Por Ondas do Mar de Vigo
Myriam Jubilot de Carvalho
Dia Mundial do Teatro
- Partilhar 02/04/2023
O Teatro não é uma manifestação exclusivamente europeia. Se na Europa podemos recuar as suas origens até à Antiguidade, não deveremos esquecer que também no Oriente houve diferentes manifestações dessa Arte que designamos como “teatro”. No Oriente, a China, ou o Japão, conheceram manifestações teatrais de grande prestígio. Mas esse poderá ser tema para outro apontamento. Por hoje, ficaremos no âmbito do Teatro Europeu.
Em 1922, alguns
egiptólogos descobriram que o Teatro europeu
nasceu na civilização Egípcia da
Antiguidade.
No âmbito dessas pesquisas,
destacam-se os trabalhos do Abbé Drioton,
notável egiptólogo francês. Ao longo da
década de 1950, as suas investigações in
loco permitiram-lhe afirmar que o Teatro
europeu nasceu no Antigo Egipto:
No entanto, a sua obra «Ce que
l'on sait du théâtre égyptien» – Éditions de
la Revue du Caire, que ele publicou, no
Cairo, data de uma fase anterior das suas
pesquisas, data de 1925.
A Arqueologia, e
antigos textos e imagens pintadas nas
paredes, ou em papiros, têm revelado vários
elementos que dão fundamento à convicção de
que o Teatro europeu teria nascido no Egipto
da Antiguidade:
= uma estela de cerca
de 1.660 aC, onde alguém inscreveu que foi o
companheiro das digressões de um “patrão”,
não se cansando das “declamações que ele
recitava”;
= uma pintura de cerca de
1.900 aC, mostrando um bailado chamado
“Canto dos Quatro Ventos”.
A
civilização egípcia durou algo mais de 3.000
anos. Os antigos Egípcios teriam um tipo de
“representação” de certo modo semelhante a
uma espécie de ópera, pois por vezes, nas
actuações havia um actor que cantava um
poema, e um coro que respondia!
Essas
representações não se realizavam apenas em
verso; também havia representações de textos
em prosa, portanto, sem dança e sem música.
Estes achados demonstram que entre os
Egípcios se praticava uma arte de
“performance”.
Uma vez que nessas épocas
longínquas, todas as manifestações humanas
eram “sagradas”, muitas representações se
realizavam nos pátios dos templos, ao ar
livre. Inicialmente, essas apresentações
falariam das vidas dos Deuses... E as
estátuas sagradas eram retiradas dos seus
oratórios para que também os Deuses pudessem
vir presenciar e apreciar as representações
com que os humanos os celebravam!
Os povos da Antiguidade, sobretudo os povos do Próximo e Médio Oriente foram muito importantes, como sabemos, para a civilização europeia: os Egípcios, os povos da Mesopotâmia (Babilónios e Assírios), os Fenícios, os Hebreus, nomeadamente a grande civilização dos Persas... Não esquecendo as longínquas regiões da Índia, e da China...
A Grécia da Antiguidade muito ficou a dever
à civilização egípcia. Na Grécia da
Antiguidade, Dioniso simbolizava as forças
da Natureza, e era celebrado com banquetes
rituais, onde corria o vinho... Havia, pois,
cantares e danças!
Durante essas
celebrações praticavam-se longos cortejos,
ou procissões, que saíam do templo de
Dioniso e davam a volta em percursos
rituais, para depois regressarem ao
templo... Aí, tinham palanques onde dançavam
as jovens sacerdotisas, recitando a vida
desse Deus...
Com o passar do tempo,
esses cantos e danças começaram a ser
exibidos fora do templo... Esse foi o
estímulo para que outras histórias se fossem
misturando às narrativas sobre a vida de
Dioniso... O mesmo é dizermos que essas
cerimónias se “secularizaram”, tornando-se
“profanas”...
Por volta do ano 524 aC,
nasce um homem que iria ter uma ideia
aparentemente genial... Só aparentemente
genial, uma vez que já os Egípcios, desde
muito cedo, realizavam as suas
“performances”:
Ésquilo cria uma
narrativa que será exposta por meio do
trabalho de actores, sobre um palco. Ele
inspira-se em acontecimentos da História das
cidades da Grécia, e das suas figuras
notáveis. Escolhe acontecimentos trágicos,
com a intenção de instruir – ou melhor,
“moralizar” – o Povo.
Na Grécia da
Antiguidade, havia, como é sabido, duas
categorias de espectáculo teatral:
= A
Tragédia, que se destinava a educar a
assistência, através de espectáculos
trágicos e comoventes, com exemplos de
coragem e dignidade, de grandes
arrebatamentos, de resistência à tirania...
= E a Comédia, que se destinava a divertir,
gozando desde as histórias dos próprios
Deuses até aos ridículos dos comportamentos
das personalidades vivas, reais.
Não
chegou aos nossos dias toda a produção
teatral grega. No entanto, sobreviveram às
vicissitudes da História os nomes e obras de
Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, e Aristófanes.
É interessante notar que enquanto para
Platão o Teatro era coisa ‘non grata’, como
vemos em alguns dos livros de “República”,
para Aristóteles foi objecto de estudo e
formalizações, que poderemos ainda admirar
na sua obra “Poética”.
Na
civilização Romana, o Teatro não desempenhou
o mesmo papel notável que tinha desempenhado
na civilização Grega... Mesmo assim, os
Romanos – os Latinos, também tiveram autores
teatrais que deixaram o seu nome na memória
dos povos vindouros: Plauto, Terêncio, sendo
Séneca o principal representante do teatro
trágico latino.
Concluiremos que
o Teatro europeu nasceu a partir das
representações religiosas, realizadas nos
adros dos templos.
Essa tradição da
origem religiosa das representações teatrais
prolongar-se-ia para a Idade Média europeia!
A partir de certa altura, a par dessas
representações passou a haver outras, de
carácter mais relacionado com a vida
quotidiana das pessoas, reflectindo por um
lado, os seus anseios e preocupações, e por
outro, a sua necessidade de distracção!
Por seu lado, Marcelo Lafontana – actor,
marionetista e professor de teatro – na
página Lost Head (no FB), no seu texto “Um
dia mundial muito teatral” considera que o
Teatro nasceu nas práticas xamânicas da
pré-História! Uma teoria muitíssimo
interessante, que nos conduz a repensar os
nossos conceitos formados a partir dos
estudos escolares:
Sempre que há uma
representação, por espontânea e informal que
seja, estamos perante um aspecto da grande
arte de ‘performance’.
Se olharmos para
o amplo mundo das representações sobre um
palco, efectivadas por “actores”, nele
incluiremos o Bailado, e a Ópera.
A ópera
nasceu, como sabemos, já no século XVII,
quando um grupo de músicos de Florença
pretendeu recriar o que teria sido o teatro
da Grécia antiga! Mas isso seria tema para
uma outra crónica.
De momento, e no
âmbito deste nosso apontamento de hoje,
importa referir que no Teatro da
Antiguidade, os actores eram exclusivamente
masculinos, os actores eram homens,
exclusivamente. Os teatros dessa época eram,
como se sabe, grandes anfiteatros ao ar
livre. Um grande exemplo que chegou
praticamente intacto aos dias de hoje, é o
teatro grego de Epidauro. Vemos como os
antigos sabiam aproveitar as condições
naturais oferecidas pela encosta de uma
elevação e aí construíam as bancadas, em
perfeito anfiteatro, preservando as
condições acústicas ideais para que o som
chegasse nítido até à última fileira do
público! Para atingir esse efeito, também
eram necessários artifícios para que os
actores parecessem mais altos, e o som
saísse amplificado. Assim, os actores
envergavam os “coturnos”, ou seja, um
calçado especial, que lhes elevava a
estatura. Usavam também as “máscaras”. Estas
últimas não só permitiam uma amplificação do
som da voz, como ainda reforçavam a função
desempenhada pela personagem: havia as
“máscaras trágicas”, para inspirar o terror,
ou simplesmente o medo, e havia as máscaras
próprias para a comédia, onde se estampava o
riso exagerado...
Ainda hoje há
reminiscências do teatro antigo na nossa
linguagem. Vêm do Grego, as palavras
“tragédia, trágico, orquestra”; “teatro” vem
do Grego, através do Latim. Vêm do Latim:
“comédia, cómico”... No entanto, a palavra
“máscara” vem do italiano, “maschera” – e
esta vem do Latim, “mascara”.
Uma outra
palavra cheia de sentido, é a actual
“personalidade”.
O que é a
personalidade? O termo vem de “persona”, a
máscara teatral dos actores latinos.
Literalmente, “per-sona” era o dispositivo
através do qual o som da voz saía
amplificado. Mas a palavra passou às línguas
latinas como a “aparência” que apresentamos
aos outros; “persona”, será a nossa face
visível, aquilo que os outros podem
aperceber sobre quem somos. “Personalidade”
será assim a “aparência do eu” que mesmo
inconscientemente deixamos, permitimos, que
os outros apercebam sobre o que somos...
Ficando a nossa autenticidade preservada da
devastação dos olhares alheios...
- n.47 • abril 2023