Por Ondas do Mar de Vigo
Myriam Jubilot de Carvalho
Serra da Arrábida
- Partilhar 30/01/2022
A Serra
ergue-se na sua imponência além da estrada.
Do outro lado da barreira natural, erguida à
nossa esquerda, fica o Mar Oceano.
A
estrada rústica, de terra batida, segue,
sinuosa, a interiorizar-se cada vez mais no
interior da Floresta. Dizem os entendidos
que é “a última floresta mediterrânica”,
conservando ainda exemplares da Era
Terciária. Não sei identificá-los,
profundamente o lamento, apesar de ser tão
antiga que me sinto aparentada com esses
sobreviventes dessas épocas ultrapassadas,
enigmáticas, misteriosas...
A estrada
segue. Enquanto descemos, é sempre em
frente. Há nuvens, suaves, trazidas pela
aragem. A hora luminosa do canto das aves já
passou. E agora, sob este calor do meio da
tarde, impôs-se, quente, este silêncio
abafado e húmido.
Estacionamos o carro
numa encruzilhada amena. Outros caminhos
seriam possíveis, mas escolhemos este – e
aqui, está-se bem.
Retiramos do
porta-bagagens as cadeiras de campismo.
Instalamo-nos à sombra aconchegante das
árvores de nomes desconhecidos. Essa
incógnita não nos perturba. Abençoada,
acolhedora, a sua quietude muda, convida-nos
a este silêncio comunicante!
Foi este
imponente silêncio que inspirou monges e
poetas a procurem esta Serra como cenário da
sua meditação e inspiração. Sebastião da
Gama, ou Frei Agostinho da Cruz, os mais
conhecidos. Séculos os separam e, no
entanto, viveram o mesmo fascínio, e a mesma
bênção.
Esta aragem, mais leve que a
respiração... Uma ou outra folha seca
balançando-se ao vento como num berço...
E este silêncio...
Vêm sublimar um
pensamento actualmente recorrente... Um dia,
um dia que finalmente virá, um dia, quando o
meu coração mergulhar no vale do Eterno
Silêncio – estará Anúbis à minha espera?
Será o meu coração mais leve que esta
aragem, mais leve que esta folha seca
balançando-se ao vento como num berço?
Que amuleto, então, me ajudará?
Terei, ao
menos, sobre o coração, um pequeno
escaravelho de lápis-lazúli para me
proteger?
Será, ao menos, o meu coração
mais leve que a pena de Maat?... Ou que esta
folhinha morta que se desprendeu da árvore e
vem balançando, suavemente, harmoniosamente,
ociosamente, em direcção ao chão para se
refundir no eterno húmus vital?...
- n.33 • fevereiro 2022