Por Ondas do Mar de Vigo
Myriam Jubilot de Carvalho
Esta luz coada
- Partilhar 28/09/2022
Talvez o vento,
baloiçando-se nestes fetos arbóreos
Talvez este céu encoberto de Outono
Talvez esta luz coada pelas vidraças
embaciadas...
Quem se baloiça? O
vento? As folhas? O monumental eucalipto que
lá de fora faz de catavento?
As telhas
humedecidas pela chuva miudinha...
O
cortinado de cambraia ondulando na janela...
A minha taquicardia clamando por socorro...
“Já viste a prenda que eu te trouxe?” –
diz ele, ternamente...
Uma serpente. Que
se vai desenroscando aos sons ondulantes das
flautas de Orfeu inundando os buracos
esfarelados das paredes, cheios das avencas
frescas, gigantescas, da ribanceira da
ribeira
Mas ela não se assusta.
Acaricia a serpente! Acaricia-o a ele nos
sons redondos que da flauta, se evaporam no
ar...
Tomam forma no escuro os tons
dourados dos trompetes, da voz rouca de Nat
King Cole, das suas ‘Autumn Leaves’...
Ergue-se cada vez mais, a serpente.
“Buonanotte amore, tu va dormire e sogni ”.
Não, não é Nat King Cole, é Nini Rosso...
Mas a serpente... Cinge-lhes os corpos.
Aperta-os, cada vez mais, cada vez mais.
Cada vez mais
Buona notte ovunque tu sei
Buonanotte a te, che sei lontano.
- n.41 • outubro 2022