Myriam Jubilot de Carvalho

Por Ondas do Mar de Vigo

Myriam Jubilot de Carvalho

Bom Natal de 2022

Com votos de BOM NATAL, deixo algumas sugestões de leitura para estas férias! São obras que considero muito interessantes, obras que por diferentes vias nos levam ao mundo do Maravilhoso e da Fantasia.

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Começo por Naguib Mahfouz, o escritor egípcio laureado com o Nobel da Literatura em 1988.

Em “As Noites das Mil E Uma Noites”, Naguib Mahfouz faz uma continuação das Mil e Uma Noites originais!

Dizendo isto, logo se imagina todo o sabor dos antigos contos orientais – mistérios, amor-paixão-segredos-traição, génios, encantamentos, fantasia transbordante – mas também uma apurada observação social manifestada pelo contraste entre fausto e miséria; a tudo isto se juntando uma grande sabedoria própria da filosofia ‘soufi’... Tudo se fundindo entre bem e mal, real e imaginário, de forma a que o próprio real se transfigura, tornando-se fantástico... Enfim, toda a intriga é caldeada por imensíssima ternura pelo ser humano.

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E temos agora a obra de Michel Tournier, "Gaspar, Belchior & Baltasar", publicada em França no início dos anos 80.

Nesta obra, Michel Tournier dá vida a cada um dos lendários Reis Magos! Para nosso deleite, Michel Tournier dá vida a estas figuras misteriosas. Neste conto, Gaspar é rei de Meroe, Baltasar é rei de Nippur, sendo Belchior um príncipe de Palmira! Cada um deles vai falar de si próprio, contando-nos a sua história na primeira pessoa! Pelo meio, passa toda uma meditação sobre a Vida, a Existência, o Amor, o Tempo, a Solidariedade, o Outro...

Para nossa surpresa, também o Boi e o Burro dizem de sua justiça. Mais – e aqui vemos a mão do grande escritor que é Michel Tournier – é o Burro quem nos narra o nascimento do Menino! Há ainda a história pessoal do Rei Herodes narrada pelo próprio!

Finalmente, e aqui de novo se patenteia o génio do escritor, há a história de um quarto rei Mago, aquele que, segundo uma lenda ortodoxa russa, chega atrasado e perde o seu encontro com o Menino... E ele explica porquê...

Resta ainda dizer que é tudo narrado com muita filosofia, muita poesia, imensíssima delicadeza – a obra de um sage!

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Tanto a obra de Naguib Mahfouz, como esta de Michel Tournier, partindo de histórias conhecidas, levam-nos a novos enredos!

...Finalmente, aconteceu que ao ler esta narrativa sobre o nascimento do Menino divino, regressou subitamente à minha memória aquele poema de Augusto Gil que andava pelos livros escolares antigos – um poema narrativo que nos conta o apaziguamento que se deu na Natureza à hora em que nascia Nossa Senhora. E fui reler o poema. Maravilha-nos o paralelismo que surge entre estas duas obras! Em ambas se opera uma transfiguração acontecida na Terra à hora do nascimento da Senhora, e à hora do nascimento do Menino! E que maravilhoso poema – já não tanto pelo tema, que já de si é belo e cheio de ternura, mas pela engenharia linguística patenteada na sua construção!

Sabemos que certas técnicas e gostos literários passaram de moda... Mas o poema “Natividade” contém algo de épico na sua narrativa dinamicamente sensual, na alternância dos ritmos, na variedade de imagens, rondando o ‘maravilhoso’ na solução do seu breve enredo!

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Por fim, uma breve reflexão...
No nosso tempo de extrema liberdade criativa, porque não voltar a ler com veneração e respeito os grandes “artistas da palavra”, que nos precederam? A nossa Literatura recente não pode resumir-se e confinar-se a Fernando Pessoa! Fazendo-o, consentindo-o, estamos a auto limitar-nos!

As grandes rupturas artísticas que na Europa se manifestaram a seguir à Primeira Guerra Mundial, no início do século XX, visavam uma intensa procura de novos caminhos nas Artes. Sabemos que a renovação é necessária! Sem renovação, ainda hoje nos encontraríamos na Idade da Pedra... Mas a seguir à ruptura, seguiu-se o grande movimento do Surrealismo.

...Por isso a minha mensagem de Natal vai no sentido de que precisamos de conservar a Magia, o Encanto, a Fantasia! E obviamente, a Ternura, a Solidariedade!

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Informação útil:
Naguib Mahfouz – “As Noites das Mil E Uma Noites”, edição portuguesa em 2009, pela “idea y creación editorial, s.l.”

Michel Tournier – “Gaspar, Belchior e Baltazar”, ed D. Quixote, 4ª ed, 2011

Augusto Gil – “Alba Plena”, publicado em 1916
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