias ", expressão que, em certas localidades do nosso país, serve para definir o acto de oferecer presentes de boas festas.

Recuando bastante no tempo, "as estreias" relacionavam-se com mascaradas, banquetes, jogos e outras celebrações realizadas pelos povos pagãos, de tal forma que no Concílio de Tours, em 567, foi sugerido que estas festas pagãs dessem lugar às esmolas de carácter cristão e litúrgico, de maneira a atenuar os traços de politeísmo.

Ao bolo janual e ao ramo de verdura, o hábito que os Romanos perpetuaram, eram acrescidas pequenas lembranças, como tâmaras, figos ou mel, com os votos de bom ano, paz e felicidade. Mais tarde esta singeleza não satisfazia e a sua modernidade levou a algo mais valioso, o ouro e a prata. Em diversos países tornou-se costume introduzir no bolo uma pequena cruz de porcelana, que se juntava à fava e depois foi substituída por minúsculas figuras humanas.

Ainda hoje esse hábito, do brinde, se mantém e tornou-se uma tradição bem curiosa, pois a expectativa é de ver quem será o achador da fava, pois terá a tarefa de oferecer o bolo seguinte. Alguns disfarçam a sorte que lhes saiu mas, o grosso, continua a tradição de o ofertar.

Associado à quadra natalícia encontram-se as janeiras e os Reis, ou seja, são peditórios cantados na noite de Natal, de Ano Novo e de Reis. Talvez sejam uma herança das próprias strenas romanas, uma vez que tinham como missão o receber dádivas.

Toda esta forma de se iniciar o ano, remete para outras celebrações, e tempos bem remotos, quando se celebravam deuses e várias divindades pagãs ou eram pedidas ou oferecidas dádivas do ano comum, símbolo de bom augúrio, quer para quem as pedia, quer para quem as doava.

O costume não se perdeu e grupos de homens e mulheres, os janeireiros ou reiseiros, acompanhados ou não por músicos, percorrem os lugares, de porta a porta, a pedir oferendas em troca da entoação das "loas" ao Menino e das "janeiras" ao Reis.

Na região de Trás-os-Montes era costume, nos quatro dias que antecediam os Reis, juntarem-se rapazes e raparigas que percorriam os lugares a pedir, de casa em casa, as "janeirinhas". À frente do grupo seguia um rapaz com uma candeia de azeite, que voltava a ser cheia quando acabava, pelos donos da casa seguinte. Em troca recebiam chouriços, maçãs, passas, castanhas, vinho e outros géneros, com os quais organizavam uma festa, à volta da fogueira, onde assavam e comiam os chouriços e a restante comida.

Em Felgar, realizava-se no dia 1 de Janeiro, a Festa dos Rapazes, conhecida também pela Festa da Senhora dos Moços, em que os rapazes, em grupo, palmilhavam a freguesia fazendo um peditório. As ofertas, chouriços, orelheira, bolos, frutos secos, vinho e outros bens, eram presos nos galhos de um ramo, o "galheteiro", que cada um segurava na mão, sendo as ofertas leiloadas no final da ronda.

No Algarve perguntava-se primeiro: reza ou cantiga? e, conforme a resposta, assim os janeireiros rezavam ou cantavam em troca das oferendas. Esta tradição pode apresentar algumas variantes mas a finalidades é sempre a mesma, uma troca justa por algo que é feito, o recuar aos tempos ancestrais da trocas por troca.

Em Niza, rapazes e raparigas organizavam-se em grupos de quatro elementos para cantar o "Menino Jesus", as "loas" de Natal e os Reis, as "loas", antes e depois do Natal. Escolhiam as casas que pudessem ser mais rentáveis e, quando lhes abriam a porta diziam: " Menino Jesus da Nazaré, quer que cá cante?". Perante a resposta afirmativa, entravam na casa, onde estava reunida a família, quase sempre na cozinha e começava a "loa".

Na zona de Beja, a tradição constituía oferecer aos grupos que cantavam as "loas" nas vésperas de Ano Bom ou dos Reis, as populares "costas", uns bolos feitos de massa semelhante à do pão, a que se junta açúcar ou mel, sumo de laranja, ovos leite e canela, moldados à mão e com formas diferentes.

Durante anos, este dia era especial, uma simbologia de grande valor uma vez que a religiosidade lembrava a pureza inicial de se cuidar de um ser pequeno que, mais tarde, seria de grande importância para uma comunidade. Com o passar dos tempos, o dia perdeu-se em Portugal mas em Espanha ainda é o de maior entusiasmo, o dia da troca de prendas.