Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale

A viagem de Marco Polo

Em 1298, na batalha de Curzola, as galeras venezianas são desbaratadas pelas frota genovesa. Este poderia ser um episódio, mais um, da guerra que opunha as duas cidades italianas mas a verdade é que o rumo a seguir se alterou. Entre os vários prisioneiros estava um Marco Polo que tinha regressado da Ásia e tinha muito que contar. tendo ficado encerrado durante um ano, vai ditando as suas memórias a uma companheiro de cativeiro. Os trabalhos forçados eram tão penosos que Rusticiano de Pisa, escreve tudo o que ouve. Nasce, então, O Livro das Maravilhas do Mundo.

Marco Polo, filho de mercadores, deixa Veneza e parte para o Oriente da demanda de negócios que possam enriquecer a família, Aventureiro, sangue que lhe ficou de família, aventurou-se no desconhecido com destino à glória. O seu pai Nicolo e o seu tio Matteo,tinham viajado pelo oriente, tendo chegado à Crimeia, Ásia Central, Bucara e depois atingiram a China. Em Pequim foram recebidos pelo grão-cão Cublai, onde ficaram hospedados para repousar.

Tinham partido no ano de 1255 mas o regresso só aconteceu em 1269, uns quinze anos de excelentes aventuras culturais de que resultaram um carta para o Papa, de Cublai, pedindo-lhe que enviasse à sua corte cem possuidores de conhecimentos, um pedido que não podia ser satisfeito pela cristandade. De qualquer das formas, os venezianos organizaram uma nova viagem, levando alguns presentes e uma mensagem do Papa. Marco Polo tinha 16 anos.

A viagem dura quatro anos, integralmente por via terrestre, tendo-se dirigido para a Arménia, atravessando a actual Geórgia, seguindo depois para sul, até ao golfo Pérsico, para retomarem o percurso tradicional das caravanas. Esta é a rota da seda, no interior das montanhas da Ásia Central, atravessa o Pamir até Kachgar, Yarkand e Khotan, passando pelos desertos que rodeiam o Lob Nor, até à cidade de Ganzou.

Durante um ano realizam trocas comerciais, muito benéficas, só retomando a viagem, no ano seguinte, quando Cublai Cão envia uma escolta para guiar os viajantes até à sua residência de Verão em Shangdu, a nordeste de Pequim, chegando em 1275. Cublai quer saber tudo sobre os costumes dos ocidentais e a ciência, ouvindo atentamente tudo o que lhe é relatado. Enquanto o pai e o tio de Marco Polo fazem negócios, o jovem torna-se o chefe de missões que o levam ao Tibete, China do Sul e à Birmânia. Durante três ano é adjunto de um governador de uma província e torna-se uma peça fundamental para a vida de Cublai.

O seu regresso está associado a algumas hipóteses. Uma delas será o natural envelhecimento de Cublai e a sua próxima morte, o que seria penoso. Outra terá ligação com as saudades que sentia da sua terra natal. Em 1291 os três, Marco Polo, o pai e o seu tio, acompanham uma jovem princesa que se vai casar na Pérsia. Parte, depois, até ao estreito de Malaca e seguem as costas da Índia, desembarcando em Ormuz. Disfarçados de mendigos, transportam pedras preciosas, escondidas na cintura. retomam o percurso por terra até à Arménia e o resto do percurso é feito de barco, chegando a Veneza em 1295.

Os relatos feitos pela família foram encarados como uma fantasia, O pouco conhecimento que se tinha do oriente, fazia soltar risinhos e gargalhadas como se fossem meras invenções. Só quando exibiram as riquezas mencionadas, as pessoas acreditaram no que era relatado.A descrição feita é a de um estado que apenas se desconfiava, o Estado dos Cãos, ou seja, a China momgol no seu apogeu.

O Livro das Maravilhas do Mundo é rico em lendas e Marco Polo conta tudo se qualquer juízo crítico, regiões onde as pedras preciosas se colhem como frutos, mares onde mágicos encantam os tubarões enquanto os pescadores apanham pérolas de grossura inimaginável e tantas outras riquezas que o lado ocidental do mundo não conseguia supor sequer. Poder-se-ia dizer que havia exagero nos relatos. Contudo era verdade.

Os domínios por onde estiveram eram reais. As narrações permitiram desenhar as primeiras cartas destas regiões mal conhecidas. Marco Polo era um jovem muito cuidadoso e foi tão detalhado nas suas descrições que serviram de muita inspiração para outros aventureiros. Um deles,ganhou grande relevo, Cristovão Colombo, anos mais tarde, parte por via marítima em busca destas terras tão fabulosas e cheias de riquezas.

O ocidente sempre teve necessidade do oriente, das suas múltiplas riquezas. Terá sido este o mote das viagens, para encetar contactos comerciais entre as duas regiões: italianos, em particular venezianos, vão buscar ao Leste sedas, pedras preciosas e especiarias, indispensáveis para a alimentação. Muitas das vezes serviam para disfarçar o gosto das carnes que se comiam já estragadas.

A Rota da Seda, utilizada na Antiguidade, torna-se mais segura, após uma interrupção a partir do século VII, com o estabelecimento de uma potência que domina a Ásia Central e a China no século XIII, o Império Mongol. Este tem o seu apogeu no reinado de Cublai Cão, de 1260 a 1294, estabelecendo a sua capital em Pequim.

O interesse pelo desconhecido bem como o gosto pelas viagens vem de longa data. Durante anos o motor seria o comércio e a necessidade de satisfazer o interesse económico de alguns. Contudo as descobertas e o fascínio que as mesmas despertavam em quem as fazia, impeliam à sua continuidade. O facto de serem bem recebidos e ouvidos, mostrava o grau de desenvolvimento de povos de quem se ouvia falar mas pouco se conhecia.

No século XVII, o jesuíta António de Andrade percorre a Ásia e penetra, duas vezes, em Caxemira e no Tibete tentando a sua evangelização. O seu livro, Novo Descobrimento no Gram Cathayo ou Reino do Tibete, surge em Lisboa em 1626, oito anos antes da sua morte, em Goa.

No século XIX, o padre Huc partiu como missionário para a China, em 1839, tendo ficado cinco anos na Mongólia e entra em Lhassa no ano de 1844, onde permanece durante dois anos. De regresso a Paris, em 1850, publica Souvenirs d´um voyage dan la tartarie, le Tibet et la Chine.

No século XX, Alexandra David-Neel, com vinte e cinco anos, viaja através da Ásia Central e, disfarçada de mendiga, um hábito muito útil, percorre o Tibete que se encontrava fechado ao ocidente. Morre em 1969 deixando muitas obras consagradas às suas viagens e ao budismo.

Apesar de estar tudo devidamente relatado, a falta de vontade em conhecer a verdade, o que realmente aconteceu, continua a ser a matriz directora de muitos. Marco Polo foi um visionário, um homem que viveu antes do seu tempo, ou seja, foi um incompreendido e pouco valorizado. Felizmente que, séculos mais tarde, os seus estudos tiveram proveito.