Myriam Jubilot de Carvalho

Por Ondas do Mar de Vigo

Myriam Jubilot de Carvalho

Dia Mundial do Teatro

O Teatro não é uma manifestação exclusivamente europeia. Se na Europa podemos recuar as suas origens até à Antiguidade, não deveremos esquecer que também no Oriente houve diferentes manifestações dessa Arte que designamos como “teatro”. No Oriente, a China, ou o Japão, conheceram manifestações teatrais de grande prestígio. Mas esse poderá ser tema para outro apontamento. Por hoje, ficaremos no âmbito do Teatro Europeu.

Em 1922, alguns egiptólogos descobriram que o Teatro europeu nasceu na civilização Egípcia da Antiguidade.
No âmbito dessas pesquisas, destacam-se os trabalhos do Abbé Drioton, notável egiptólogo francês. Ao longo da década de 1950, as suas investigações in loco permitiram-lhe afirmar que o Teatro europeu nasceu no Antigo Egipto:
No entanto, a sua obra «Ce que l'on sait du théâtre égyptien» – Éditions de la Revue du Caire, que ele publicou, no Cairo, data de uma fase anterior das suas pesquisas, data de 1925.

A Arqueologia, e antigos textos e imagens pintadas nas paredes, ou em papiros, têm revelado vários elementos que dão fundamento à convicção de que o Teatro europeu teria nascido no Egipto da Antiguidade:

= uma estela de cerca de 1.660 aC, onde alguém inscreveu que foi o companheiro das digressões de um “patrão”, não se cansando das “declamações que ele recitava”;
= uma pintura de cerca de 1.900 aC, mostrando um bailado chamado “Canto dos Quatro Ventos”.

A civilização egípcia durou algo mais de 3.000 anos. Os antigos Egípcios teriam um tipo de “representação” de certo modo semelhante a uma espécie de ópera, pois por vezes, nas actuações havia um actor que cantava um poema, e um coro que respondia!
Essas representações não se realizavam apenas em verso; também havia representações de textos em prosa, portanto, sem dança e sem música. Estes achados demonstram que entre os Egípcios se praticava uma arte de “performance”.
Uma vez que nessas épocas longínquas, todas as manifestações humanas eram “sagradas”, muitas representações se realizavam nos pátios dos templos, ao ar livre. Inicialmente, essas apresentações falariam das vidas dos Deuses... E as estátuas sagradas eram retiradas dos seus oratórios para que também os Deuses pudessem vir presenciar e apreciar as representações com que os humanos os celebravam!

Os povos da Antiguidade, sobretudo os povos do Próximo e Médio Oriente foram muito importantes, como sabemos, para a civilização europeia: os Egípcios, os povos da Mesopotâmia (Babilónios e Assírios), os Fenícios, os Hebreus, nomeadamente a grande civilização dos Persas... Não esquecendo as longínquas regiões da Índia, e da China...

A Grécia da Antiguidade muito ficou a dever à civilização egípcia. Na Grécia da Antiguidade, Dioniso simbolizava as forças da Natureza, e era celebrado com banquetes rituais, onde corria o vinho... Havia, pois, cantares e danças!
Durante essas celebrações praticavam-se longos cortejos, ou procissões, que saíam do templo de Dioniso e davam a volta em percursos rituais, para depois regressarem ao templo... Aí, tinham palanques onde dançavam as jovens sacerdotisas, recitando a vida desse Deus...
Com o passar do tempo, esses cantos e danças começaram a ser exibidos fora do templo... Esse foi o estímulo para que outras histórias se fossem misturando às narrativas sobre a vida de Dioniso... O mesmo é dizermos que essas cerimónias se “secularizaram”, tornando-se “profanas”...
Por volta do ano 524 aC, nasce um homem que iria ter uma ideia aparentemente genial... Só aparentemente genial, uma vez que já os Egípcios, desde muito cedo, realizavam as suas “performances”:
Ésquilo cria uma narrativa que será exposta por meio do trabalho de actores, sobre um palco. Ele inspira-se em acontecimentos da História das cidades da Grécia, e das suas figuras notáveis. Escolhe acontecimentos trágicos, com a intenção de instruir – ou melhor, “moralizar” – o Povo.

Na Grécia da Antiguidade, havia, como é sabido, duas categorias de espectáculo teatral:
= A Tragédia, que se destinava a educar a assistência, através de espectáculos trágicos e comoventes, com exemplos de coragem e dignidade, de grandes arrebatamentos, de resistência à tirania...
= E a Comédia, que se destinava a divertir, gozando desde as histórias dos próprios Deuses até aos ridículos dos comportamentos das personalidades vivas, reais.
Não chegou aos nossos dias toda a produção teatral grega. No entanto, sobreviveram às vicissitudes da História os nomes e obras de Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, e Aristófanes.
É interessante notar que enquanto para Platão o Teatro era coisa ‘non grata’, como vemos em alguns dos livros de “República”, para Aristóteles foi objecto de estudo e formalizações, que poderemos ainda admirar na sua obra “Poética”.

Na civilização Romana, o Teatro não desempenhou o mesmo papel notável que tinha desempenhado na civilização Grega... Mesmo assim, os Romanos – os Latinos, também tiveram autores teatrais que deixaram o seu nome na memória dos povos vindouros: Plauto, Terêncio, sendo Séneca o principal representante do teatro trágico latino.

Concluiremos que o Teatro europeu nasceu a partir das representações religiosas, realizadas nos adros dos templos.
Essa tradição da origem religiosa das representações teatrais prolongar-se-ia para a Idade Média europeia! A partir de certa altura, a par dessas representações passou a haver outras, de carácter mais relacionado com a vida quotidiana das pessoas, reflectindo por um lado, os seus anseios e preocupações, e por outro, a sua necessidade de distracção!
Por seu lado, Marcelo Lafontana – actor, marionetista e professor de teatro – na página Lost Head (no FB), no seu texto “Um dia mundial muito teatral” considera que o Teatro nasceu nas práticas xamânicas da pré-História! Uma teoria muitíssimo interessante, que nos conduz a repensar os nossos conceitos formados a partir dos estudos escolares:
Sempre que há uma representação, por espontânea e informal que seja, estamos perante um aspecto da grande arte de ‘performance’.
Se olharmos para o amplo mundo das representações sobre um palco, efectivadas por “actores”, nele incluiremos o Bailado, e a Ópera.
A ópera nasceu, como sabemos, já no século XVII, quando um grupo de músicos de Florença pretendeu recriar o que teria sido o teatro da Grécia antiga! Mas isso seria tema para uma outra crónica.
De momento, e no âmbito deste nosso apontamento de hoje, importa referir que no Teatro da Antiguidade, os actores eram exclusivamente masculinos, os actores eram homens, exclusivamente. Os teatros dessa época eram, como se sabe, grandes anfiteatros ao ar livre. Um grande exemplo que chegou praticamente intacto aos dias de hoje, é o teatro grego de Epidauro. Vemos como os antigos sabiam aproveitar as condições naturais oferecidas pela encosta de uma elevação e aí construíam as bancadas, em perfeito anfiteatro, preservando as condições acústicas ideais para que o som chegasse nítido até à última fileira do público! Para atingir esse efeito, também eram necessários artifícios para que os actores parecessem mais altos, e o som saísse amplificado. Assim, os actores envergavam os “coturnos”, ou seja, um calçado especial, que lhes elevava a estatura. Usavam também as “máscaras”. Estas últimas não só permitiam uma amplificação do som da voz, como ainda reforçavam a função desempenhada pela personagem: havia as “máscaras trágicas”, para inspirar o terror, ou simplesmente o medo, e havia as máscaras próprias para a comédia, onde se estampava o riso exagerado...
Ainda hoje há reminiscências do teatro antigo na nossa linguagem. Vêm do Grego, as palavras “tragédia, trágico, orquestra”; “teatro” vem do Grego, através do Latim. Vêm do Latim: “comédia, cómico”... No entanto, a palavra “máscara” vem do italiano, “maschera” – e esta vem do Latim, “mascara”.
Uma outra palavra cheia de sentido, é a actual “personalidade”.
O que é a personalidade? O termo vem de “persona”, a máscara teatral dos actores latinos. Literalmente, “per-sona” era o dispositivo através do qual o som da voz saía amplificado. Mas a palavra passou às línguas latinas como a “aparência” que apresentamos aos outros; “persona”, será a nossa face visível, aquilo que os outros podem aperceber sobre quem somos. “Personalidade” será assim a “aparência do eu” que mesmo inconscientemente deixamos, permitimos, que os outros apercebam sobre o que somos... Ficando a nossa autenticidade preservada da devastação dos olhares alheios...