Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale

Conhecer a Arte

O tema da Arte ainda suscita muitas reacções diferentes. É bom. É isso que se pretende. É salutar. Uns gostam e outros não. É inevitável. Agradar a Gregos e a Troianos é, de todo, impossível. Mas o que podemos considerar como arte? O belo, o agradável, o atractivo, o que apela à emoção, ao sentimento, o que nos consegue tocar e despertar algo interior, será isto? É a transmutação da realidade, o modo como o artista sente, como pretende imortalizar um momento ou um acontecimento, a forma pessoal de sentir. É inato ao homem. Na sua longa caminhada, desde o aparecimento neste planeta, o terceiro a contar do Sol, aqui mesmo, onde estamos, o ser que habita este local, desde o fim da última glaciação, a de Wurm, tem mostrado os seus dotes, evoluído e entrado em mundos paralelos que deliciam milhões e suscitam pólos opostos de opiniões.

A descoberta de um osso gravado, em 1834, na gruta de Chaffaud, vai dar início a uma nova forma de analisar, não só a História, como também a arte. O homem pré-histórico tinha gosto pela arte, nutria já um conceito de beleza ou simplesmente obedecia a rituais religiosos e assistia a cerimónias mágicas? Começam as teorias. Em Lascaux, o "Caçador Ferido" dá o mote para um debate que se mantém até aos dias de hoje. O Paleolítico Superior é o maior período da história da humanidade que durou entre 8000 a 400000 anos. É de pensar que se deram muitas ocorrências. Os registos estão nas rochas, nas grutas, em locais escondidos. Eram diários de luta, de fé, de necessidades. É curioso que o apuro permite verificar várias raças diferentes de cavalos, tal é a perfeição. As cores são fornecidas pela natureza, os ocres roxos e amarelos, que são pintados com os dedos ou com pincéis rudimentares, de pêlos de animais e misturados com sangue e água.

A religião sempre ocupou um lugar de destaque na vida do Homem. Na época cristã, no início deste nova e revolucionária religião, as catacumbas eram locais de culto, de refúgio e, também, de manifestação da arte. As paredes são cobertas de frescos recriando as mensagens bíblicas de Noé, a arca, Daniel e os leões, bem como Lázaro saindo vivo do seu sepulcro. As referências à cruz, símbolo novo, são dissimuladas e subtis. O ícone maior será a Virgem, mãe de Jesus Cristo, que representa a pureza, a perfeição, a ausência de mácula e de pecado. A alma é feminina sendo uma mulher de braços entendidos, quando terrena e uma ave, quando se trata do céu, local de recompensa para quem pratica boas acções e cumpre os preceitos estabelecidos.

A Arte Gótica, que eclode na Idade Média, vai renovar a visão recolhida e clandestina da fé. As igrejas Românicas eram pequenas, grossas, pouco elegantes, escuras e frias. As góticas enaltecem o amor ao Criador, tentam tocar o céu, chamar-lhe a atenção. São dotadas de verticalidade, plenas de luz, usando novas técnicas, como o arco quebrado, a abóbada de cruzamento de ogivas, que suporta um peso muito maior mas mantendo a leveza da linhas, os arcobotantes, auxiliares preciosos e as gárgulas, o aspecto caricato e brincalhão. São pequenos diabinhos provocadores, que olham os crentes e os alertam para os perigos. Na verdade incitam mais do que penalizam, mas este não era o modo como se pensava na altura. Tinham um enorme valor documental e pedagógico, pois era a leitura dos analfabetos, que se encolhiam com receio dos castigos futuros, como o inferno.

O Barroco é uma arte plenamente teatral, que busca o infinito e o fantástico, cheio de pompa e esplendor. É de uma ostentação tal que aquilo que não aparece coberto, o despojado, pode parecer pecado. O contraste de luz e sombra é desenvolvido através da emoção, da afectividade e do misticismo. É a arte dos sentidos, visual, auditivo e olfactivo. O efeito da talha dourada, a exuberância, é de tal forma faustoso, que leva a crer que a religiosidade e a vida mundana estão no mesmo patamar, próximas uma da outra e não num cenário fictício da realidade, completamente teatral.

O Romantismo vai mudar tudo. Cria uma ligação entre a arte, a história e a literatura. Tem o condão de ser uma corrente muito culta, bem elaborada, que desenvolve temas como as questões históricas e literárias, a mitologia, o retrato, o sonho, as tradições populares, a vida rural e a paisagem. Dá-se a exaltação do rural, onde são encontradas as raízes de um povo, na Idade Média, na valorização do passado. A arte é inspiração e criação, interioridade, isolamento da alma. A luz produz efeitos que permitem a sugestão, o deambular por aquilo que não é mostrado mas que, quem vê, percepciona no seu íntimo.

No início do século XX surgem as vanguardas. Todas inovadoras, cheias de energia, revolucionárias, com o intuito de agitar mentes e uma sociedade que dormia tranquila e sossegadamente. O Fauvismo, agressividade e exaltação de cor, o cubismo, escandalizando tudo e todos, desmaterializando o clássico e dando uma visão geometrizante, o abstraccionismo, que rejeita a realidade concreta, o expressionismo, pura emoção e subjectivismo, o futurismo, combatendo a estética do passado e dando primazia às tecnologias, à máquina e o surrealismo, a projecção do inconsciente que se liberta, após a descoberta da psicanálise, por Freud.

Mas afinal o que é a Arte? A imitação do real? A expressão do sentimento e de emoções? A transfiguração da realidade? O símbolo de algo ou a Arte é uma forma pura? Durante muito tempo considerou-se que a Arte consistia na habilidade e perícia na produção de um determinado objecto. Mais tarde, distingue-se entre artes liberais e artes mecânicas. O Renascimento altera mentalidades e enaltece o papel puro do artista enquanto produtor de beleza e de bem estar.

O artista é o génio, o que está acima de todos. Para Kant existe uma distinção entre "artes agradáveis" e "belas-artes". As primeiras têm como finalidade o gozo e as segundas são mais que um prazer sensorial porque são um modo de conhecimento. Posteriormente, as belas-artes foram catalogadas em pintura, escultura, música, literatura, dança, arquitectura e eloquência que acabou por ser destituída pela arte cinematográfica, a chamada sétima arte.

A experiência estética só é possível se houver uma relação desinteressada pois não é uma atitude nem prática e muito menos utilitária. O que se retira do que se vê, é pessoal e não pode implicar princípios morais nem políticos. Há que haver um distanciamento psíquico pois o sentir prazer, ou a sua ausência, pertence a um outro campo. A arte como imitação do real é limitante e cinge-se a uma mera cópia. O artista não representa as coisas que vê, mas o modo como as vê e imagina.

Cada obra de arte leva a mundos imaginários ou fictícios. Esta será uma modalidade específica de vivência do mundo e da organização humana. O que o artista cria é uma transfiguração do real, uma recriação podendo até parecer que seja impossível. As portas da imaginação são vastas e largas, podendo reflectir experiência pessoais, com interpretações sensíveis e peculiares. Há todo um enriquecimento que valoriza o que quer libertar e partilhar. Na verdade é um símbolo de sentimentos que tendem a elevar o espírito humano.

Será que todos entendemos a arte com a mesma sensibilidade e o mesmo toque? Para uns será suave e doce mas para outros ainda será rude e dolorosa. Algumas obras são marcas de tempo, de acontecimentos que não podem ser apagados e registam comportamentos e modos de ser que são antecessores dos actuais. É uma existência humana crítica que dá a mão a quem a segue. O escape à rotina pode ser pacificador.

A experiência estética exige uma atitude de distanciamento psíquico. É um exercício bem simples: o sujeito coloca-se perante o objecto que o fascina, a sua contemplação como se a sua personalidade tivesse sido filtrada e ficado isenta de qualquer preocupação prática. Ser belo ou feio prende-se com o prazer que se sente na observação e sentir é o mais subjetivo que pode existir.

Esfregar manteiga numa lixa poderá ser uma tarefa árdua mas escorregar numa casca de banana continua a ser usual. A forma como cada um percepciona o que ouve ou vê, é pessoal e intransmissível, tal com a interpretação do que lhe é dado ler. Sentir? Sinta quem quiser.