Myriam Jubilot de Carvalho

Por Ondas do Mar de Vigo

Myriam Jubilot de Carvalho

As Pepitas-de-Ouro de Almada

O topónimo ALMADA deriva do Árabe al-ma’adana que significava “a mina”. Em tempos do domínio árabe-berbere, houve exploração de ouro na zona da Adiça, praia de extenso areal a sul da Fonte da Telha. Actualmente conhecido como Praia da NATO.
A mina esgotou-se. Mas Almada conserva as suas pepitas de ouro...

Cacilhas
6 da tarde, fim de Agosto – Cacilhas está em obras.
Parece que finalmente vai nascer uma zona de descanso e deleite junto ao Rio... Será?... Será desta?!
Fim de Verão. Turistas de dentro, e turistas de fora.
Gente que sai para Lisboa. Gente que mora na Margem Sul e agora regressa a casa. Gente que aqui desembarca para, simplesmente, ir jantar à Costa... – ou simplesmente, para aqui vir jantar junto ao Rio!
Abanquei numa esplanadazinha abrigada, à base da ladeira Carvalho Freirinha.
– “Carvalho Freirinha, um herói almadense da Batalha da Cova da Piedade”, travada em 1833, durante a Guerra Civil (1). Uma batalha aliás decisiva, que deu a derrota final às forças miguelistas.
...a Guerra Civil, no século XIX... Também se lhe chama “as Lutas Liberais” ...

...Há coisas para mim mais difíceis de compreender que as “contas” ... As “contas”, os “problemas” ... Assombraram-me a infância; garantiram-me o eterno desprezo da família... Se fosse hoje, alguém teria alvitrado algo como “A Menina é disléxica, mais, além de Dislexia também é sofre de “Discalculia” ... Mas ao que parece, nada disso tinha ainda sido identificado. E Dislexia mais Discalculia valeram-me a fama, mil vezes difundida e repetida, de burra, burrinha, estúpida...
...A Dislexia vem acompanhada de “compreensão lenta” ... Parece que os estímulos captados pelo cérebro, em vez de atingirem de imediato o alvo que os tornará inteligíveis, muito pelo contrário, percorrem longos percursos até atingirem o cerne da interpretação...
...Talvez devido às minhas super-extraordinárias capacidades de compreensão lenta, há coisas que eu nunca percebi... Nem certamente hei-de vir a perceber. A Guerra Civil, no século XIX, aqui, entre nós, na nossa casa... A Guerra Civil de Espanha, cerca de um século depois da nossa... A Revolução Francesa, a Revolução Russa... porquê? ...Por que razão será preciso tanto sofrimento, tanto estertor, para que se possa dar um passo em frente no caminho de uma vida social mais justa, mais igualitária, com uma distribuição de possibilidades mais equitativa para todo o mundo? E porque é que uma vez vitoriosa, a luta libertadora se converte em nova opressão?... Porque é que “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”?
...Tanta reflexão, apenas porque vim a Cacilhas neste fim de tarde de fim de Verão... Felizmente, algo se interpõe, de momento, entre as minhas reflexões e o mundo que me cerca – Um cartaz anunciando um concerto de André Rieu.

Buldózeres e escavadoras. Já estão em descanso – já hoje trabalharam muito. Autocarros que chegam, autocarros que saem.
Estou aqui nesta esplanada abrigada do vento. Aquilo que se pode designar como “café de bairro”.
Clientes atrás de mim, falam alto. Cantam. Cabo-verdianos cantam em crioulo, doces melodias dolentes. Que bem que se está aqui! Toda a gente se conhece.
No meio do bulício, gente que chega, que sai dos Cacilheiros, gente que parte – e aqui, neste canto de um paraíso não identificado, toda a minha gente se conhece. Em volta de umas b’jolas, tagarelam e cantam.
Chega mais um companheiro que já cantou “com um grupo senegalês em Sesimbra e Porto Côvo”! Agora, todos falam um franco-inglesu meio tuga, meio crioulo. Párias em busca de um mundo, de um sítio onde ganhar a vida... “É preciso dar no duro...”

– Sim, é preciso dar no duro.
É preciso ser bem acolhido!

Adoro Cacilhas, uma das muitas “pepitas de ouro” de Almada. Este ir e chegar, este vai e vem, este duro ter e não-ter e não se conformar, este correr mundo em busca de um lugar...
O azul do céu começa a esmorecer... A aragem da tarde começa a arrefecer... É fim de Agosto...
Cacilhas-pepita-de-ouro de toda a gente, de todo o mundo.
Um cão senta-se ao lado da minha mesa. Mas é conhecido de um dos clientes, e ambos regressam a casa, mochila ao ombro...

(1) Batalha da Cova da Piedade *
“Tudo deve mudar para que tudo fique como está” – A desiludida frase final do romance de Tomasi de Lampedusa, “O Leopardo”.