Os novos medievais
Margarida Vale
A viagem de Marco Polo
- Partilhar 30/10/2022
Em 1298, na batalha de Curzola, as galeras
venezianas são desbaratadas pelas frota
genovesa. Este poderia ser um episódio, mais
um, da guerra que opunha as duas cidades
italianas mas a verdade é que o rumo a
seguir se alterou. Entre os vários
prisioneiros estava um Marco Polo que tinha
regressado da Ásia e tinha muito que contar.
tendo ficado encerrado durante um ano, vai
ditando as suas memórias a uma companheiro
de cativeiro. Os trabalhos forçados eram tão
penosos que Rusticiano de Pisa, escreve tudo
o que ouve. Nasce, então, O Livro das
Maravilhas do Mundo.
Marco Polo,
filho de mercadores, deixa Veneza e parte
para o Oriente da demanda de negócios que
possam enriquecer a família, Aventureiro,
sangue que lhe ficou de família,
aventurou-se no desconhecido com destino à
glória. O seu pai Nicolo e o seu tio
Matteo,tinham viajado pelo oriente, tendo
chegado à Crimeia, Ásia Central, Bucara e
depois atingiram a China. Em Pequim foram
recebidos pelo grão-cão Cublai, onde ficaram
hospedados para repousar.
Tinham
partido no ano de 1255 mas o regresso só
aconteceu em 1269, uns quinze anos de
excelentes aventuras culturais de que
resultaram um carta para o Papa, de Cublai,
pedindo-lhe que enviasse à sua corte cem
possuidores de conhecimentos, um pedido que
não podia ser satisfeito pela cristandade.
De qualquer das formas, os venezianos
organizaram uma nova viagem, levando alguns
presentes e uma mensagem do Papa. Marco Polo
tinha 16 anos.
A viagem dura quatro
anos, integralmente por via terrestre,
tendo-se dirigido para a Arménia,
atravessando a actual Geórgia, seguindo
depois para sul, até ao golfo Pérsico, para
retomarem o percurso tradicional das
caravanas. Esta é a rota da seda, no
interior das montanhas da Ásia Central,
atravessa o Pamir até Kachgar, Yarkand e
Khotan, passando pelos desertos que rodeiam
o Lob Nor, até à cidade de Ganzou.
Durante um ano realizam trocas comerciais,
muito benéficas, só retomando a viagem, no
ano seguinte, quando Cublai Cão envia uma
escolta para guiar os viajantes até à sua
residência de Verão em Shangdu, a nordeste
de Pequim, chegando em 1275. Cublai quer
saber tudo sobre os costumes dos ocidentais
e a ciência, ouvindo atentamente tudo o que
lhe é relatado. Enquanto o pai e o tio de
Marco Polo fazem negócios, o jovem torna-se
o chefe de missões que o levam ao Tibete,
China do Sul e à Birmânia. Durante três ano
é adjunto de um governador de uma província
e torna-se uma peça fundamental para a vida
de Cublai.
O seu regresso está
associado a algumas hipóteses. Uma delas
será o natural envelhecimento de Cublai e a
sua próxima morte, o que seria penoso. Outra
terá ligação com as saudades que sentia da
sua terra natal. Em 1291 os três, Marco
Polo, o pai e o seu tio, acompanham uma
jovem princesa que se vai casar na Pérsia.
Parte, depois, até ao estreito de Malaca e
seguem as costas da Índia, desembarcando em
Ormuz. Disfarçados de mendigos, transportam
pedras preciosas, escondidas na cintura.
retomam o percurso por terra até à Arménia e
o resto do percurso é feito de barco,
chegando a Veneza em 1295.
Os relatos
feitos pela família foram encarados como uma
fantasia, O pouco conhecimento que se tinha
do oriente, fazia soltar risinhos e
gargalhadas como se fossem meras invenções.
Só quando exibiram as riquezas mencionadas,
as pessoas acreditaram no que era relatado.A
descrição feita é a de um estado que apenas
se desconfiava, o Estado dos Cãos, ou seja,
a China momgol no seu apogeu.
O Livro
das Maravilhas do Mundo é rico em lendas e
Marco Polo conta tudo se qualquer juízo
crítico, regiões onde as pedras preciosas se
colhem como frutos, mares onde mágicos
encantam os tubarões enquanto os pescadores
apanham pérolas de grossura inimaginável e
tantas outras riquezas que o lado ocidental
do mundo não conseguia supor sequer.
Poder-se-ia dizer que havia exagero nos
relatos. Contudo era verdade.
Os
domínios por onde estiveram eram reais. As
narrações permitiram desenhar as primeiras
cartas destas regiões mal conhecidas. Marco
Polo era um jovem muito cuidadoso e foi tão
detalhado nas suas descrições que serviram
de muita inspiração para outros
aventureiros. Um deles,ganhou grande relevo,
Cristovão Colombo, anos mais tarde, parte
por via marítima em busca destas terras tão
fabulosas e cheias de riquezas.
O
ocidente sempre teve necessidade do oriente,
das suas múltiplas riquezas. Terá sido este
o mote das viagens, para encetar contactos
comerciais entre as duas regiões: italianos,
em particular venezianos, vão buscar ao
Leste sedas, pedras preciosas e especiarias,
indispensáveis para a alimentação. Muitas
das vezes serviam para disfarçar o gosto das
carnes que se comiam já estragadas.
A
Rota da Seda, utilizada na Antiguidade,
torna-se mais segura, após uma interrupção a
partir do século VII, com o estabelecimento
de uma potência que domina a Ásia Central e
a China no século XIII, o Império Mongol.
Este tem o seu apogeu no reinado de Cublai
Cão, de 1260 a 1294, estabelecendo a sua
capital em Pequim.
O interesse pelo
desconhecido bem como o gosto pelas viagens
vem de longa data. Durante anos o motor
seria o comércio e a necessidade de
satisfazer o interesse económico de alguns.
Contudo as descobertas e o fascínio que as
mesmas despertavam em quem as fazia,
impeliam à sua continuidade. O facto de
serem bem recebidos e ouvidos, mostrava o
grau de desenvolvimento de povos de quem se
ouvia falar mas pouco se conhecia.
No
século XVII, o jesuíta António de Andrade
percorre a Ásia e penetra, duas vezes, em
Caxemira e no Tibete tentando a sua
evangelização. O seu livro, Novo
Descobrimento no Gram Cathayo ou Reino do
Tibete, surge em Lisboa em 1626, oito anos
antes da sua morte, em Goa.
No século
XIX, o padre Huc partiu como missionário
para a China, em 1839, tendo ficado cinco
anos na Mongólia e entra em Lhassa no ano de
1844, onde permanece durante dois anos. De
regresso a Paris, em 1850, publica Souvenirs
d´um voyage dan la tartarie, le Tibet et la
Chine.
No século XX, Alexandra
David-Neel, com vinte e cinco anos, viaja
através da Ásia Central e, disfarçada de
mendiga, um hábito muito útil, percorre o
Tibete que se encontrava fechado ao
ocidente. Morre em 1969 deixando muitas
obras consagradas às suas viagens e ao
budismo.
Apesar de estar tudo
devidamente relatado, a falta de vontade em
conhecer a verdade, o que realmente
aconteceu, continua a ser a matriz directora
de muitos. Marco Polo foi um visionário, um
homem que viveu antes do seu tempo, ou seja,
foi um incompreendido e pouco valorizado.
Felizmente que, séculos mais tarde, os seus
estudos tiveram proveito.
- n.42 • novembro 2022