Myriam Jubilot de Carvalho

Por Ondas do Mar de Vigo

Myriam Jubilot de Carvalho

Um brinde, pela manhã

Como sempre, ao acordar, após o pequeno-almoço, dirigi-me à varanda e abri as janelas da marquise. A manhã estava fresca, luminosa mas fresca... Princípios de outono... Cheguei-me ao parapeito, e como sempre, admirei a vista maravilhosa que se espraiava na minha frente... O amplo Largo, sem construções que impedissem a brisa do Rio de se difundir pela cidade...
Ia a reentrar em casa, quando me apercebo de um breve ruído nas minhas costas... Uma coisa suave... mas audível...
Virei-me para trás...
Surpresa...
Um periquito acabava de aterrar – não sobre o parapeito da varanda, mas suavemente, no chão...
– Olha o brinde com que a manhã me saúda! Sejas bem-vindo...
Perguntei-lhe donde vinha, o que lhe tinha acontecido... Mas o bichinho preferiu guardar segredo... Apenas estendia as asas sobre o pavimento... Vi que tremia...
– Estás ferido? – perguntei... – Tens fome?
Correndo o risco de que ele levantasse voo e voasse para longe, desviei-me quase sem me mexer, entrei na sala, e fui rapidamente à cozinha...
Que é que eu faço? – perguntava a mim própria...
Um pouco ao acaso, abri de par-em-par as portas do armário, em busca de alguma sugestão – pedindo aos Deuses que a avezinha não se lembrasse de continuar no seu rumo de acaso...
Alpista? Oh, ainda há aqui um resto... Quem sabe, um pouco de cuscuz...?
Peguei numa mão-cheia de cuscuz e alpista, também numa banana, e regressei, ansiosa, à marquise... Oh, que bom, ele ainda lá estava!
Lentamente, suavemente, abaixei-me sobre as pontas dos pés, e a alguma distância, depus na frente dele, aquela refeição improvisada... O meu visitante devia estar assustado, debilitado, com fome talvez, e debicou... com cautelas mil, como se os grãozinhos pudessem agarrá-lo, ou fazer-lhe algum outro mal...
Vendo-o mais tranquilo, com cuidados redobrados, avancei a mão direita... e sem dificuldade alguma, agarrei-o... ou foi ele que se deixou agarrar...
– Estás habituado às pessoas – disse-lhe...
Tinha tido um canário, que certa manhã se tinha evadido... A gaiola estava limpa, devoluta, à espera de novo ocupante... E lá o encerrei...
– Quando estiveres recomposto, deixo-te partir... – disse, antecipando o desgosto de o perder...
Deixando o passarito bem aferrolhado, arranjei-me e fui ao super-mercado. O meu objectivo – trazer-lhe um reconfortante repasto de bananas, mangas, mamão, verduras frescas...
Os dias passaram... O meu novo amigo já cantava. As suas penas azuis, suavemente azuis, a cabecita parda, todo ele tinha recuperado do esforço do voo e da fuga que o tinha trazido até mim... As suas áreas, embora indecifráveis, eram cada vez mais frequentes!
– Estás feliz? – perguntava-lhe...
Ele movia a cabecita em sinal de assentimento!
– Muito bem, compadre! Acho que gostas de ouvir a minha voz! Eu também adoro ouvir a tua!
Passou um mês, passaram dois...
Pensei que o meu amigo já estaria tão habituado comigo – e grato, porque não? – que experimentei levá-lo até à janela da cozinha...
Depus a gaiola sobre a máquina de lavar roupa, e abri um pouco a portinha para que ele recebesse mais ar! E ele cantou, cantou, enquanto eu arrumava a louça na máquina!
Tranquilamente, vim ao computador, como sempre... A curiosidade de ver os mails... Quem se lembrou hoje de mim?...
Esqueci-me das horas. Estive compenetrada! E mais um conto saiu do dedilhar do teclado...
Enfim, eram horas de preparar o almoço... Regressei à cozinha...
Uma aragem entrava pela janela... Cheirava a mar! A cidade, entre o Rio e o Mar, por vezes enche-se deste aroma marinho e de gaivotas! Algumas, têm ninho sobre a chaminé do meu prédio! É um prazer ouvi-las grasnar!
O meu periquito abanava as asitas... Persuadi-me de que cantava com mais energia!
Eu vivia feliz com este companheiro discreto! As suas áreas deliciavam-me.
A aragem que entrava pela janela ficou mais intensa... O outono tinha avançado, havia mais vento... Um vento húmido, ameaçando chuva...
O periquito deixou de cantar. Eu, entretida nas minhas lides, nem reparei...
Na sua sensibilidade voadora de animal provido de asas, e sabendo que as asas foram feitas para voar – o meu amiguinho sentiu no biquito, intensamente, o aceno das ramadas das árvores da rua...
...Olhei para ele... E vi...
...Muito ao de leve, eriçou as penas das asas, a auscultar as correntes de ar que lhe chegavam pela janela...
Sem um pio, sem uma área de despedida, alongou o seu corpito aerodinâmico... Esticou, abriu as asas... tomou balanço...